Folha de S.Paulo, 29/8/2012 | |
Para ex-reitora da Escola de Educação de Stanford, projeto de agrupar matérias demanda apoio e formação do docente.
A proposta do Ministério da Educação (MEC) de agrupar as 13 matérias do ensino médio em quatro áreas pode ser válida, mas demanda apoio e reciclagem de professores. A opinião é da professora norte-americana Deborah Stipek, ex-reitora da Escola de Educação de Stanford.
"No mundo real, humanidades e ciências são interconectadas. Um currículo integrado permite a professores organizar o ensino em torno de debates grandes e significativos, o que pode ser mais motivador para estudantes."
O tema da motivação é uma das especialidades de Stipek, que escreveu, entre outros estudos acadêmicos, o livro "Motivation to Learn: Integrating Theory and Practice" ("Motivação para Aprender: Integrando Teoria e Prática", ed. Allyn and Bacon).
Alunos perdem motivação na escola porque não são mais donos de suas próprias atividades como quando pequenos - fazem agora o que mandam, diz ela. "Muitas tarefas são frustrantes ou enfadonhas. Em escolas que têm ensino mais individualizado e enfatizam a aprendizagem pessoal, tende a não diminuir tanto."
Outro objeto de estudos de Stipek é a faixa pré-escolar. A criança deve ir para a escola o quanto antes? "Crianças de um e dois anos de idade não vão à pré-escola nos Estados Unidos. A evidência de benefícios no longo prazo é muito forte para o início de alguma escolarização aos quatro anos. Aos três, é mais fraca", afirma.
A seguir trechos da entrevista da ex-reitora que participa hoje (28) do 1º Seminário Internacional do Centro Lemann para o Empreendedorismo e a Inovação na Educação Brasileira, em São Paulo.
Fusão de matérias - É difícil julgar o projeto [do MEC] sem conhecer os detalhes. Há um valor razoável em um ensino mais integrado. A eficácia de uma mudança como essa dependerá do apoio que professores terão. Vão necessitar de oportunidades para ensinar em equipes e vão precisar de novo treinamento.
Exemplos no mundo - Esse modelo foi experimentado nos EUA. Por exemplo, alguns estudantes têm o chamado "horário em bloco", como humanidades (principalmente história e literatura) durante uma metade do dia, e matemática e ciências na outra metade. Em geral, química, biologia e física são ensinados em anos diferentes, mas muitos estudantes têm um ano de curso de ciências integrado.
Se os professores não conhecem um tópico que deveriam ensinar (por exemplo, o de química dar biologia e física no ensino integrado), o melhor é ter um professor "equipe". Nesse caso, três professores de ciências planejam lições juntos. Um pode dar a parte que é mais de química, por exemplo.
É importante não pedir a um professor ensinar o que não sabe. Quando qualquer mudança é feita na organização do ensino, professores têm de ser treinados de novo. Eles precisam de desenvolvimento profissional, o que inclui apoio e orientação.
Quando colocar na escola - Temos muito mais evidência de benefícios no longo prazo para quatro anos de idade do que para três anos. O que se encontrou é que começar um ano antes, aos três, pouco acrescenta. Crianças com um ou dois anos não vão à escola nos EUA. Se eles estiverem em um tipo de "home care fora de casa", é para que os pais possam trabalhar.
Perda de motivação - Quando pequenas, as crianças são donas de seu próprio aprendizado. Elas escolhem atividades que lhes interessam e, se têm dificuldades, podem mudar sem problemas. Na fase escolar, as tarefas são muitas vezes difíceis (e, por isso, frustrantes) ou muito fáceis (e, então, enfadonhas). As crianças passam a ser avaliadas. E algumas crianças sentem não só frustração, mas fracasso. Isso faz o entusiasmo por aprender diminuir. Mas tenho visto escolas que enfatizam aprendizado pessoal e avaliam de forma que todas as crianças experimentem sucesso independentemente do nível em relação aos colegas.
Tecnologia para pequenos - Crianças pequenas aprendem com os sentidos e pelo envolvimento em atividades. Uma boa parte do tempo delas deveria ser gasto interagindo com pessoas e objetos. Mas tecnologia pode ser incluída em um programa educacional por breves períodos de tempo. Professores que a usam precisam ter clareza quanto ao seu objetivo pedagógico (em vez de apenas manter crianças ocupadas).
Destino de verba pública - Se tivesse de escolher entre alocar verba pública para treinamento de professores e investimento em tecnologia nas escolas, colocaria mais recursos no desenvolvimento profissional dos docentes. A evidência de pesquisa é muito clara: a qualidade do ensino é o fator mais importante no desenvolvimento de crianças. Tecnologia pode ser um instrumento importante, mas como professores a usam é mais importante do que a própria tecnologia.
Rotina na escola - Ficar sentado muito tempo preenchendo apostilas e folhas não é apropriado e é uma boa forma de desviar crianças da escola. Professores eficientes criam oportunidades de aprendizado em atividades do brincar, como aprender medidas ao fazer biscoitos e a contar enquanto encenam histórias. Bons professores criam atividades de aprendizado que estimulam o interesse das crianças e são percebidas como brincadeiras, mas têm objetivos claros.
(Folha de São Paulo)
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