8 de dezembro de 2011

Código agrada líder ruralista e é criticado por ambientalista da USP




 
Edição do Valor Econômico de hoje (8) traz uma entrevista com o professor José Eli da Veiga e outra com a senadora Kátia Abreu. Confira abaixo.

Uma vitória para os ruralistas e ainda derrota para os ambientalistas, ainda que menor do que a sofrida na Câmara. É assim que pode ser traduzido o resultado da aprovação do Código Florestal, anteontem à noite, no Senado, de acordo com dois atores envolvidos no debate mais acalorado da agenda pública neste ano.

Para a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), o texto aprovado pelo Senado - e que volta para a Câmara dos Deputados - está longe de representar o que consideraria ideal. Mas a presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) afirma se tratar do ponto de partida necessário para que ruralistas e ambientalistas cheguem a um ajuste fino de ideias e regras. Dona de 5 mil hectares de madeira plantados, com expectativa de chegar a 15 mil hectares, Kátia Abreu diz que o texto dá voz aos ruralistas, à medida que põe fim à ditadura ambiental que, segundo a senadora, foi fortalecida pela ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Apesar da aprovação por maioria absoluta no Senado, Kátia Abreu não acredita que o texto do Código passará ileso pela Câmara.

Professor de economia da Universidade de São Paulo, um dos precursores em estudos sobre desenvolvimento sustentável e autor de diversos livros sobre o assunto, José Eli da Veiga critica a aprovação de pelo menos três pontos cruciais do texto elaborado pelos senadores. Entre eles, destaca o perdão ao desmatamento ocorrido entre 1998 e 2008, que ele considera crime tão passível de punição quanto os cometidos pelo traficante Nem da Rocinha, preso pela polícia do Rio de Janeiro no último mês.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por José Eli da Veiga:

Valor: Qual a sua avaliação sobre o texto do Código Florestal aprovado no Senado em relação à versão que saiu da Câmara?
José Eli da Veiga: Se comparar com a Câmara, melhorou muito. Era um texto inqualificável.

Valor: O que melhorou?
Veiga: Só para ter uma ideia a Câmara havia liberado quem tivesse desmatado área de preservação permanente (APP), que são áreas muito sensíveis, por exemplo beiras de rio, topos de morro, nascentes. Tem caso em que é absurdo você cultivar; mas em outros é absurdo tirar a vegetação nativa, porque ela cumpre uma série de funções que você não consegue substituir, como na APP.

Valor: E as reservas legais (RL)?
Veiga: Elas seguem outra lógica. Estabelecem uma proporção que varia de bioma para bioma, e que faria muito mais sentido os ruralistas contestarem, pois prevê que 20% da terra deve ter vegetação nativa. Isso é menos justificável pelo seguinte: se a sua terra for de alta aptidão agrícola, não faz muito sentido exigir os 20%. O Senado melhorou muito nesta direção: o proprietário pode fazer a reserva fora da fazenda dele, sempre no mesmo Estado, no mesmo bioma, pode ser inclusive por meio de arrendamento. Facilita que essas reservas, em vez de ficarem dispersas, fiquem em blocos. Não provoca irracionalidade. Há áreas onde ocorre o contrário. São areiões, não propensos à agricultura e nos quais poderão surgir proprietários que irão se dedicar a cuidar das reservas.

Valor: Onde estão os problemas?
Veiga: Basicamente, são três. Uma das questões mais sérias é a manutenção da data de 22 de julho de 2008 como o divisor de águas para delimitar o passivo ambiental. Não tem nenhum sentido. Essa é a data de um decreto do [ex-presidente] Lula e que deu uma apertada para que eles [proprietários de terra] cumprissem a legislação. Achei incrível, porque foi uma espécie de vingança política dos ruralistas que o pessoal do PT aceitou numa boa. Porque essa é uma data simbólica para eles. Os deputados e senadores do PT deveriam ter o mínimo de brio para alterar essa data. Aceitaram que toda bronca dos agricultores é contra o governo Lula.

Valor: Qual seria a melhor data?
Veiga: Eles deram dez anos de anistia, ou melhor, de indulto, pois é um crime confesso. Do ponto de vista político ou do jurídico-legal a data que poderia separar um passivo em relação às regras novas é a Lei de Crimes Ambientais, de 1998. A rigor, seria a Constituição [de 1988]. Mas sempre se poderia alegar que o Brasil não mudou da noite para o dia e que as coisas começaram a entrar na linha depois do Plano Real, em 1994. No entanto, 1998 é o contrário. Surgiu uma lei que foi amplamente debatida, no Congresso. Um argumento importante que a Kátia Abreu vive dizendo é que a legislação sempre foi mudada unilateralmente pelo Executivo e que agora é a primeira vez que se discute no Congresso. Não é verdade. Quem desmatou áreas de preservação permanente depois de 1998 cometeu um crime tão consciente como o do Nem [da Rocinha], o narcotraficante que foi preso no Rio. Como dizer que neste caso está tudo bem?

Valor: O projeto do Senado prevê que haja uma recomposição do que foi desmatado.
Veiga: Na beira de rio, eles vão ter que recompor alguma coisa, mas é como se fosse de 10% a 15% do que eles roubaram. Apenas 85% das APPs serão recompostas. Aí tem outra diferença. Há plantação de maçã em encosta, de arroz em beira de rio, como as do Rio Grande do Sul, ou de café, mas isso não é tão grave. Não causam erosão ou assoreamento dos rios. Não colide com o interesse público. Mas no caso de pastagens é exatamente o contrário. E 80% das áreas de APP que foram subtraídas ilegalmente são pastagens. Elas foram liberadas. Esse é o segundo problema.

