7 de março de 2018

Bônus a professor pode perpetuar desigualdade, diz secretário de Alckmin

Titular da Educação revela temor que coloca em xeque bandeira do PSDB
Paulo Saldaña
SÃO PAULO
Principal política educacional do governo paulista e marca tucana na área, a bonificação aos professores por resultado das escolas desagrada José Renato Nalini, 72, secretário da Educação da gestão Geraldo Alckmin (PSDB).
O próprio Idesp, indicador de qualidade criado há uma década pela gestão do PSDB em São Paulo, deveria ser encerrado, na opinião dele. “Já propus. Fui vencido”, diz Nalini em entrevista à Folha.

O secretário estadual da Educação, José Renato Nalini
O secretário estadual da Educação, José Renato Nalini - Marlene Bergamo/Folhapress

RAIO-X

Formação
Graduado em ciências jurídicas e sociais pela PUC-Campinas, é mestre e doutor em direito constitucional pela USP
 
Carreira
Ingressou na magistratura em 1976 e foi presidente do Tribunal de Justiça paulista (2014-2015). É secretário de Educação de SP desde 2016

O Idesp é um indicador das escolas calculado a partir de uma prova feita pelos alunos (chamada Saresp). Com base na evolução do índice, os educadores recebem um bônus, em vigor no estado desde 2009. No ano passado, foram pagos R$ 290 milhões.
“Tenho muito receio de que a política de bonificação vá perpetuando a desigualdade”, afirma Nalini.
Ex-presidente do Tribunal de Justiça, ele completou em janeiro dois anos no cargo. Foi chamado por Alckmin para a pasta após uma onda de ocupações de escolas por alunos.
 
