No início do século XX, enquanto no Brasil 65% dos adultos não sabiam ler e escrever, nos Estados Unidos, esta proporção era de apenas 11%. Assim como em outros países desenvolvidos à época, os americanos já estavam caminhando para a universalização do ensino fundamental. O que ainda diferenciava crianças mais ricas e mais pobres era o acesso ao ensino médio, restrito a poucos. Porém, entre 1910 e 1940, antes de qualquer outra nação, a elite econômica e política daquele país foi convencida da necessidade de ampliar os investimentos públicos em educação para garantir que todas as crianças, e não apenas seus filhos, tivessem acesso ao ensino médio.
Um pouco dessa história é contada no livro “Our Kids” (“Nossas Crianças”), lançado no ano passado pelo cientista político da Universidade Harvard Robert Putnam. No capítulo sobre educação, o autor cita um estudo _feito por economistas da mesma universidade_ que identificou a massificação do ensino médio nas primeiras décadas do século XX como o fator fundamental a explicar por que os Estados Unidos se tornaram a maior economia do planeta. Esse movimento permitiu que, já em 1940, 79% dos jovens de 14 a 17 anos estivessem na escola, percentual que o Brasil só alcançou no final do século passado. Em 1959, a proporção nos Estados Unidos já chegava a 90%, patamar que ainda hoje não conseguimos alcançar.
O ponto central no livro de Putnam é que este pacto, que permitiu que os Estados Unidos ampliassem as oportunidades educacionais para quase todas as crianças e jovens em toda a educação básica, não mais existe por lá. Antes, diz o autor, quando americanos falavam em “nossas crianças”, estavam se referindo a todas as crianças do país ou da cidade. Hoje, quando usam a mesma expressão, geralmente estão falando apenas de seus próprios filhos. Esta postura tem levado a um crescimento da desigualdade nos Estados Unidos, verificado não apenas em termos de renda, mas também nas condições de qualidade do ensino em escolas para ricos e pobres no país.
Se o sonho americano de igualdade de oportunidades está em crise, como alerta Putnam, no Brasil, para entender nosso atraso histórico, precisamos reconhecer que esse sonho nunca existiu. Pelo contrário, o país se esforçou, e foi muito bem-sucedido, na criação de um modelo excludente que sempre beneficiou a poucos, como já mostraram os historiadores Manolo Florentino e João Fragoso no livro “O Arcaísmo Como Projeto”.
O problema é que esse projeto, voltando a falar de nossos indicadores educacionais, já não serve a mais ninguém, nem mesmo a elite que se beneficiou dele no século passado. Prova disso é que temos no país um sistema educacional em que somente 35% dos alunos terminam o ensino médio com aprendizado adequado em matemática, em que metade dos professores não têm formação adequada para o ciclo em que lecionam, e onde o salário médio dos docentes com nível superior representa apenas metade do registrado nas demais ocupações universitárias.
E esses não são indicadores do setor público. São exclusivamente do sistema privado. Eles não serão modificados enquanto não atacarmos problemas estruturais, que afetam tanto alunos de escolas públicas quanto de particulares. É o caso da baixa atratividade da carreira docente, da má formação dos futuros professores, e do currículo engessado e enciclopédico que não dialoga com os anseios dos jovens.
Diante desses números, não surpreende a constatação de que nossa elite educacional, comparada com a dos demais países no Pisa, ocupa também as últimas colocações do ranking. Num artigo publicado em 2002, o pesquisador Creso Franco, da PUC-Rio, já nos alertava: “Em educação, o lado Bélgica do Brasil não existe. Ou, se existe, tem as dimensões de Andorra”
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