Além do abismo entre as redes, há desigualdade entre as particulares
SÃO PAULO
Os resultados do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) expõem a cada ano um abismo entre as notas das escolas públicas e privadas. Unidades particulares têm melhores resultados em geral, mas um levantamento da Folha mostra como a situação entre elas também é desigual, mesmo quando atendem alunos de mesmo perfil.
Uma a cada três escolas particulares do país com estudantes de alto nível socioeconômico não atingiu a nota que seria esperada no Enem do ano passado para esses colégios.
Das 1.163 escolas privadas com alunos de nível socioeconômico “muito alto”, “alto” e “médio alto”, 418 (36%) não alcançaram patamares que esses grupos precisariam atingir, conforme estimativas estatísticas calculadas pela reportagem. Na prática, elas teriam condições de obter melhores resultados devido ao perfil de seus estudantes.
Nas unidades públicas com alunos mais ricos, esse índice chega a 51%, embora estas não tenham autonomia para resolver lacunas estruturais, como a falta de professores.
Pesquisas evidenciam a influência do nível socioeconômico dos alunos no sucesso escolar. Colégios com estudantes mais pobres têm maior dificuldade de obter melhores resultados —e melhores médias no Enem, por exemplo. Por outro lado, unidades com alunos mais ricos costumam ter um caminho mais fácil.
A Folha mapeou as médias por escola a partir de dados brutos e oficiais do Enem 2017. Só tiveram médias unidades com pelo menos metade dos alunos do 3º ano no Enem (respeitado, ainda, um mínimo de dez estudantes).
O método é igual ao adotado em anos anteriores pelo MEC (Ministério da Educação).
A reportagem fez a estimativa estatística das notas esperadas para cada grupo de escolas conforme os perfis socioeconômicos dos alunos.
Para isso, utilizou também os dados do Enem de 2016.
A nota esperada para escolas privadas com nível socioeconômico considerado “muito alto”, por exemplo, é de 591,24. Das 685 escolas com médias calculadas e que têm alunos com esse perfil, 32% não conseguem alcançar essa nota. Entre escolas particulares com nível “alto”, 44% das 350 não chegam na nota estimada para esse grupo (de 556,32).
Os níveis socioeconômicos foram calculados para cada escola pelo MEC em 2015. Ao todo são sete níveis, que vão do “muito baixo” ao “muito alto”, considerando todos as escolas do país. Eles levam em conta informações como renda indireta (como posse de bens) e a escolaridade dos pais.
Para Silvia Collelo, da Faculdade de Educação da USP, os dados do Enem podem ser bons indicadores para avaliar uma escola, mas com cuidado.
“Para avaliar, é necessário considerar a população que entra na escola. Indiscutivelmente as classes média e alta têm vantagens por terem acesso a bens culturais que as classes menos privilegiadas não têm”, diz. “Claro que temos escolas particulares boas e ruins, e muitas vezes os dados não dão condição de avaliar quanto a unidade faz.”
A Folha ainda estimou a nota esperada para escolas por faixa de mensalidades. Os preços são referentes a 2017, para escolas da cidade de São Paulo, apurados pelo instituto Datafolha. A nota esperada para escolas com mensalidades de até R$ 1.000, por exemplo, é 14% menor que a daquelas que cobram mais de R$ 3.000.
Como nos outros anos, a média das escolas foi calculada com as notas dos alunos nas provas objetivas (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas, sem contar a redação).
Para comparar os colégios, a Folha considerou aqueles com ao menos 61 estudantes no 3º ano. Esse grupo se aproxima mais do universo de escolas brasileiras —que, na média, têm 82 alunos no 3º ano.
Essa tabulação resultou no total de 6.499 escolas, sendo 5.227 públicas e 1.272 privadas.
Na lista das cem unidades mais bem colocadas, 30 são paulistas e 23, mineiras.
O colégio Bernoulli, de Belo Horizonte, ficou pelo quinto ano seguido em primeiro, segundo esses critérios. O Vértice, da capital paulista, lidera no estado de São Paulo.
Assim como em anos anteriores, as escolas públicas ficam em desvantagem. Mais de 80% dos alunos de ensino médio estão na rede pública.
Dos 10% de escolas com as maiores notas, só 18% são públicas —e 82%, particulares.
Todas as públicas nesse grupo de elite são federais ou estaduais de ensino técnico, que em geral fazem vestibulinho. Não por acaso, quase todas as unidades deste grupo (das duas redes) têm alunos com elevado nível socioeconômico.
A média geral dos participantes no Enem 2017 foi de 514,65. Cerca de 70% das escolas públicas com médias calculadas ficam abaixo desse patamar. Somente 2% das privadas estão nessas condições.
No outro extremo, das 10% de escolas com menores notas, todas são públicas. E 83% das unidades têm alunos entre os mais pobres. Essas escolas não superaram a média de 473,49 pontos na prova.
O Enem é a porta de entrada para praticamente todas as universidades federais. É adotado também por universidades estaduais, como a USP, que seleciona parte de seus alunos a partir da nota.
Os resultados por escola expressam ainda outro desafio das escolas públicas: fazer com que os alunos façam a prova do Enem e tentem acesso ao ensino superior público.
Só 38% das 19.490 escolas públicas de ensino médio do país (incluindo as de pequeno porte) tiveram mais da metade dos alunos no Enem 2017. Das 8.271 privadas, 75% conseguem atingir esse patamar.
Paulo Saldaña , Fábio Takahashi e Estêvão Gamba
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