27 de julho de 2014

Rio e São Paulo não são mais donas da violência no Brasil

Os índices de homicídios de SP e Rio ainda estão longe de causar inveja a países desenvolvidos. Mas elas já não são o que o Brasil tem de mais violento

Andréa Farias/Wikimedia
Jovem morto no Rio em 2006
Jovem morto no Rio, em 2006: em uma década, o mapa da violência mudou no Brasil
São Paulo – Pergunte a alguém qual a cidade mais violenta dentre as 5,5 mil brasileiras, e é bem provável de que duas delas apareçam na maior parte das respostas: Rio de Janeiro e São Paulo. Fama à parte, porém, as duas cidades que já foram os epicentros do crime no país vivem hoje uma realidade que, acredite ou não, está longe de ser o que o Brasil tem de pior em termos de violência urbana.

Num cenário desenhado desde o final de década de 90, a violência vem estourando em estados onde até então não era um problema, e atingindo pelo caminho cidades interioranas, antes preservadas.
Um número exemplifica bem essa mudança no retrato docrime nacional.
Cerca de 6% da população brasileira mora em São Paulo. Mas nos gráficos criminais de 2002, a cidade tinha um destaque maior: 11% de todos os assassinatos cometidos no Brasil ocorriam nela.
Hoje, 3,1% dos homicídios acontecem na capital paulista.
“São duas razões (para se acreditar que Rio e São Paulo lideram em violência): a primeira coisa é que elas realmente eram, na virada do século e um pouco antes, um dos quatro ou cinco locais mais violentos do Brasil. A segunda questão é que SP e Rio têm jornais nacionais. O que acontece nelas é algo que repercute a nível nacional, tanto na TV quanto na mídia impressa”, afirma Julio Jacobo Waiselfiz, coordenador da área de estudos da violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), ligada à Unesco.
Em 2002, 5,5 mil pessoas perderam a vida assassinadas em São Paulo. Uma década depois, esse número caiu para 1,7 mil. No mesmo período, as mortes no Rio passaram de 3,7 mil para 1,3 mil.
Mas se os números foram tão reduzidos nas duas cidades – então as campeãs em termos absolutos do país – porque os assassinatos continuaram batendo recordes no Brasil em vez de cair?
Afinal, em 2012, 56 mil pessoas foram intencionalmente mortas em território nacional, cifra nunca atingida antes.
Os dois principais movimentos do crime na década explicam a questão.
1) A movimentação entre estados
Veja o que acontece com os números de homicídios - retirados do Mapa da Violência 2014 - em São Paulo e Rio de Janeiro no período de uma década.
Capital/RegiãoNº de assassinatos (2002)Nº de assassinatos (2012)Variação no período (%)
Belém42064353,1
Boa Vista82831,2
Macapá13515313,3
Manaus3951.052166,3
Palmas336287,9
Porto Velho220198-10
Rio Branco120115-4,2
NORTE1.4052.30664,1
Aracaju25835136
Fortaleza7071.920171,6
João Pessoa263568116
Maceió51185867,9
Natal102456347,1
Recife1.312809-38,3
Salvador5851.644181
São Luís194651235,6
Teresina20634165,5
NORDESTE4.1387.59883,6
Belo Horizonte979973-0,6
Rio de Janeiro3.7281.372-63,2
São Paulo5.5751.752-68,6
Vitória240191-20,4
SUDESTE10.5224.288-59,2
Curitiba53074340,2
Florianópolis8965-27
Porto Alegre5606017,3
SUL1.1791.40919,5
Brasília7441.03138,6
Campo Grande239182-23,8
Cuiabá260247-5
Goiânia43073971,9
CENTRO-OESTE1.6732.19931,4
BRASIL (só capitais)18.91717.800-5,9
Agora, volte à tabela e olhe como os números mudaram em Salvador, São Luís, Fortaleza e Manaus neste período.
Pode-se dizer que quantidade de assassinatos nelas triplicou na década. Na então pacata Natal, quase quadruplicou em 10 anos.
Nenhuma delas chegou perto de um crescimento populacional que justificasse esses números.
Quando a comparação é feita com os respectivos estados, o resultado é similar.
“O crescimento econômico que começou há poucos anos nessas regiões, muito depois de SP e Rio, significam uma onda de expansão descentralizada da economia brasileira que tem a virtude da migração e de levar empregos, mas encontra uma ausência do aparelho estatal para enfrentar este novo modelo de violência que vai junto”, afirma Julio Jacobo Waiselfiz, autor do Mapa da Violência.
Foi nesse período que Maceió conseguiu se tornar a capital mais violenta do Brasil, com 90 assassinatos para cada 100 mil habitantes.
