BRASÍLIA - A aprovação da Lei Maria da Penha, em 2006, não foi suficiente para impedir o aumento no número de homicídios contra mulheres no Brasil. A taxa chegou a cair no ano seguinte, mas voltou a subir em 2008 e, em 2013, já era 12,5% maior do que em 2006. A elevação não ocorreu de forma uniforme, variando de acordo com o estado e a cor da pele. Entre as mulheres negras e pardas, por exemplo, a taxa cresceu, enquanto entre as brancas houve até mesma uma queda no índice. Os dados são do levantamento "Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil", do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).
Os dados mais recentes do levantamento, tirados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, são de 2013, quando 4.762 mulheres foram assassinadas no país. Isso significa uma taxa de 4,8 homicídios para cada 100 mil mulheres. "Se num primeiro momento, em 2007, registrou-se uma queda expressiva nas taxas, de 4,2 para 3,9 por 100 mil mulheres, rapidamente a violência homicida recuperou sua escalada, ultrapassando a taxa de 2006. Mas, apesar das taxas continuarem aumentando, observamos que a partir de 2010 arrefece o ímpeto desse crescimento", diz trecho do levantamento.
O crescimento no índice de homicídios é maior ainda quando a série histórica começa em 1980. Há 35 anos, a taxa era de 2,3 homicídios para cada 100 mil mulheres. Em 1996, chegou a 4,6, mas depois disso diminuiu, voltando a crescer a partir de 2008.
O Mapa da Violência também aponta os estados mais perigosos para as mulheres. No topo está Roraima, onde a taxa de homicídios em 2013 foi de 15,3 para cada 100 mil. Em seguida vêm Espírito Santo (9,3), Goiás (8,6), Alagoas (8,6) e Acre (8,3). Em números absolutos, São Paulo, o estado mais populoso do país, registrou mais mortes: 620, seguido por Minas Gerais (427), Bahia (421), Rio de Janeiro (386) e Paraná (283).
Na comparação entre 2006 e 2013, Roraima volta a se destacar negativamente. Lá, a taxa de homicídios cresceu 131,3%. O Rio Grande do Norte está na segunda colocação, com elevação de 97,6%. Na outra ponta da tabela está o Rio de Janeiro: queda de 27,4%. O índice, que era de 6,2 homicídios a cada 100 mil mulheres em 2006, ficou em 4,5 em 2013. Outros quatros estados registraram quedas no índice: São Paulo, Pernambuco, Espírito Santo e Rondônia. Nas demais unidades da federação, a taxa aumentou.
Com números tão distintos entre os estados, o levantamento evita tirar conclusões. "Resulta, assim, difícil indicar uma tendência nacional. As oscilações prendem-se a circunstâncias locais, que devem ser estudadas, mais que a fatores globais", diz trecho do Mapa da Violência.
VIOLÊNCIA MAIOR CONTRA NEGRAS
O estudo observou tendências opostas nos índices de homicídios contra mulheres brancas e as negras (categoria na qual também foram incluídas também as pardas). Entre as brancas, houve queda de 2,1% entre 2006 e 2013, passando de 1.610 homicídios para 1.576. O índice também caiu 3,7%: era de 3,3 homicídios por 100 mil mulheres em 2006, chegando a 3,2 em 2013
Entre as negras, ocorreu o oposto: aumento de 35% no mesmo período. Foram 2.130 homicídios em 2006 e 2.875 em 2013. Isso significa que, em 2013, de cada cinco mulheres assassinadas, três eram negras. A taxa também cresceu, embora de forma menos significativa: 13,6%. Foram 4,7 homicídios por 100 mil mulheres negras em 2006, e 5,4 sete anos depois. De 2012 para 2013, houve redução, após anos seguidos de crescimento, mas o levantamento diz que ainda é cedo para dizer se começou uma tendência de queda entre as negras.
Por estado, Rondônia, Paraná e Mato Grosso têm as taxas mais elevadas de homicídios de mulheres brancas, acima de 5 por 100 mil. Entre as mulheres negras, destaque negativo para Espírito Santo, Acre e Goiás, com taxas acima de 10.
O estudo também levantou quais os municípios onde os índices de homicídio contra mulheres são mais altos. Foram considerados apenas locais onde a população feminina era superior a 10 mil, e levando em conta a média de cinco anos (2009-2013). No topo da lista aparece Barcelos (AM), com 45,2 homicídios para cada grupo de 100 mil mulheres. Em seguida vêm Alexânia (GO), com índice igual a 25,1, Sooretama (ES), com 21,8, Conde (PB), com 18,5 e Senador Pompeu (CE), com 17,9.
MUNICÍPIOS PERIGOSOS NA BAHIA
Dos 100 municípios mais violentos para as mulheres, 16 estão na Bahia, 11 em Goiás, dez no Espírito Santo, nove no Pará, nove no Paraná, oito em Alagoas, sete em Minas Gerais, seis na Paraíba, cinco em Pernambuco, quatro em Mato Grosso do Sul, dois no Amazonas, dois no Ceará, dois no Rio Grande do Norte, e um cada no Maranhão, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Cataria, São Paulo, Sergipe e Tocantins. O único município do Rio na lista, na 66ª posição, é São João da Barra, com índice de 10,4 homicídios por 100 mil mulheres.
