14 de dezembro de 2015

Proposta do governo não inclui alfabetização na educação infantil

SABINE RIGHETTI


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É na primeira fase na educação que está um dos principais problemas da base nacional curricular proposta pelo MEC. O documento oficial lançado pelo governo, que define o que deve ser ensinado na escola em cada ano e a cada disciplina, não inclui alfabetização na educação infantil –o que vai de encontro a práticas educativas de países referência em educação.
A análise é de um relatório inédito elaborado por cerca de 150 especialistas brasileiros e estrangeiros, que a Folhateve acesso com exclusividade. O trabalho foi encabeçado por instituições como a Fundação Lemann, que faz parte do chamado Movimento pela Base. O trabalho durou três meses –começou logo após a divulgação da proposta do MEC.
"Não podemos ter medo de perder o lúdico ao incluir a alfabetização no ensino infantil", diz Denis Mizne, diretor executivo da Lemann. A proposta atual enfatiza o brincar.
Bruno Miranda/Folhapress
Denis Mizne, diretor-executivo da Fundação Lemann, que defende a inclusão da alfabetização no ensino infantil do país
Denis Mizne, diretor da Fundação Lemann, que defende alfabetização no ensino infantil do país
No Brasil, a educação infantil vai de zero aos seis anos. Hoje, essa etapa de ensino segue diretrizes nacionais estabelecidas em 2009, mas não há umcurrículo oficial. De acordo com o documento proposto pelo MEC, a alfabetização teria início só nos primeiros anos do ensino fundamental, ou seja, depois dos seis anos.
"Isso é mais grave do que outros problemas pontuais, o ensino de história, que tem sido tão comentado", diz Mizne. O conteúdo de história do currículo do MEC está sendo amplamente criticado por acadêmicos por ter deixado de fora assuntos tradicionais, como Antiguidade Clássica –entre outras questões.
O relatório também aponta problemas sobre a coerência do documento (veja abaixo) e destaca temas importantes que sumiriam da sala de aula, como o ensino de gramática em língua portuguesa. Ainda de acordo com o relatório, a proposta está excessivamente longa.
Outro ponto de crítica são os descompassos na ordem em que os assuntos devem ser ensinados na escola.
Em matemática, por exemplo, há objetivos descritos no currículo do 9º ano do ensino fundamental que requerem assuntos que seriam ensinados só no ano escolar seguinte. Um deles é o Teorema de Pitágoras -relação matemática entre os comprimentos dos lados de qualquer triângulo retângulo.
O assunto, de acordo com o documento, seria ensinado no 1º ano do ensino médio. Os alunos, porém, precisariam desse conhecimento para "determinar a distância entre dois pontos quaisquer e o ponto médio de um segmento de reta localizado no plano cartesiano" já no fundamental.
SITUAÇÃO ESPERADA
Isso é grave? "Não, na verdade, isso é bem esperado. Acontece em todos os currículos em desenvolvimento", diz Dave Peck, CEO de uma ONG britânica chamada Curriculum Fundation. Ele também participou da leitura crítica da base proposta pelo MEC. A ONG é referência nacional em desenvolvimento de currículos oficiais –recentemente, Peck ajudou a lançar o currículo nacional do Sudão do Sul.
Ainda em matemática, há outros pontos de crítica. O MEC define que 60% do conteúdo venha da base curricular e que 40% sejam "regionalismos". "Mas qual é o regionalismo de matemática?", questiona Kátia Stocco Smole, matemática que trabalha com formação de professores e que também participou da leitura crítica.
O documento da Lemann deve ser encaminhado oficialmente ao MEC nesta terça-feira (15), último dia para que sejam enviadas sugestões da sociedade sobre a proposta curricular ao governo.
De acordo com Manuel Palácios, secretário de educação básica do MEC e um dos principais nomes à frente da proposta curricular, a pasta deve divulgar uma nova versão do currículo até abril do ano que vem.
Depois disso, o documento ainda pode ter novas versões - e pode ser alterado mesmo depois de ser publicado. Exemplo disso é o caso da Austrália. "O país levou quatro anos para chegar à versão oficial do documento que, agora, já está na sua oitava versão", diz Peck.
Além da leitura crítica do Movimento pela Base, diz Palácios, o MEC também recebeu documentos com críticas de uma série de associações e de entidades de classe. "É um processo muito interessante. Há muita gente pensando o que devemos ensinar na escola", diz o secretário.
"A primeira versão de todo currículo é apenas um rascunho. Com certeza a segunda versão será muito melhor", diz Peck. Para ele, é justamente esse debate que faz com que o currículo seja desenvolvido, na verdade, pela sociedade. "Quanto mais gente participar da discussão, melhor."
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CURRÍCULO NACIONAL
Relatório inédito traz críticas à base curricular proposta pelo MEC
PROPOSTA
Como é hoje
Escolas privadas e públicas seguem currículos de livros didáticos e de vestibulares para decidir o que ensinar
Como ficaria
Todas as escolas teriam um conteúdo comum para ser ensinado em cada ano e dentro de cada disciplina, sendo que:
60% do conteúdo viria do currículo comum nacional
40% ficaria a cargo de cada escola e atenderia, por exemplo, regionalismos
DEBATE
MEC vai analisar todas as críticas recebidas em relação à primeira versão do texto e deve publicar uma nova proposta em março de 2016
ALGUNS PROBLEMAS DO DOCUMENTO
1. Introdução genérica - Falta clareza sobre os princípios norteadores da base. Em outros países, há conexão clara entre a apresentação e os objetivos de aprendizagem
2. Alfabetização tardia - Não está explícita, na base de educação infantil, campos de conhecimento ou objetivos de aprendizagem que tratam da leitura
e da escrita
3. Ensino médio mais flexível - Documento atual não dialoga com iniciativas já em curso nos Estados, que buscam flexibilizar o currículo do ensino médio
4. Parâmetros vagos - Em português, metas de aprendizagem têm redação parecida ou até igual em anos diferentes. Não há diferenciação sobre a complexidade dos textos 

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