Para parte do Norte e Nordeste, esses níveis alarmantes de violência são um movimento relativamente recente comparado ao Sudeste. Com isso, na maior parte desses estados, não se percebe ainda a desejada tendência de queda.
A tabela abaixo mostra as taxas de homicídio por 100 mil habitantes nas unidades da federação entre 1998 e 2012.
É uma maneira mais apropriada de comparar lugares diferentes, já que se leva em consideração o tamanho da população.
Quem olhar as posições de cada estados no ranking vai notar que houve uma verdadeira dança das cadeiras no período.
Bahia caiu do 22º lugar entre os violentos para o 5º. São Paulo, que ocupava a 5º posição, foi para a 26ª. Há muitos outros exemplos parecidos.
EstadoTaxa por 100 mil hab. (1998)Posição entre os mais violentos (1998)Taxa por 100 mil hab. (2012)Posição entre os mais violentos (2012)
Pernambuco58,937,110º
Espírito Santo58,447,3
Rio de Janeiro55,328,318º
Roraima50,635,413º
São Paulo39,715,126º
Amapá38,735,912º
Rondônia38,332,916º
Distrito Federal37,438,9
Mato Grosso36,334,315º
Mato Grosso do Sul33,510º27,120º
Alagoas21,811º64,6
Amazonas21,312º36,711º
Acre21,213º27,519º
Paraná17,614º32,717º
Rio Grande do Sul15,315º21,924º
Paraíba13,516º40,1
Ceará13,417º44,6
Goiás13,418º44,3
Pará13,319º41,7
Tocantins12,320º26,221º
Sergipe10,421º41,8
Bahia9,722º41,9
Minas Gerais8,623º22,823º
Rio Grande do Norte8,524º34,714º
Santa Catarina7,925º12,827º
Piauí5,226º17,225º
Maranhão527º2622º
2) Interiorização do crime
Se você vivia em um município de menos de 20 mil habitantes no ano 2000, é bem provável que disfrutasse do que no país é um luxo: taxas de assassinatos abaixo das consideradas epidêmicas, isto é, 10 mil assassinatos por 100 mil habitantes.
Pois em 2012 a realidade seria, infelizmente, outra: municípios entre 10 e 20 mil moradores registraram um aumento de 65% nessas taxas.
Enquanto os índices diminuíram nas grandes cidades no período de 12 anos, cresceram muito nos municípios com menos de 50 mil habitantes.
Nesta espécie de “democratização” da violência, as cidades grandes permanecem mais perigosas – em média – mas com uma distância que só vem diminuindo.
Tamanho do município (em nº de habitantes)Taxa de assassinatos (2000)Taxa de assassinatos (2012)Variação no período
Até 5 mil6,49,345,3
De 5 a 10 mil7,912,153,3
De 10 a 20 mil9,71665,2
De 20 a 50 mil12,221,777,8
De 50 a 100 mil17,727,655,7
De 100 a 200 mil27,334,626,9
De 200 a 500 mil34,636,96,6
500 mil e mais48,336,4-24,7
A cidade mais violenta do país, Caracaraí, em Roraima, tem menos de 20 mil habitantes e 210 assassinatos para cada 100 mil moradores.
Ressalvas
Atingidas antes das demais, é natural que Rio e São Paulo tenham agido antes para diminuir seus níveis de violência por meio da criação de políticas de segurança pública e investimentos estaduais e federais.
As regiões Norte e Nordeste terão de percorrer o mesmo caminho, embora, infelizmente, ainda não seja possível observar as tendências de queda.
A questão é que discutir os problemas nestes termos poder levar a crer que Rio e São Paulo deram conta do problema. Longe disso.
Se a taxa de homicídios é de 15,1 na cidade de São Paulo (e 15,4 no estado), países próximos como Chile e Argentina vivem com índices menores que 6 assassinatos por 100 mil habitantes.
No estado do Rio, a situação é pior que na capital (onde foi de 21,5 em 2012) e atinge 28,3.
Em países como Alemanha e França, não passa de 0,5, segundo o Mapa da Violência 2014.
Entre os estados, só Santa Catarina chega perto de níveis abaixo dos epidêmicos – 10 mortes/100 mil pessoas – com 12,8.
E o que se visualiza é que mesmo para os estados em condições mais favoráveis, a queda começa a ser cada vez mais difícil.
“Existem reformulações que não dependem dos estados, como a reforma do Código Penal, a reforma penitenciária, dos mecanismos de segurança nacional e a unificação das polícias. Sem essas reformas, é muito problemático continuar caindo”, afirma a Julio Jacobo.
Para ele, o que o Brasil vive não é pode mais ser classificado hoje como epidemia, mas endemia.
“Antigamente era epidemia, com poucos focos, e nas regiões metropolitanas. Neste momento, temos uma enorme homogeneização da violência nacional”.

