7 de novembro de 2011

Enem avança em meio a turbulências

Após três anos de transtornos, estudantes veem melhora e consolidação do exame
MARIANA MANDELLI e PAULO SALDAÑA - O Estado de S. Paulo

Mesmo com três anos consecutivos de transtornos com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), estudantes aguardam o desdobramento final da edição 2011 com o que lhes resta: esperança e fé de que "agora vai". "Apesar de tudo, eu acho que a prova está indo para o caminho certo. Acho que agora vai", afirma Ana Paula Mendonça Rossi, de 18 anos, aluna do Anglo Vestibulares. "A confiança no exame está voltando."
A estudante acompanhou de perto os deslizes do Enem. Em 2009, ano em que o exame estreou o modelo atual e começou a ser adotado como vestibular, a prova vazou e o exame foi cancelado - naquele ano, a estudante já fazia o Enem pela segunda vez. "Acompanhei a evolução da prova, desde quando eram 63 questões", lembra. Problemas com a impressão de provas marcaram a edição de 2010 e, neste ano, alunos de Fortaleza (CE) tiveram acesso antecipado a questões que caíram na prova.
Ana Paula participou, no ano passado, do pré-teste do Enem - de onde as questões vazadas devem ter saído, segundo indica investigação da Polícia Federal - por causa do método de Teoria da Resposta ao Item (TRI), há necessidade de pré-testar as questões para calibrar a dificuldade. "Foi muito seguro e bem elaborado. Até agora não entendi como aconteceu isso em Fortaleza", diz ela, com experiência de quem fez quatro vezes a prova. "Gostei muito da prova deste ano, muito menos cansativa que as anteriores."
O aumento de importância do exame a cada ano - e a consequente falta de opção dos vestibulandos que pretendem estudar em uma instituição federal - também colabora com o crédito dos estudantes.
Ana Paula quer uma vaga em Engenharia e prestou o Enem por conta da Universidade Federal de São Carlos (UFScar), que usa o exame como modelo exclusivo de seleção.

Devagar
Marcos Eduardo de Aquino Júnior, de 18 anos, também acha que a prova vem melhorando. "Neste ano, estava mais gostosa de fazer, com questões mais simples", afirma ele, que está no Cursinho da Poli e quer estudar Física. Ele também não é um iniciante no exame. Foi a segunda vez que fez as provas. "Acho que o Enem está crescendo devagar, mas vai indo."
Para o estudante, a prova só vai crescer se tiver investimentos. "Tem universidades, como é o caso da USP, que ainda não usam o exame", lembra ele. "Daqui uns cinco anos, acho que mais instituições vão aderir, porque acredito que vão aumentar a segurança e a qualidade do exame", avalia.
A educadora e pesquisadora Guiomar Namo de Mello ainda vê com desconfiança a transformação que o Enem sofreu - de uma prova unicamente para avaliação do ensino médio para o maior vestibular do Brasil. "O Enem não nasceu para ser o que é hoje, basicamente seleção de vestibular. Agora tudo ficou um pouco confuso."
Guiomar diz não acreditar que o exame possa servir de rumo para o ensino médio. "O ensino médio é maior que o vestibular. Mas o maior pessimismo é em relação ao próprio ensino médio. Precisava colocar as ideias no lugar e começar uma avaliação com começo, meio e fim."

Justiça
Desde 2009, o MEC já obteve seis vitórias nos tribunais em relação ao Enem. Ações desde o uso de lápis e borracha na prova ao pedido de cancelamento.

PARA ENTENDER
Após a aplicação do Enem, alunos do Colégio Christus, de Fortaleza, escreveram no Facebook que havia no exame 13 questões iguais às de um simulado feito pelos alunos da escola dez dias antes. O MEC cancelou a prova dos 639 estudantes do 3.º ano do ensino médio do Christus e informou que eles fariam um novo exame.
O Ministério Público Federal no Ceará, em seguida, entrou com ação pedindo a anulação das 13 questões para todos os candidatos do País ou da prova inteira do Enem. Ao analisar o pedido, um juiz federal do Ceará cancelou, então, as 13 questões para todos os candidatos que haviam prestado o exame. O MEC entrou com recurso no Tribunal Regional Federal (TRF), alegando que a decisão punia candidatos que não haviam sido beneficiados com o vazamento. Na sexta-feira, o TRF determinou o cancelamento das 13 questões apenas dos alunos do Colégio Christus.

DEBATE:
Exame se consolida como substituto do vestibular?

SIM* Por Jorge Werthein (Ph.D em Educação e Desenvolvimento pela Universidade de Stanford)
O Enem não é perfeito, mas é o melhor sistema que existe. Permite uma radiografia do sistema educacional e aparece como uma alternativa muito boa para substituir um método limitado que é o vestibular. O exame traz uma forma diferente de aferir o conhecimento dos alunos, muito mais pelo raciocínio lógico. Permite que o aluno tenha um processo de reflexão.
O exame é um marco dos avanços em avaliação. Criou mecanismo sofisticado que poucos países no mundo têm. É injusto que, em um universo de quase 5 milhões de alunos, um problema localizado possa prejudicar a importância do Enem. Houve lisura na aplicação, corrigindo os erros dos anos anteriores. Essa evolução mostra que a implementação da avaliação é possível.

NÃO
* Por Mozart Neves Ramos (Membro do Movimento Todos pela Educação)
O Enem, enquanto processo de mudança para o ensino médio brasileiro, funciona. Ele tem uma relação direta com as novas diretrizes aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação para essa etapa de ensino. Portanto, do ponto de vista pedagógico e da qualidade da prova, o Enem cumpre seu papel.
Mas qual o calcanhar de Aquiles do exame? Na dimensão continental do Brasil, fazer uma prova que envolva milhões de pessoas exige uma logística imensa. As chances de algum problema ocorrer são razoáveis. Neste ano, a falha foi no banco de questões. Além disso, o exame pode ter aumentado a mobilidade dos alunos, mas não resolveu a democratização do acesso à universidade.
Para que o Enem possa efetivamente se consolidar, ele tem de conquistar a confiança de alunos, professores e famílias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário