ENTREVISTA RICHARD SENNETT
PARA SOCIÓLOGO, EXCESSO DE CUSTOMIZAÇÃO NAS REDES TIRA ESPAÇO PARA A SURPRESA E REDUZ A INTELIGÊNCIA DO PÚBLICO
O sociólogo americano Richard Sennett, 72, afirma que a onda das mídias sociais tem reduzido a capacidade das pessoas de adquirir conhecimento externo.
Em entrevista à Folha, ele diz que o modelo cada vez mais customizado da internet cria um cenário sem elemento "surpresa" no cotidiano.
Um dos sociólogos mais prestigiados, Sennett publicou em 1977 o clássico "O Declínio do Homem Público", em que aborda, entre outras coisas, as mudanças de comportamento do homem desde o século 18, sobretudo em relação a intimidade, individualismo e exposição.
O que escreveu há quase 40 anos, diz ele, ainda se aplica hoje, agora num contexto do mundo eletrônico da web.
Nascido em Chicago, Sennett recebeu a reportagem na London School of Economics, onde leciona. É professor também da New York University e entre seus livros está "Juntos", obra de 2012 em que defende o conceito de cooperação entre os indivíduos.
O sociólogo, que integra a comissão de reorganização urbana de Atenas como parte da conferência da ONU de 2016 sobre o futuro das cidades (Habitat 3), diz que a criação de cooperativas informais é fundamental para países como Grécia e Brasil reagirem às turbulências econômicas.
Na entrevista, Sennet critica os shoppings no Brasil e as "cidades inteligentes".
O sociólogo estará em Porto Alegre no dia 24 de agosto e em São Paulo no dia 26 para palestras no evento Fronteiras do Pensamento.
FOLHA - Como o sr. vê as mudanças no comportamento das pessoas tantos anos depois de publicar "O Declínio do Homem Público"?
RICHARD SENNETT - Há 40 anos, havia muitas questões sobre a transformação da presença física das pessoas em público, e agora temos os mesmos problemas: perguntamo-nos sobre a presença na web. As mídias sociais aumentam a discussão entre o público e o privado.
Não tínhamos nada parecido nos anos 70 e fico impressionado como ainda nos atingem questões sobre a noção do uso de espaço público para autoexposição e interação real. Como analista social, é deprimente para mim que esses problemas persistam, agora no espaço eletrônico.
O sr. acha que atingimos o ápice da falta de privacidade?
O mais triste sobre o ciberespaço é que há cada vez menos chance para a surpresa.
Quando você caminha na rua, coisas que não espera podem acontecer. Quando está no Facebook, isso é feito tão sob medida que fica difícil a ideia de aprender alguma coisa que não soubesse, afinal, tudo é customizado, feito para seu perfil. Isso é um tipo de redução de quão inteligente o público a minha volta pode ser.
Por que o sr. critica as "cidades inteligentes"?
Elas removeram o elemento indutivo de aprendizado sobre o entorno. Como um dos líderes do Habitat 3, uma de nossas discussões é como evitar o mau uso da tecnologia que envolve a liberdade das pessoas. Essa tecnologia tem feito as pessoas ficarem sem pensar sobre isso.
Os governos autoritários, por exemplo, amam essas cidades, porque sua capacidade de vigilância é incrível. Há cidades americanas que usam os sensores de tráfego, de velocidade para coordenação, para identificar o número de motoristas negros e brancos. Isso acaba usado de forma diferente de seu propósito [original], vira um instrumento de dominação.
Recentemente, o sr. criticou o conceito de shoppings das cidades latino-americanas.
Fiquei impressionado com tantos estacionamentos nos shoppings no Brasil ocupando espaços públicos. São espaços cosmopolitas mal utilizados. Não há nada para fazer a não ser parar carros, as crianças não podem entrar nem usá-lo. Como na China, são espaços que separam a nova classe média dos pobres. Se você é pobre na China, não pode ir ao shopping.
