4 de dezembro de 2011

Escola Pública: Investimento poderia mudar essa tendência


04 de dezembro de 2011
Correio Braziliense | Cidade | BR


Na avaliação de especialistas, o Estado precisa investir pesado para tornar a escola pública mais atraente e segura, reduzindo o abismo entre a qualidade dos dois tipos de ensino»
Helena Mader

A melhoria do ensino público seria a única saída para a acabar com a privatização da educação no Distrito Federal. Para especialistas, somente com investimentos maciços o governo vai conseguir recuperar a credibilidade das escolas gratuitas e estancar o processo de migração da rede pública para o sistema particular. Na opinião de educadores, é preciso tornar as instituições do governo mais atraentes para pais e estudantes, que hoje não acreditam no potencial do sistema público.
Para o doutor em educação e consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) Célio da Cunha, o crescimento 11 vezes maior do número de matriculados em escolas privadas é uma consequência do aumento da renda dos brasilienses. "Além disso, vivemos em uma sociedade bastante competitiva. Tanto a classe baixa quanto a classe média veem a escola particular como um caminho mais rápido para galgar os muros das universidades e conseguir um diploma", justifica.
O especialista lembra que matricular os filhos em instituições privadas é considerado uma forma de status para muitas famílias. "A privatização do ensino não está restrita a Brasília, é um fenômeno que pode ser observado em todo o país. Mas, à medida que conseguirmos melhorar a qualidade da educação pública, será possível estancar essa tendência", garante Célio da Cunha.
A professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Stella Maris Bortoni explica que é compreensível que Brasília tenha o maior percentual de matrículas na rede particular de todo o país. "Há uma década, a renda da cidade já era a mais alta do país. Nos últimos 10 anos, ela cresceu ainda mais. Então é justificável que mais famílias coloquem seus filhos em escolas particulares", afirma a pesquisadora.
Para Stella, entretanto, a diferença entre o crescimento do total de alunos das redes pública e privada chama a atenção. "Esse aumento teria que ser proporcional ao crescimento da população. Os dados me pareceram estranhos porque é uma incongruência muito grande que o sistema público tenha crescido apenas 5% na última década", justifica a professora da UnB.
Um dos motivos que levam os pais a matricularem as crianças em escolas particulares é a falta de oferta de vagas para algumas faixas etárias na rede pública. Quando o filho Arthur tinha 3 anos, a comerciante Cláudia Aparecida Gomes, 31, procurou uma vaga, mas não havia creche pública disponível. Com isso, ela matriculou o garoto em um estabelecimento privado e agora não cogita mudanças. "Hoje, agradeço por não ter conseguido vaga em escola pública, porque sei que na rede privada ele vai ficar melhor", comenta a moradora da QR 118 de Samambaia, que paga R$ 337 por mês para manter o menino, hoje com 5 anos, em uma instituição particular. "Esse dinheiro faz falta no fim do mês e o ideal seria não gastar nada. Mas prefiro fazer o sacrifício", justifica Cláudia.
Expansão
Entre as instituições que ganharam milhares de alunos nos últimos anos, os dados do Censo do IBGE são motivo de comemoração. A presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do DF (Sinepe-DF), Amábile Pacios, garante que as informações do Censo são facilmente perceptíveis nas salas de aula das instituições privadas. "A gente sente esse crescimento a cada ano. A rede particular cresce quantitativamente, mas também de forma qualitativa. Os investimentos em novas tecnologias e em inovação são constantes, e isso ajuda a atrair um número maior de estudantes", explica a presidente da entidade.
Atualmente, há 440 estabelecimentos privados em funcionamento no Distrito Federal. Esse número é quase 50% superior ao total de escolas particulares que existiam na capital federal 10 anos atrás. "Encomendamos uma pesquisa à Fundação Getulio Vargas, que mostrou que o grande sonho das famílias das classes C e D é ter um filho na escola particular. Por isso, a tendência é que essa migração continue. A mudança para instituições privadas também está relacionada à sensação de segurança. Por conta de episódios de violência nas escolas públicas, muitos pais ficam inseguros", acrescenta Amábile Pacios.
O professor Nilton Ferreira Alves é diretor do Colégio Delta, que funciona há 16 anos em Planaltina. Ele conta que a demanda é tão grande que não há vagas para todos os interessados, especialmente na educação infantil. "Os pais preferem a escola particular por conta da qualidade. Aqui, muitos pagam as mensalidades com muito sufoco e ficam no limite do orçamento mensal. Mas eles acham que vale a pena", afirma Nilton.
O presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do Distrito Federal, Luís Cláudio Megiorin, vê com preocupação o processo de privatização da educação na capital. "Defendemos um ensino público de qualidade. O ideal é que as famílias não precisassem gastar para ter acesso à educação básica de qualidade. Manter um filho em uma boa escola particular ao longo da vida pode custar até R$ 400 mil", comenta Luís Cláudio. "Vemos com muita preocupação essa onda privatista. Com esse crescimento rápido, até as instituições particulares vão acabar perdendo qualidade", aposta.
Baixa oferta
O Distrito Federal tem o menor percentual de meninos e meninas matriculados em creches. Apenas 16,3% dos brasilienses com idade até 5 anos estão inseridos na rede pública de ensino. O percentual é muito inferior ao registrado em estados do Norte e do Nordeste. No Maranhão, Piauí e Ceará, por exemplo, cerca de 35% das crianças estão matriculadas nesses estabelecimentos. A média brasileira é de 29,3%.




