Editorial publicado pelo Valor Econômico
O Brasil precisa vencer seu vergonhoso atraso na educação e é um bom começo existir um consenso nacional sobre essa missão. Há grandes e complexas dificuldades a serem enfrentadas, porém. O Congresso acaba de aprovar o Plano Nacional de Educação para os próximos dez anos, com objetivos claros e metas ambiciosas. O custo do plano subiu de 7% do Produto Interno Bruto para 10% do PIB ao fim do período de vigência do plano (lei 8035), em 2024. É difícil saber o quanto do que se propôs será de fato realizado. A ênfase no aumento de gastos obrigatórios tende a colocar em segundo plano algo quase tão pernicioso quanto a carência de recursos e que é frequentemente negligenciado: a qualidade da gestão do sistema.
O plano alinha 20 metas, nas quais se sobressaem esforços quantitativos. Entre elas estão a matrícula de pelo menos 50% das crianças de até 3 anos em creches e a universalização da educação infantil pré-escola. Também se destacam a erradicação do analfabetismo e o aprimoramento dos professores - a intenção é que até 2024, metade dos que dão aulas na educação básica tenha feito curso de pós-graduação. Ao fim do período, espera-se que 50% das escolas públicas ofereçam período integral e que a remuneração dos professores esteja mais próxima da de outras carreiras de nível superior.
Mesmo supondo que as metas são factíveis, há algumas questionáveis, como a universalização até o 5º ano do acesso à rede de computadores com banda larga de alta velocidade. O objetivo é triplicar a relação computador/aluno na educação básica da rede pública. É, em primeiro lugar, uma meta dispendiosa. Em segundo, provavelmente de muito baixa eficácia. A aplicação da informática à educação é objeto de muitas pesquisas, sem que os ganhos tenham sido claramente provados. No caso brasileiro, a situação se complica mais, porque grande parte dos alunos têm professores que são ruins com uma lousa diante de si e não será uma engenhoca eletrônica que irá melhorar a qualidade do aprendizado.
O plano trata de tudo, mas parecem faltar definições de premissas básicas. Não há currículo uniforme, nem plano de carreira para os professores. Na gestão, um dos gargalos do sistema brasileiro, não se indicou preferência pela meritocracia, com benefícios a bons professores e boas escolas. E sem apelar para metas e avaliar criteriosamente desempenhos, tarefas que são difíceis, a garantia de que os recursos virão não importa o que acontecer, acaba por desestimular a boa gestão e nivelar bons e maus profissionais e administradores. Além disso, como boa parte do sistema é permeado politicamente, a resistência à avaliação por mérito é bem maior.
Sem melhorar a eficiência da gestão, a conta dos gastos com educação vai subir sempre e será repassada para frente, na forma de mais impostos. A educação, em 2024, terá um orçamento de 10% do PIB - proporcionalmente um dos maiores do mundo -, não se sabe exatamente como. A lei fala apenas na destinação de 50% dos recursos obtidos com o pré-sal, royalties e participações especiais. Como há desperdício de recursos que são reconhecidamente menores do que as necessidades, é politicamente difícil contrapor-se à meta aprovada pelo Congresso. Em termos orçamentários é péssima a vinculação, embora seja assim que o país funcione e a União tenha apenas 10% de recursos sobre os quais pode operar discricionariamente.
Há exemplos a serem seguidos que apontam para caminhos mais realistas para a educação. Existem Estados que premiam com adicional do ICMS os municípios cujas escolas tenham cumprido metas prévias e verificáveis. Há cidades como Sobral, no Ceará, em que os avanços no ensino fundamental batem a rica São Paulo com metade do gasto por aluno. Lá, professores e diretores que não estão conseguindo cumprir sua missão são trocados. Em seu lugar, entram os melhores, pois se reconhece que a alfabetização é um estágio crítico, a base sobre a qual se assentará todo o aprendizado posterior. Os professores e administradores que se destacam recebem aumentos salariais.
Não é preciso muita capacidade de previsão para apontar que o PNE não cumprirá suas metas e será executado com a proverbial capacidade de organização da administração pública. Algum benefício sempre haverá, embora ele possa estar muito aquém do possível e muito distante do desejável.
(Valor Econômico)
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