17 de novembro de 2011

Entre fatos e filosofias : Día mundial da Filosofia



17 de novembro de 2011
Unesco | Correio Braziliense | Opinião | BR

» LUCIANO MILHOMEMJornalista, bacharel em filosofia e mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB)
Comemora-se hoje o Dia Mundial da Filosofia. Provavelmente, poucos sabem ou se lembram do fato. A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) celebra a data desde 2002. Significativa parte do mundo a ignora. Por quê? Pode-se arriscar hipóteses.
A filosofia costuma ser objeto de curiosos preconceitos. É vista como elevada, nobre, sofisticada e, ao mesmo tempo, demasiadamente abstrata, hermética e, não raramente, inútil. Diante de um filósofo (ou simplesmente de um estudioso da filosofia), profissionais de outras áreas ou inibem-se por admirá-lo (ainda que não compreendam bem o que ele faz) ou questionam a relevância de uma prática que, para eles, pouco ou nada produz de concreto. Como se sabe, a admiração e o desprezo, por si sós, em nada contribuem para se compreender o papel da filosofia.
Alguns admiradores da filosofia intuem que nela se pode encontrar algum consolo. Autores oportunistas propõem-se, então, a torná-la mais acessível e acabam por reduzi-la a exercício de autoajuda. O mesmo desserviço prestam alguns autores de manuais de história da filosofia, que, em luxuosas edições, oferecem sínteses simplistas de ideias complexas.
Os detratores da filosofia, por seu lado, ocupam-se em questionar até mesmo o ensino dessa matéria nas escolas públicas. Veem nisso a perda de um tempo que poderia ter melhor proveito com aulas de geografia ou matemática. Pais lamentam a escolha dos filhos que decidem estudar filosofia. Temem vê-los, um dia, receber os magros contracheques de um professor de ensino médio ou mesmo de nível superior.
Essa parece ser a expressão do senso comum. Admiração e desprezo compartilham o espaço social. Curiosamente, a própria admiração pode contribuir para que a filosofia tenha menor destaque. Afinal, para alguns, assunto tão nobre e complexo não tem apelo perante a maioria. Dessa forma, a filosofia tem rara presença nos meios de comunicação de massa, por exemplo. Dificilmente, ela é notícia. Revistas e jornais impressos abrem exceção para artigos de opinião e entrevistas com filósofos. No cotidiano da maioria, porém, o debate filosófico de qualidade permanece ausente.
No caso do Brasil, somem-se a isso os fatos de o país ter uma educação formal de baixa qualidade e de contar com poucos filósofos célebres, fenômeno sintomático por sinal. Trata-se de um círculo vicioso: o debate filosófico de qualidade tem pouco espaço nos mass media e no meio social em geral, em que a educação tende a ser precária, portanto filósofos não têm oportunidade de se destacar e, por eles não se destacarem, o debate filosófico de qualidade tampouco se estabelece junto à maioria.
Felizmente, na contramão desse fenômeno, o mercado livreiro avança, e obras relevantes de filosofia ganham as prateleiras das melhores livrarias do país. No meio acadêmico, a filosofia tem motivado eventos de porte e projetado alguns estudiosos brasileiros nacional e internacionalmente, assim como tem promovido a vinda ao Brasil de filósofos respeitados. Empresas estatais, por sua vez, também têm patrocinado ciclos de palestras sobre filosofia.
Na capital federal, enquanto a Unesco celebra mais um Dia Mundial da Filosofia, e dois eventos de relevo têm lugar na Universidade de Brasília: o IV Congresso Brasileiro de Filosofia da Religião e o I Colóquio Nietzsche. Ambos têm coordenação de seus respectivos grupos de pesquisa na UnB e trazem à cidade especialistas de renome. As palestras são gratuitas.
Independentemente de o debate filosófico de alto nível ter presença limitada na população, parece inegável sua relevância para a compreensão dos fenômenos que preocupam a humanidade nos dias atuais. Afinal, sabe-se que, por trás desses fenômenos, estão escolhas baseadas em visões de mundo, resultantes de ideias, ideologias, filosofias. Do aquecimento global à Primavera Árabe, da violência urbana à política de cotas, do direito ao aborto à opção pela inseminação artificial, do acelerado crescimento populacional à fome, tudo envolve reflexão, filosofia. Quanto mais qualificado for o debate em torno dessas e de outras questões, mais próxima estará a humanidade de tomar decisões acertadas. Promover a educação e o conhecimento filosófico de qualidade, portanto, é passo seguro nessa direção.

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