As cidades do Brasil que estão livres de assassinato há anos

Num país responsável por um de cada 10 homicídios cometidos no mundo, parece incrível a existência de cidades que não registraram nem um assassinato em cinco anos. Conheça duas em cada estado (onde elas existem)

Homicídios? Nelas, nenhum
Flickr/Lucas Landau
São Paulo – Os moradores da idílica Fernando de Noronha (PE) vivem em uma das 100 cidades mais desenvolvidas do Brasil.
Além da renda alta para os padrões nacionais e da expectativa de vida mais elevada, os moradores do arquipélago podem andar mais tranquilos que a maioria da população brasileira: nenhum assassinato foi registrado entre 2008 e 2012 em Noronha, cuja população não chega a 3 mil pessoas.
Pode surpreender a muitos que, nesse aspecto, o belo município pernambucano seja acompanhado da cidade menos desenvolvida de todo o país em um ranking feito pela ONU.
Em Melgaço (PA), onde a renda per capita é baixíssima e os índices educacionais sofríveis, a população também não sabe o que é um homicídio há pelo menos cinco anos.
Num país responsável por mais de um em cada 10 assassinatos cometidos no mundo em 2012 – 56 mil neste mesmo ano, um recorde nacional – parece improvável que algumas cidades vivam sem o problema.
Mas não são poucas: 684 municípios – dentre os mais de 5,5 mil do país - viveram a mesma tranquilidade entre 2008 e 2012, último ano de dados nacionais consolidados a nível municipal. As informações são doMapa da Violência 2014.
Juntas, as pequenas cidades – a maioria não passa de 10 mil habitantes – somam 3,1 milhões de habitantes. Ou seja, apenas 1,6% dos brasileiros podem dizer que moram em cidades livres de homicídios.
Vale lembrar, no entanto, que elas não estão imunes a outros tipos de crimes.
EXAME.com reuniu as duas cidades mais populosas de cada estado que não registraram nenhum assassinato no período. Algumas unidades da federação só possuem uma cidade nesta situação.
Outras – especificamente Acre, Alagoas, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Roraima – não têm sequer uma com a mesma realidade e, por isso, não constam nas imagens a seguir.
Para entender o que essas cidades representam, cada uma delas foi comparada com outra do mesmo estado, de porte semelhante, mas que registrou mortes violentas no mesmo período.
Problemas
Vale um esclarecimento: há limitações no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, a fonte original dos dados. Como ele considera as Declarações de Óbito, documento obrigatório para toda pessoa que falece, dois problemas são comuns:
1) Se uma pessoa é agredida ou sofre uma tentativa de homicídio e é levada a um hospital de outra cidade, sua morte - caso isso venha a ocorrer - contará como óbito na segunda cidade, e não onde ocorreu o crime.
2) Há casos ainda de subregistro, problema particularmente sério nas regiões Norte e Nordeste. Nestes locais, a cobertura do total de óbitos, que chega a quase 100% nas demais regiões, fica em apenas 85,9% e 88,8%, respectivamente. Deve-se, portanto, considerar com cautela, principalmente, as cidades sem nenhum assassinato nessas regiões.
Atualizada às 16h30

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