16 de agosto de 2015

CRIANÇA E TECNOLOGIA Perdidos na selfie



SE FALTAM CONCLUSÕES SOBRE OS EFEITOS DAS TELAS SOBRE CRIANÇAS PEQUENAS, SOBRAM PROVAS CIENTÍFICAS DE QUE BRINCAR E INTERAGIR NO MUNDO REAL É BOM PARA CRESCER
BRUNO FÁVEROFÁBIO TAKAHASHIDE SÃO PAULO, Folha de S.Paulo, 16/8/2015

Crianças de até dois anos não devem ser expostas a celulares e tablets. Dos três aos cinco, segundo o consenso científico existente até agora, podem usá-los até duas horas por dia–desde que a diversão eletrônica não substitua brincadeiras ao ar livre e interação com pais e amigos.
"O cérebro na primeira infância está em ebulição, e o que se aprende nessa fase fica guardado por toda a vida. A tela é experiência pobre, sem a riqueza sensorial e a tridimensionalidade da realidade", defende o psicólogo André Trindade, autor de "Gestos de Cuidado, Gestos de Amor" (Summus).
Tente dizer isso para Laura, 4. Ela adora ver vídeos no tablet que ganhou dos avós, à revelia dos pais, Fernanda Pegler, 35, e Daniel Pinto, 32.
Após meses de uso, a mãe notou que a filha passou a roer as unhas, embora não saiba se os fatos têm relação.
Para evitar que a menina passe tempo demais com os olhos na tela, a mãe controla o uso e proíbe que o equipamento seja levado à escola.
"Não vamos criá-la viciada, mas também não queremos que fique alienada", afirma Daniel, o pai.
Sobram preocupações entre pais, médicos e educadores, enquanto faltam pesquisas conclusivas sobre o tema.
E aumenta o acesso à tecnologia em todas as idades. Nos EUA, estudo nacional conduzido pela ONG Common Sense Media em 2013 mostrou que 72% das crianças de até 8 anos já haviam usado dispositivos móveis –em 2011, eram 38%.
No Brasil, uma pesquisa do Ibope e da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal de 2013 mostrou que "deixar assistir a programas na TV" foi a segunda ação mais citada por mães brasileiras (55%) ao serem questionadas sobre atos de estímulo ao desenvolvimento do filho de até um ano.
Essa ideia de que a tecnologia traz ganhos de desenvolvimento à criança pequena é contrariada por evidências apontadas pela Academia Americana de Pediatria.
ATRASO NA LINGUAGEM
Após extensa revisão científica sobre o tema, a entidade não só não achou vantagens no uso dos eletrônicos por menores de dois anos como detectou riscos: um estudo analisado encontrou seis vezes mais chances de atrasos na linguagem entre crianças que começam a ver TV antes de um ano e assistem mais de duas horas por dia.
A partir dessas pesquisas, o órgão decidiu recomendar que crianças menores de dois anos não tenham qualquer exposição aos eletrônicos.
A Sociedade Brasileira de Pediatria segue a entidade americana nesse assunto.
Já entre crianças acima dos dois anos, aquelas que viram programas educativos tiveram notas melhores ao chegar ao ensino médio, apontou outro estudo considerado pela academia americana.
Devido a evidências como essa, a entidade brasileira recomenda que crianças acima dos dois anos possam ficar até duas horas diárias com TV, celular ou tablet.
A lógica por trás da restrição é que, mesmo que haja ganho com tecnologia, a criança aprende mais brincando no mundo real e se relacionando com pessoas.
Para as famílias, sobra a contradição entre as recomendações médicas e a onipresença da tecnologia.
Um problema nessa discussão é que as pesquisas pouco captaram até aqui sobre o efeito, na criança, de tablets e celulares, mais interativos que desenhos na TV.
O estudo que norteou a recomendação da Academia Americana de Pediatria, por exemplo, analisou principalmente TV, DVDs e vídeos.
Em meio a esse cenário, a posição médica é pela cautela. "Os estudos estão sendo feitos em tempo real. Por que expor as crianças se não sabemos o que isso gera?", afirma Christian Muller, representante da Sociedade Brasileira de Pediatria.
"A exposição precoce e exagerada aos dispositivos pode aumentar ansiedade, irritabilidade e agressividade da criança, além de gerar problema físico como obesidade e dor muscular", completa.
CALMANTE ELETRÔNICO
Também não funciona usar os aparelhos como "calmante" para as crianças quando estão agitadas, diz o pediatra. "Elas conseguirão desenvolver seus mecanismos de autorregulação?", questionam pesquisadores da Universidade de Boston (EUA), em artigo de 2014.
As telas também têm defensores entre especialistas em ensino. Responsável pelo projeto iPad na Sala de Aula, que capacita professores para o uso do equipamento nas escolas, a pedagoga Adriana Gandim diz que celulares e tablets "são ótimos para contar histórias, porque crianças gostam de algo movimentado, com sons e vídeos".
Cabe aos pais, ressalta, fazer a curadoria do que deve ser visto pela criança.
O australiano Daniel Donahoo, dono da consultoria de aplicativos educacionais Better Apps, diz que haverá mais ganhos se os pais estiverem ao lado dos filhos. "Veja TV com eles e fale sobre aquele tema. Use o dispositivo para ler e brincar com eles."


OPINIÃO

Tecnologia demais afeta socialização

A recomendação para que as crianças menores de dois anos não sejam expostas a TV, computador, celular ou tablet ocorre porque nesse período se processa o desenvolvimento cerebral.
A superestimulação tecnológica pode contribuir para deficit de atenção, prejuízo de aprendizagem e aumento da impulsividade.
A partir dos três anos, entendo que a exposição deva ser de até uma hora por dia.
A tecnologia é inerente à experiência de estar vivo, mas o excesso pode comprometer o desenvolvimento psicomotor da criança, devido à restrição dos movimentos causada pela passividade dela frente ao aparelhos.
E é fundamental que o uso seja ao menos monitorado por adultos e com limites.
Já atendemos crianças menores de seis anos com uso excessivo da tecnologia.
Algumas tinham dificuldades de socialização, às vezes com pais que também usam aparelhos em excesso.
    OPINIÃO

    Uso moderado é um acréscimo para a criança

    Celulares, tablets, computadores e games fazem parte do cotidiano. Se usados com parcimônia, são um acréscimo para as crianças.
    Ninguém sabe como vai estar o mundo em 2030, quando as crianças de hoje estarão na casa dos 20 anos.
    Nada indica que a tecnologia vá parar de evoluir, esse será o mundo delas.
    Os aplicativos para as crianças de até seis anos basicamente reproduzem brincadeiras corriqueiras, como juntar peças. É diferente de jogos para mais velhos, com formato próprio, feitos justamente para atraí-los.
    Mas reitero que a tecnologia deva ser usada com parcimônia pelas crianças, não pode substituir outras coisas importantes, como andar na rua, correr, tomar sol.
    Minha preocupação é que o uso exagerado de tecnologia cause grave consequência quando a criança chegar à adolescência, numa espécie de porta de entrada para a má utilização no futuro.

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