Nenhuma dessas cidades é capital. A mais violenta, Maceió, aparece na 126ª posição, com uma taxa de 9,8. Juntas, as 27 capitais tiveram um queda de 5,8% na taxa de homicídios femininos entre 2003 e 2013, e um aumento de 2,6% entre 2006 e 2013, números melhores que a média brasileira. Para Júlio Jacobo, isso indica um fenômeno já observado antes: a interiorização da violência. Os 100 municípios mais violentos, embora proporcionalmente com taxas elevadas, têm em geral população menor e responderam apenas por 2% do total de homicídios no período.
O levantamento também comparou o índice de homicídios femininos o de outros 82 países, a partir de dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). O Brasil tem a quinta maior taxa, atrás apenas de El Salvador (8,9 homicídios para cada 100 mil mulheres em 2012), Colômbia (6,3 em 2011), Guatemala (6,2 em 2012) e Rússia (5,3 em 2011). Na média dos 83 países, são dois homicídios por 100 mil mulheres, menos da metade do observado no Brasil.
Em 2013, quase metade (48,8%) dos homicídios femininos foram provocados por armas de fogo. Outros 25,3% tiveram como causa objetos cortantes ou penetrantes, 8% objetos contundentes e 6,1% estrangulamento ou sufocação. O restante ocorreu de outras formas. "Podemos observar que, se nos homicídios masculinos prepondera largamente a utilização de arma de fogo (73,2% dos casos), nos femininos essa incidência é bem menor: 48,8%, com o concomitante aumento de estrangulamento/sufocação, cortante/penetrante e objeto contundente, indicando maior presença de crimes de ódio ou por motivos fúteis/banais", diz trecho do estudo.
O levantamento também constatou que 31,2% dos homicídios femininos ocorrem na rua, 27,1% em casa e 25,2% em estabelecimentos de saúde. O peso das mortes em casa é maior do que entre os homens (10,1%), "indicando a alta domesticidade dos homicídios de mulheres". Os dados oficiais consideram o local da morte, e não necessariamente onde ocorreu o ato violento.
Assim como ocorre com os homens, predominam as mortes entre as mulheres jovens, mas com algumas diferenças. O infanticídio contra meninas recém-nascidas é bem maior, e há uma certa estabilidade nos índices entre 18 e 30 anos, enquanto entre os homens há declínio gradual nessa faixa etária conforme vão envelhecendo.
HOMICÍDIOS CONSIDERADOS FEMINICÍDIOS
O levantamento também estimou que metade dos homicídios femininos no Brasil em 2013 podem ser considerados feminicídios. O feminicídio, segundo lei aprovada em 2015, ocorre quando envolve violência doméstica e familiar, ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Para chegar a esse número, foram usados dados sobre mulheres vítimas de violência atendidas na rede pública de saúde, tabulados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). O levantamento pegou a proporção de casos em que os agressores foram familiares e os transpôs para os homicídios, ponderando a idade das vítimas.
Por essa metodologia, 2.394 dos 4.762 homicídios em 2013 foram cometidos por familiares, o que inclui pai, mãe, padrasto, madrasta, cônjuge, ex-cônjuge, namorado, ex-namorado, irmão e filho. Foram consideradas mulheres de todas as idades, inclusive recém-nascidas. Quando se leva em conta apenas parceiros ou ex-parceiros, foram 1.583 homicídios, ou um terço do total.
O Sinam mostra que varia muito o perfil do agressor. Entre as crianças, predominam os pais, principalmente a mãe. Entre as adolescentes, os pais e parceiros ou ex-parceiros têm peso parecido. Jovens (18 a 29 anos) e adultas (30 a 59 anos) são agredidas principalmente pelo parceiro ou ex-parceiro. Entre as idosas, o principal agressor é o filho. A violência física responde por 48,7% dos casos, seguida de violência psicológica (23%) e sexual (11,9%). A violência sexual é mais comum contra crianças e adolescentes do que contra jovens e adultas.
Segundo o Sinan, em 49,2% dos casos em que há dados disponíveis, as mulheres relataram ter sido agredidas antes. Entre os homens, o número é igual a 30,5%. De acordo com o Mapa da Violência, isso permite supor que "a violência contra a mulher é mais sistemática e repetitiva do que a que acontece contra os homens". Outra fonte do levantamento, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do IBGE, mostra que as mulheres são mais agredidas por conhecidos, enquanto os homens são vítimas principalmente de desconhecidos.
O texto critica a impunidade e a baixa taxa de elucidação de homicídios no país, apontando-os como alguns dos motivos para a violência no Brasil. Cita como exemplo uma força-tarefa criada com a participação de vários órgãos públicos para concluir inquéritos por homicídio instaurados até 2007 e que não tinham sido finalizados. Após um ano, foi possível oferecer denúncia à Justiça apenas em 6,1% dos casos. O levantamento diz ainda que poucos agressores domésticos são punidos, estimando que, no máximo, 7,4% deles foram condenados ou estão esperando julgamento.
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