Nos últimos 10 anos, o total de alunos matriculados em escolas particulares aumentou 55%, enquanto o crescimento na rede pública foi de apenas 5,6%. Aumento da renda e deficiências do ensino gratuito explicam essa mudança de modelo

» Helena Mader

O sistema educacional de Brasília deveria servir de modelo para o resto do país. Assim que os desenhos de Lucio Costa ganharam vida e se transformaram em uma cidade, o educador Anísio Teixeira idealizou um modelo revolucionário, que faria do ensino público um marco da nova capital. A educação gratuita deveria ser integral, com atividades divididas nas escolas classe e parque. Mas, meio século depois, as ideias de Anísio Teixeira mais parecem uma longínqua utopia. Proporcionalmente ao tamanho da população, o ensino público beneficia um número cada vez menor de brasilienses. E a privatização da educação avança rapidamente.
Entre 2000 e 2010, o número de estudantes do sistema público aumentou de 510.623 para 539.584, o que representa um crescimento de 5,6% - percentual cinco vezes menor do que a expansão populacional do Distrito Federal no mesmo período. Em compensação, na primeira década deste século a quantidade de alunos nas creches e escolas particulares saltou de 218.565 para 338.891, um impressionante acréscimo de 55%.
Significa dizer que nos últimos 10 anos o sistema privado cresceu em um ritmo 11 vezes maior do que a rede pública de ensino. Os dados são do Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se esse ritmo de crescimento observado desde 2000 for mantido, em pouco mais de uma década haverá mais estudantes no sistema privado do que na rede pública de ensino. Em 2000, o total de matriculados em instituições particulares no DF representava 29% dos estudantes da capital federal. Hoje, os que pagam para estudar já são 38,5% do universo de alunos de Brasília.
Em comparação com os dados nacionais, as estatísticas que mostram a privatização do ensino na capital chamam ainda mais atenção. O Distrito Federal é a unidade da Federação com o maior percentual de alunos no ensino particular, proporcionalmente à população total. Entre os 2,5 milhões de brasilienses, 13,1% pagam por educação. Esse número é mais do que o dobro da média nacional: apenas 6,82% dos 190 milhões brasileiros têm que gastar recursos do próprio orçamento para conseguir estudar.
Causas
Dois fenômenos ajudam a explicar a privatização do ensino em Brasília. O primeiro é o aumento da renda das famílias e a redução da desigualdade socioeconômica. Com rendimentos médios mensais de R$ 4,1 mil, o maior do país, os brasilienses se sentem mais à vontade para separar parte do salário e destiná-la ao pagamento de uma mensalidade escolar. Ao mesmo tempo, o sistema público perdeu credibilidade. Escolas sucateadas, algumas delas construídas com placas de amianto, são cada vez menos atrativas para pais e estudantes. Com frequência, faltam professores, material e merenda.
O desempenho dos alunos das escolas privadas em avaliações nacionais, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), é sempre melhor do que o obtido pelos colegas da rede pública. Essa diferença faz com que milhares de famílias sacrifiquem parte do orçamento mensal para garantir uma vaga no sistema particular de ensino da capital federal.
Até mesmo em cidades mais distantes do Plano Piloto, o fenômeno da privatização do ensino avança a passos largos. Nessas regiões, as escolas públicas já representaram no passado a única opção, mas hoje a rede particular cresce e surge como alternativa de educação de qualidade. O professor Clayton Braga, diretor da escola CCI, em Samambaia, conta que o número de matrículas cresceu 50% na última década. Hoje, são mais de 3 mil estudantes.
O estabelecimento escolar funciona em um prédio de cinco andares, com piscina, sala de música e laboratório de informática. "Há 10 anos, seria impensável para a maioria dos pais da nossa comunidade pagar uma mensalidade de R$ 500. Mas a população de Samambaia cresceu muito e a situação econômica das famílias também melhorou significativamente", justifica Clayton. "Independentemente de a escola ser pública ou particular, o que os pais querem é qualidade de ensino", acrescenta o diretor.
Os dois filhos da técnica em enfermagem Sueli Rodrigues Silva, 40 anos, cursaram a educação infantil na rede pública. Hoje, eles estão em uma escola privada e a mãe de Matheus, 12 anos, e Micael, 8, não abre mão do sistema particular. "Ficava preocupada porque há muita violência nas escolas públicas. Além disso, a estrutura é muito ruim. Não quero que meus filhos fiquem para trás", justifica Sueli. Os meninos gostaram da troca. "Aqui é mais organizado, a nova escola é bem mais legal", diz Matheus.
Patrono
Nos anos 1960, o presidente Juscelino Kubitschek convocou o educador Anísio Teixeira que, com Darcy Ribeiro, idealizou o modelo de educação para a nova capital federal. O grupo comandado pela dupla organizou o sistema educacional de Brasília, que era baseado em um modelo de educação integral. A inspiração veio do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, implantado em Salvador, na Bahia, na década de 1950. Aqui, o modelo incluía as escolas classe e as escolas parque e os alunos frequentavam cada uma delas em um turno.

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