20 de agosto de 2015

MATIAS SPEKTOR Diplomacia a jato


Meios de comunicação os mais diversos foram à forra nas últimas semanas, vazando telegramas de seis embaixadas brasileiras no exterior.
O material não traz nada de novo, ilegal ou imoral. Apenas mostra diplomatas brasileiros promovendo interesses de grandes empresas nacionais, por vezes na esteira de uma visita do ex-presidente Lula pelo país em questão.
Em tempos de Lava Jato, a futrica excita os ânimos. Afinal, o poderoso esquema de internacionalização dos conglomerados brasileiros está rachando sob pressão das investigações. Acuado, o governo guarda silêncio. O ônus ficou por conta dos embaixadores brasileiros em Gana e Portugal, que deram a cara a tapa com coragem e inteligência.
Nos gabinetes de Brasília, porém, parte da tecnocracia ainda descarta o fuzuê como tentativa de demonização da diplomacia comercial.
Porta-vozes do setor privado seguem a toada, publicando artigos em defesa do atual modelo. "Todo governo que se respeita promove suas grandes empresas privadas no exterior", reza o argumento.
Esses textos citam os exemplos americano e britânico de promoção comercial, omitindo referências às estritas leis anticorrupção que lá vigoram.
Citam ainda a China, sempre com imagens dentais: os chineses fariam diplomacia comercial com a "faca nos dentes" e estariam "armados até os dentes" para realizar um trabalho eficaz. Não há referências, porém, aos graves problemas de higiene bucal, que geram incompatibilidade definitiva entre dentaduras autoritárias e democráticas.
Os argumentos das últimas semanas ignoram a mudança em curso. Seus defensores não perceberam que a Lava Jato transformará de vez o ambiente da promoção comercial.
A evolução tem sido rápida. Do mensalão para cá, criou-se um arcabouço que inclui acordos de leniência, delação premiada e uma nova lei anticorrupção que pune pessoas jurídicas pela primeira vez. Gente branca, rica e poderosa pode acabar no xilindró. E o caldo há de engrossar mais com a Lei de Responsabilidade das Estatais e a CPI do BNDES.
O pacote de limpeza ganhará força adicional se o Senado aprovar a abertura do pré-sal à competição internacional. Escrita para viabilizar o fluxo de petróleo e reverter os equívocos da Petrobras, a lei corrigirá regras locais talhadas para proteger cartéis de amigos que dificultam a fiscalização.
Há uma nova gama de interesses públicos e privados pró-transparência em gestação, e a política externa brasileira será obrigada a representá-la.


Poderá fazê-lo com inteligência, aprendendo da experiência internacional para conceber novos protocolos de promoção comercial. Ou poderá operar na retranca, sendo arrastada pela força de um jato ainda longe de acabar.
Folha de S.Paulo, 20/8/2015

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