Valor: E o terceiro?
Veiga: Havia uma demanda para que se desse um tratamento especial à agricultura familiar. No entanto, estenderam para todos que têm propriedade até quatro módulos fiscais. Grande parte é de chácaras de famílias urbanas, onde parlamentares, por exemplo, passam fim de semana. Mas por trás disso está a Confederação Nacional da Agricultura, o patronato, que é contra a agricultura familiar. No dia em que estavam votando o substitutivo do [relator] Jorge Viana (PT-AC), a Kátia Abreu fez uma ameaça ao governo, de que obstruiriam tudo, se adotado apenas o critério da agricultura familiar.

A seguir, os principais trechos da entrevista da senadora Kátia Abreu (PSD-TO):

Valor: A senhora está satisfeita com o texto aprovado pelo Senado?
Kátia Abreu: Estou feliz com o marco que estamos vivendo, é uma quebra de paradigma muito importante para o país. Sofremos por mais de 15 anos nas mãos de uma ditadura feita por uma minoria do Ministério do Meio Ambiente, do Conama e do Ibama. Os agricultores não tinham voz, eram voto vencido e suas palavras eram motivo de deboche. Meu sentimento de alegria não se deve à ideia de ganhar uma votação no Senado. Acredito que foi feito o que precisava ser feito. Tivemos a sorte de os parlamentares estarem antenados com o assunto, todos quiseram participar.

Valor: Como avalia a reação internacional, principalmente das ONGs ambientalistas, em relação ao texto?
Kátia: A verdade é que acabaram os dias em que só ambientalistas e ONGs internacionais comandavam esse assunto como uma procissão. Ninguém mais vai tratar de meio ambiente no Brasil como um dogma ou religião. E sei que isso deve ser desesperador para essas pessoas, afinal foram muitos anos de comando absoluto. Agora estamos saindo da verdade absoluta e partindo para um debate democrático.

Valor: Houve mudança na postura do Ministério do Meio Ambiente?
Kátia: Eu tenho que reconhecer que, embora a ministra Izabella Teixeira não tenha concordado com algumas de minhas ideias - é claro que ela não é obrigada a concordar -  ela foi importante nesse processo. Essa mudança de condução do debate derrubou a tese de que, se o ministro do Meio Ambiente não fizer tudo o que os ambientalistas querem, não é um bom ministro. É o mesmo que dizer que o ministro da Agricultura tem que atender 100% do que os agricultores querem. Essa ideia acabou. Na Inglaterra, o ministério do Meio Ambiente e da Agricultura é um só. Não há possibilidade de tratar uma coisa sem se atentar para a outra.

Valor: A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva criticou o texto aprovado pelo Senado.
Kátia: Você já viu algum criador querer matar a sua criatura? Foi ela quem construiu todo esse imbróglio. A ex-ministra Marina Silva é quem gerou todo esse desentendimento artificial. Ela é protecionista, mas eu acredito no desenvolvimento sustentável. A verdade é que a ex-ministra perdeu os argumentos e, inclusive, o apoio do Congresso, porque é impossível o diálogo com uma pessoa que pense como ela.

Valor: Que avanços a senhora destaca do texto aprovado pelo Senado?
Kátia: O cômputo da reserva legal com a APP [área de proteção permanente] é um avanço. Imagine que você tenha uma fazenda com um rio, onde a sua APP é tão larga que chega a consumir 30% de sua fazenda. Pela regra anterior, você ainda tinha de deixar mais 20% de área para reserva legal, ou seja, metade da fazenda ficava inviabilizada. Unir o somatório disso e poder ter escalas de 80%, 50% 35% e 20% foi um grande avanço. A decisão de transformar as multas em serviços ambientais também foi extraordinária.

Valor: A decisão de anistiar desmatadores tem sido muito criticada.
Kátia: Querem colar essa ideia de anistia, mas isso não é verdade. Seria anistia se tudo estivesse perdoado. Teremos de recompor áreas por um erro cometido. As regras determinam a recomposição do mesmo bioma, não necessariamente no mesmo Estado. Isso, aliás, vai dar o que falar. Imagine a situação do pampa gaúcho. Como é que aquele bioma será recomposto em outro Estado? Além disso, nós deveremos perder 30 milhões de hectares em área de produção, se tudo for cumprido à risca. Isso significa R$ 40 bilhões. Isso não é prejuízo para os agricultores?

Valor: A senhora acredita em possíveis vetos pelos deputados?
Kátia: Acho que não será um debate fácil. Essa régua de que a área de mata ciliar de qualquer rio tem que ser recomposta entre 15, 30 e até 100 metros é um negócio que não tem como virar realidade. Muita coisa não há como reverter, temos que pensar no que será feito daqui para frente. Acho que é um ponto difícil de ser aceito na Câmara e complicado para os pequenos produtores cumprirem à risca.

Valor: Acredita que um texto final seja enviado à presidente ainda neste ano?
Kátia: Acredito que todos estão com a consciência de que é preciso levar algo para casa. Por isso estou muito confiante na aprovação do código. Temos um marco inicial, há muitas regras e regulações que podem ser feitas depois. Vamos respeitar o momento e aquilo que foi possível obter. Não há verdade absoluta nessa discussão.
(Valor Econômico)

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