Folha - Caso o governador Geraldo Alckmin seja candidato a presidente, o que ele pode mostrar na campanha em relação à educação e que pode ser exemplo para o país?
José Renato Nalini - A experiência curricular, só agora o Brasil está falando em Base Nacional Curricular, nós já temos isso há muitos anos. Os estados não têm uma escola de formação e aperfeiçoamento de professores com a estrutura que temos. O modelo de ensino integral, com resultados de aproveitamento melhor. Projeto Escola da Família, que abre as escolas e faz com que as famílias participem da vida da escola. Que estado fez a gestão democrática ouvindo, contatando uma entidade privada, que ouviu meio milhão de estudantes para saber o que eles queriam?
Por que essas ações não resultaram em melhoria na qualidade da educação e com um percentual maior de alunos com aprendizado adequado?
Muito porque ainda estamos defasados em termos de avaliação. A avaliação que se faz é uma prova de aferição da capacidade mnemônica [técnicas para auxiliar a memorização]. Nós adestramos crianças. E depois, como avaliamos? Vemos se elas memorizaram esse conteúdo.
Acho que houve avanços, é empírico, não é científico, vejo que a criança é muito mais protagonista. O aluno tem que ter vez e voz. Até o Pisa [avaliação internacional] está pensando a questão da avaliação para incluir competências socioemocionais. Não é o fato de ele saber resolver um teorema que vai avaliar se está melhor.
Mas os resultados mostram um percentual enorme de alunos que não sabem conhecimentos básicos, como regra de três [quase metade no 3º ano do ensino médio].
Você tem conversado com o alunado? Ele sabe exatamente o que está acontecendo com o Brasil, sabe que não quer corrupção, que a democracia representativa precisa ser repensada, que há desemprego, que ele precisa ser criativo, empreendedor. 
Mas por que na rede estadual de SP tem um percentual tão grande de alunos que não aprendem o adequado?
Isso não é tarefa só da escola, precisamos fazer com que famílias participem, que a sociedade acorde.
A escola faz o papel dela?
Está tentando...
O sr. é a favor do Saresp e do Idesp?
Eu faria um sistema avaliatório só. Eu embarcaria naquele que a União faz [Prova Brasil, que calcula o Ideb]. Até porque é muito caro, tem todo um preparo burocrático que interrompe aquilo que deveria ser a vida normal. Temos as avaliações bimestrais, depois o Saresp, depois o Enem, Prova Brasil, muita avaliação...
Tenho muito receio de que nessa busca por bons resultados você descuide exatamente de tornar a educação mais humana. Eu gosto de lembrar Montaigne, 500 anos atrás. Ele dizia: você coloca 50 indivíduos, de personalidade, origens e inclinações diferentes, na mesma sala, enfileirados, o último só vê a nuca do colega da frente, e transmite o mesmo conteúdo. Depois você estranha que quatro ou cinco deem certo. E nós continuamos fazendo isso.
O sr. acha que as avaliações colaboram com isso?
Acho que contribui um pouco, e não é só isso. Eu sempre falo, vamos devagar com essa volúpia de avaliações. Porque estamos ensinando a concorrer, competir, isso o consumismo já ensina. A escola tem de ser espaço que o aprendizado se faça com alegria, com prazer.
O tripé currículo, avaliação, e bonificação a educadores por resultados é a principal política educacional do estado de São Paulo, governado pelo PSDB há muitos anos. O sr. acha que esse modelo se esgotou? Olhando os resultados, é uma boa aposta do governo? 
Acho que de início o estado embarcou nessa tendência de meritocracia. Eu tenho ouvido muito os sindicatos, fiz mais de 150 reuniões com os sindicatos, é uma ideia polêmica. Não há consenso. Eu tenho um receio de que as escolas mais frágeis, vulneráveis, não consigam [se beneficiar]. Porque a performance delas é sempre mais dificultada, a região é vulnerável, as famílias são menos preparadas. Eu tenho muito receio de que a política de bonificação vá perpetuando a desigualdade.
Tentei alterar os critérios, mas é muito difícil. Porque quando você entra, as regras são aquelas e você tem que obedecer.
A política não conseguiu fazer com que escolas vulneráveis saíssem daquela situação?
Estão sendo tratados com a mesma régua. Outro receio, que é totalmente infundado, é que haja uma seletividade. Que a escola de alunos bons não tenha tanta receptividade em relação ao aluno vulnerável, que pode baixar seu índice. 
Já propôs acabar com o Idesp?
Já propus. Fui vencido pelo Comitê de Políticas Educacionais. 
O que estava em jogo entre o que o sr. pensava e o comitê?
A pedagogia é uma ciência muito consolidada, então há sempre um receio de que o outsider tenha ideias que vão comprometer a arquitetura consolidada. Mas eu nunca deixei de manifestar minha opinião, e falei como sugestão, vou até colocar no meu livro, “Educação, uma Questão de Justiça”. 
O Orçamento é suficiente?
Para o atendimento de todas as demandas, não. Se nós fôssemos poupados das vicissitudes de uma administração centralizada que é obrigada a se submeter a cartéis, que tem de pagar por aquilo que o particular obteria ao menor custo, poderíamos produzir mais.
Mas a insuficiência de Orçamento não tem impedido excelentes práticas. 
O governador sempre ressaltou que SP gasta um terço do Orçamento em educação, como define a Constituição paulista. Mas em 2017 o TCE proibiu contar os inativos na conta. Tirando inativos e as universidades, fica em torno de 18% para a secretaria. O sr. acha que o governo deveria cumprir a Constituição estadual e garantir os 30%?
No plano ideal sim.
O sr. já conversou com o governador sobre isso?
Ele fala que gostaria de cumprir, mas precisamos ver de onde saem os recursos. Eu ingenuamente sempre falava “vamos tirar dinheiro do metrô. Melhor investimento é em gente, governador, nas pessoas”. Ele nunca falou que não, mas a resposta é que esse dinheiro do metrô é carimbado.
Mas eu acredito ainda mais numa gestão que nos liberasse daquilo que não é educação. Você tem todas as situações possíveis e tudo muito artesanal, burocratizado, com muita consulta. As apurações de responsabilidade disciplinar demoram anos e anos aqui, então você fica numa situação de muita aflição.
O governador deve sair em abril para a eleição. O sr. sai também?
Eu sou servo da missão [risos]. Na verdade, meu compromisso era com o governador. Mas também não quero sair correndo.
Não está contando os dias, riscando o calendário?
Não. Você tem inúmeras gotinhas de alegria, com alunos falando mensagens, querendo tirar fotografia com o secretário. Isso afaga, a causa vale a pena. 
Acho que a única coisa que eu vou deixar é essa mensagem à sociedade: assuma as suas responsabilidades, você é obrigado pela Constituição a ser um dos responsáveis pela educação. 
No caso de o governador virar presidente, o sr. aceitaria ser ministro em eventual convite?
Eu ficaria muito feliz se ele lembrasse de mim.
Da educação?
Sempre me prometeram a Cultura [risos]. Depois acho que faltou quem quisesse... Por que eu aceitei isso aqui? Primeiro foram inúmeros os emissários, governador mandava falar. Mas a coisa que me motivou no final foi: quando eu era criança, avisaram que o secretário da educação ia visitar minha escola. 
Minha mãe, já falecida, me disse “esse homem cuida da educação do estado todo, se puder apertar a mão dele, aperta”. Acabei falando: puxa, ela ia ficar tão contente.

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