30 de novembro de 2015

"Jovens não serão iguais após as ocupações; vão sair melhores, mais politizados"

30 de novembro de 2015
Em entrevista, pesquisador da USP defende que ocupação de escolas paulistas traz à tona visibildade dos movimentos estudantis

Fonte: iG



"A capacidade de organização dos jovens sempre foi menosprezada ou desqualificada, mesmo nos momentos de tensão social mais aguda. O que as ocupaçãoes das escolas estaduais mostra é que o adulto não tem mais controle sobre o jovem", diz Carlos Giovinazzo Junior, professor e pesquisador do Programa de Pós Graduação em Educação: História, Política, Sociedade da PUC São Paulo.
Para o pesquisador, apesar de os movimentos estudantis já terem tido voz na época da Ditadura e no impeachment de Collor, por exemplo, desta vez é diferente: além de protagonistas, a luta desses jovens é por algo que lhes pertence diretamente.
Confira a entrevista abaixo:
iG: As manifestações de 2013 têm alguma influência sobre as ocupações das escolas paulistas?
Giovinazzo Junior: Imagino que sim, no mínimo serviu de inspiração e fez com que os jovens dessa geração tenham aprendido a se mobilizar. Não podemos esquecer que, no impeachment do Collor [há 23 anos, em 1992], não só os estudantes do ensino superior, mas também os do ensino médio tiveram participação. Ou seja, eles se mobilizam. Desta vez, a ocupação das escolas foi a única encontrada por esses jovens.
iG: Temos um novo perfil de jovem ou apenas a demonstração de protagonismo juvenil, algo tão requerido no processo educativo?
Giovinazzo Junior: Penso que é um misto das duas coisas. Temos de fato um perfil distinto de jovens de outras épocas, outros momentos históricos. Ao mesmo tempo, a capacidade de organização dos jovens sempre foi menosprezada ou desqualificada, mesmo nos momentos de tensão social mais aguda. O que me parece que está chocando as pessoas atualmente é o fato de os adultos não terem mais o controle sobre o jovem, como achavam que tinham. Dizia-se que a juventude estava adormecida, mais preocupada com as questões de tecnologia. Enfim, não estaria preocupada com escolas, com as questões sociais. Mas a gente verifica que, em vários momentos, quando algo afeta diretamente a vida dos jovens, há mobilização. Isso me parece um algo contínuo na História. Agora, claro, há também um novo perfil. Você percebe na fala dessa meninada uma imaturidade e inexperiência, o que é natural. E isso não é uma crítica, esse movimento talvez os ajude a aprender a fazer as coisas. É uma experiência educacional e de formação que me parece fundamental. Eles não vão sair iguais desse processo, sejam vitoriosos ou não. Penso que eles vão sair melhores: mais politizados, preocupados com as questões que afetam a vida deles, mas que são questões sociais também.
iG: Para ocupar as escolas paulistas, foi feito uso de cartilhas desenvolvidas por movimentos estudantis do Chile e Argentina. Seria o início de uma integração entre os movimentos sociais da América Latina?
Giovinazzo Junior: Espero que sim. Isso demonstra que a influência exercida sobre o movimento é difusa, vem de vários lugares, não só dos grupos de 2013. À medida que a situação vai se agravando, me parece que os jovens são capazes de se organizar para buscar referências em vários lugares, seja na história brasileira, seja em outros países mais próximos. E também temos de ver o papel que a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas têm nesse processo.
iG: No começo, muitos pais foram contrários às ocupações, mas em seguida foram convencidos pelos próprios adolescentes. Seria uma características de visões de mundo diferentes, ou mesmo um choque de gerações?
Giovinazzo Junior: Acho que não se trata de choque de gerações, mas de os pais não terem envolvimento com a vida educacional dos filhos, a tal ponto de não conseguirem se posicionar frente a uma proposta como essa. Teve de partir daqueles que estão vivendo, ou que vão sofrer os efeitos dessa mudança. Tanto não é um choque, que muitos aceitaram e estão solidários aos filhos, dando todo apoio até material para que os filhos se mantenham nas escolas.
iG: A gestão Alckmin, via Secretaria Estadual de Educação (SEE), afirma estar aberta ao diálogo. Contudo, audiências de conciliação foram agendadas entre governo e estudantes, mas não se chegou a um consenso. O que falta para que realmente haja diálogo entres as partes envolvidas?
Giovinazzo Junior: Primeiro: falta disposição de um diálogo real promovido pelo governo do Estado. Mas há uma questão anterior: nós vivemos em uma sociedade que, apesar de democrática, conserva muitos resquícios do autoritarismo, que marcou a vida brasileira desde a Proclamação da República, pelo menos. Os mecanismos autoritários presentes na relação do Estado com a sociedade não foram democratizados. A proposta desse governo, que está aí há 20 anos, não é para ser discutida. E não me refiro apenas ao governo do Estado de São Paulo. A proposta da Base Comum Nacional, do governo federal, também não é para ser discutida. A preocupação é econômica: diminuir gastos, alocar recursos de maneira supostamente mais racional. Por isso, não há interesse em nenhum tipo de negociação com os estudantes, como também não há quando ocorrem as greves de professores. Para mim, a lógica do governo é que uma hora as pessoas se cansam. No fim das contas, ninguém vai aguentar viver um ano dentro de uma escola, a coisa vai esvaziando naturalmente.
iG: Inicialmente, os pedidos de reintegração de posse das escolas foram deferidos, mas, posteriormente, desembargadores tiveram outro entendimento da situação. Nesta quinta-feira (26), no entanto, um juiz de Sorocaba deferiu a reintegração de 17 escolas. Caminhamos para um desfecho que não se dará pelo diálogo, mas pela força da lei?
Giovinazzo Junior: Sinceramente, não sei. Nem sei se isso é lei. É uma determinação jurídica. Mas a pergunta é: a escola é propriedade de quem? Não é do Estado, ela é da população. O Estado só administra escola. Dessa forma, a reintegração tira a escola de quem é de fato o dono daquele espaço. De qualquer modo, não me surpreenderia a truculência do poder público para lidar com a situação. A polícia bate em manifestante, joga spray de pimenta na cara de estudante, menor de idade... É a forma como o poder público age quando sua autoridade é contestada.

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