3 de agosto de 2015

Sempre alertas, Antonio Gois

03 de agosto de 2015
"Na ânsia por otimizar ao máximo o tempo das crianças em busca de resultados, pais e escolas podem estar prejudicando seu desenvolvimento", afirma Antônio Gois

Fonte: O Globo (RJ)



Num encontro da Rede Nacional de Ciência para a Educação, realizado em maio no Instituto Ayrton Senna, o neurocientista Fernando Louzada (UFPR) contou que, quando procurava uma pré-escola para seu filho em Curitiba, sempre perguntava onde estava o espaço para as crianças cochilarem. Num dos estabelecimentos que visitou, ouviu como resposta que não precisaria se preocupar, pois aquele ambiente era tão estimulante que as crianças não queriam nem saber de dormir. Mal sabia a pessoa que atendeu Louzada que estava diante de um dos maiores especialistas no Brasil em ciência do sono, autor e conhecedor de vários estudos que demonstravam justamente o contrário: o quanto o cochilo naquela idade era fundamental para o aprendizado. As pesquisas de Louzada, aliás, têm alertado escolas do grande equívoco que cometem ao esperar dos jovens que estejam aptos a aprender desde às 7h da manhã.
A ideia utilitarista de que devemos, desde cedo, otimizar ao máximo o tempo das crianças para que sejam estimuladas em atividades que aumentem sua capacidade cognitiva não é privilégio do Brasil. O assunto foi abordado na semana passada pelo colunista do “New York” Times Frank Bruni, ao comentar o recém-lançado livro “Overloaded and Underprepared” (“Sobrecarregados e Despreparados”, numa tradução livre). Na obra, escrita por pesquisadores de um centro ligado à Universidade Stanford, os autores argumentam que muitos estudantes americanos (especialmente em famílias de alta renda) estão sendo expostos a uma rotina massacrante de estudos, sem que isso resulte em melhores resultados acadêmicos. Segundo os autores, esse foco excessivo no desempenho acadêmico tem diminuído a atenção para outras características importantes que definem uma pessoa bem-sucedida, como independência, ética e pensamento crítico.
O exemplo do livro que Bruni cita em sua coluna por tê-lo impressionado mais foi também em relação ao sono: uma escola de ensino médio no Vale do Silício que chegou a contratar “especialistas” para treinarem jovens a dormirem melhor. O problema não é pontual. O estudo “A Grande Recessão do Sono”, publicado na revista “Pediatrics” em março, mostrou que 55% dos adolescentes americanos dormem em média menos de sete horas por dia, quando o recomendado seria de oito a dez. E, nos últimos 20 anos, o quadro só piorou. No Brasil, um estudo feito em Santa Maria (RS) e Florianópolis (SC) por pesquisadores das universidades do Estado de Santa Catarina e da Federal do Paraná também mostram um quadro preocupante: 36% dos jovens pesquisados apresentavam sonolência diurna excessiva, caracterizada como sensação aumentada de necessidade de dormir e diminuição do estado de alerta durante o dia.
O sono não é a única vítima dessa paranoia. Preocupadas com o desempenho dos alunos em leitura e matemática, é comum escolas abrirem mão de disciplinas como Educação Física, Artes ou Música. Além de privar os jovens desse aprendizado, a escolha pode se revelar um tiro pela culatra, como sugere um estudo apresentado pela neurocientista Dana Strait no I Simpósio Internacional sobre Ciência para Educação, que aconteceu no mês passado no Rio. A pesquisa identificou que o aprendizado de Música, quando bem-feito, contribuía para a melhoria da memória e concentração dos estudantes.
Não há nada de errado em cobrar resultados e procurar dar aos filhos desde cedo as melhores oportunidades possíveis para seu desenvolvimento cognitivo. O que especialistas e pesquisas cada vez mais nos alertam é que estamos muitas vezes exagerando na dose, com uma visão perigosamente estreita do que seja educar uma criança.

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