ÉRICA FRAGA
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A enorme dificuldade do Brasil no ensino da matemática vai muito além do universo da rede pública.O desempenho das escolas privadas de elite do país na disciplina só supera o obtido por alunos de nível socioeconômico inferior à média das nações desenvolvidas.
Quando comparadas a instituições de ensino que atendem alunos de renda elevada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), as notas de escolas brasileiras com perfil socioeconômico equivalente são decepcionantes.
Os dados foram levantados pela Fundação Lemann com base no Pisa, exame internacional de aprendizagem.
No último teste, em 2015, alunos brasileiros de instituições privadas de elite tiveram uma média de 497,2 pontos em matemática, contra 541 pontos obtidos pelos estudantes de classe mais alta que frequentam todos os tipos de escolas na OCDE.
A distância de 43,8 pontos equivale, segundo a escala do Pisa, a um atraso na aprendizagem superior a um ano.
"É uma diferença muito significativa, considerando que se trata de uma classe socialmente privilegiada", diz Ernesto Martins Faria, economista da Fundação Lemann, responsável pelo estudo.
O recorte do Pisa por nível socioeconômico revela que o desempenho das escolas brasileiras da classe super alta também perde para o obtido por instituições cujos alunos têm renda apenas um pouco acima da média na OCDE.
O nível socioeconômico tem forte correlação com o desempenho escolar. Alunos mais ricos contam com contexto cultural e social mais sólido para alcançar melhores resultados. Além disso, escolas privadas são, em geral, mais bem estruturadas.
"Não ensinamos os alunos a raciocinar porque ainda prevalece a cultura de treinamento para provas", afirma Antonio José Lopes, doutor em didática de matemática e autor de livros didáticos.
Lopes diz que nem o ensino da tabuada deveria se pautar apenas na memorização e ilustra com um exemplo:
"O aluno pode não se lembrar quanto é 7 vezes 9. Mas, se ele sabe raciocinar, vai se dar conta que 9 é próximo de dez. E é mais fácil multiplicar 7 por 10 e depois subtrair 7".
O problema do Brasil, dizem especialistas, envolve várias dimensões e que atingem todo tipo de escola. Passa por falta de apoio às escolas e deficiências na formação de professores. "Parece existir uma fragilidade na forma como ensinamos matemática", diz Faria, da Lemann.
Existe, ainda, uma cultura familiar e social de aversão à matemática. "Começamos a incutir na cabeça das crianças desde muito cedo que matemática é difícil, é para poucos", diz Ricardo Falzetta, gerente de conteúdo do Movimento Todos Pela Educação.
A OCDE divide a aprendizagem em seis patamares de proficiência. Entre as escolas privadas brasileiras, apenas 0,4% dos alunos se enquadra no nível 6, o mais elevado.
Nesse estágio, os jovens atingiram o que a organização chama de "pensamento e argumentação avançados", conseguindo atacar novos problemas matemáticos.
A fatia de alunos da rede privada brasileira que não consegue atingir o nível 2 (capazes de empregar algoritmos básicos, fórmulas e convenções) é de 30%. Nas públicas, o cenário é pior. São 77%. No Chile, por exemplo, o percentual é de 14%. No Japão, 9%.
Você recebe uma pergunta matemática e a primeira coisa que vem à cabeça não é a solução, mas sim: não sei matemática, vou errar. É o que se chama de "ansiedade matemática", explica o professor Flavio Comin, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
"Essa sensação ocupa a memória de trabalho e é quase uma profecia autorrealizável", completa Comin.
O pesquisador afirma que dificuldades dos alunos com o aprendizado de matemática tem uma relação forte com as famílias. "Os pais não sabem matemática e, a partir do 4º e 5º ano, começam a se desengajar no acompanhamento dos estudos dos filhos."
A falta de estímulos para que os estudantes se interessem pela disciplina atinge todo tipo de aluno.
"Mas em um país com grande desigualdades, as crianças de classe média alta podem ter a impressão de que não precisam se esforçar, elas sabem o lugar onde estão", diz o docente, que coordena estudos sobre o conhecimento matemático de adultos, em relação a outros países.
Diretor do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), Marcelo Viana também insiste na imagem negativa do tema. "O Brasil é de longe o país que tem menos contato com a matemática pura", diz ele, que é colunista da Folha. "O discurso que a matemática é difícil, só para gênios, cria um álibi de que não é preciso aprender", diz.
Ambos pesquisadores ressaltam o impacto da qualidade de professores.
"Todos os estudos mostram a importância do professor. E a dificuldade aqui do ponto de vista da gestão da sala de aula é que a formação ainda é muito teórica", completa Comin, da UFRGS.
E o problema é mais grave. Em todo o país, 67,5% dos professores de matemática do ensino médio nem sequer têm formação na área.
A Base Nacional Comum Curricular é vista por especialistas como um potencial de mudança. Além de definir o que os alunos devem aprender a cada ano da educação básica, o documento –ainda em análise– deve impactar em alterações no modelo de formação docente no país.
Antonio José Lopes, especialista em didática para o ensino da matemática, não é tão otimista. "A base engessa o conteúdo por série. Não prevê que a aprendizagem da matemática evolua como um processo. Limita o ensino a tópicos fragmentados."
O custo de o país ir mal em matemática se tornará, segundo estudos, cada vez mais alto. Sobretudo porque praticamente todo o desenvolvimento tecnológico tem forte ligação com a área.
Entre 1980 e 2012, ocupações que exigiam, ao mesmo tempo, elevadas habilidades matemáticas e características como a capacidade de trabalhar em grupo aumentaram 7,2 pontos percentuais em relação ao total da força de trabalho nos Estados Unidos, de acordo com pesquisa do economista David Deming, da Universidade Harvard (EUA).
OUTRAS ÁREAS
Além de matemática, o Pisa avalia, a cada três anos, a aprendizagem de alunos de 15 anos em ciências e leitura.
Nessas outras duas disciplinas, o déficit de aprendizagem entre as escolas privadas de elite do Brasil e as das nações ricas é menor do que em matemática. Em ciências, a nota de alunos brasileiros de nível socioeconômico mais alto é 27,3 pontos menor que dos alunos mais ricos da OCDE. Em leitura, a desfasagem do Brasil é de 25,3 pontos.
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