O que os shoppings também fazem é destruir os negócios locais, isso é um grande problema aqui no Reino Unido, pois os centros das pequenas cidades não podem competir com grandes redes.
Qual sua opinião sobre a cidade de São Paulo?**
É uma cidade muito avançada, com muito capital humano. O grande desafio é como colocar essa capital para trabalhar para todos. Eu adoro São Paulo, é uma cidade de torres, mas também tem problemas de segurança. O trânsito nem me incomoda (risos), porque sou muito paciente, posso ver meus e-mails, ouvir música clássica, um violino de Wagner.
O sr. trabalhou na organização dos Jogos Olímpicos de Londres. A próxima Olimpíada será no Rio. Qual seu conselho para as autoridades?
Eu me envolvi no planejamento dos locais dos jogos, o que fazer com eles depois da Olimpíada. Queríamos evitar o que ocorreu com a Grécia em 2004 [após os Jogos, várias arenas foram abandonadas]. Os lugares precisam ser utilizados imediatamente após o evento. Se você espera cinco, seis anos, eles começam a se degradar, e é isso que tentamos evitar em Londres.
Passamos por uma crise econômica no Brasil, na Europa temos o exemplo da Grécia nos últimos cinco anos. O sr. acredita que seu conceito de "cooperação" entre as pessoas poderia ajudar esses países a superar tais problemas?
Não creio que possa ajudar a superar, mas acredito que pode ajudá-los a enfrentar os problemas. Conheço muito bem a questão da Grécia, por causa do Habitat 3. Lá, o governo tem falhado em apoiar isso, e a União Europeia basicamente criou um cenário de punição para o país.
Na Grécia, há cooperativas informais de família dividindo recursos. Uma delas, em Atenas, foi criada para garantir que as crianças tomem café da manhã antes de ir para a escola, porque uma das consequências da austeridade é que muitas famílias não conseguem garantir isso. O governo grego não faz nada.
Uma imagem global é sobre a necessidade da cooperação no local de trabalho. Mas na política econômica, se a estrutura formal de apoio falha, gera situações como a de Grécia, Itália, Portugal.
A cooperativa é a única medida de defesa. Um coisa terrível no liberalismo [econômico] é que as pessoas são cada vez mais donas de indivíduos em detrimento da cooperação informal.
O sr. acredita que haja uma solução para a Grécia?
Em 1953, 50% da dívida alemã foi abolida pelo governo grego, mas hoje isso é [usado como] um tipo de hegemonia, uma punição cruel. A Alemanha tem bloqueado qualquer tipo de alívio [aos gregos]. O país nunca vai se recuperar se toda hora tiver que pedir mais dinheiro para pagar dívida. Isso nunca deixará o país ser saudável.
Como vê o drama imigratório da África para a Europa?
É uma política de combate, sem muita esperança, porque estão mirando nos barcos, nos imigrantes que tentam chegar a Itália e Grécia. Entristece-me ver que a União Europeia está em colapso, não sabe o que fazer com um problema humanitário, como a imigração, e econômico, como as políticas de austeridade que estão falhando.
O sr. defende que as pessoas deveriam cada vez mais ter ações das empresas que trabalham. Isso não é uma contradição do modelo capitalista?
É um tipo de social capitalismo que contradiz o capitalismo liberal. No Reino Unido, na loja de departamento, John Lewis, os empregados têm ações. Depende de como se manuseia, do quão preocupada a empresa é com isso. Não se espera que o vendedor seja o dono dela, mas que o direito de ter ações lhe dê voz.
No regime liberal, o círculo de controle se reduz, cada vez menos pessoas tomam as decisões. Eu gostaria de ver o monopólio de empresas como Microsoft, Google, Amazon quebrado. Mas quando elas têm um competidor, compram-no ou fecham-no.
Quando começou a crise de 2008, achei que haveria um movimento para destruir isso, mas essas empresas se mostraram mais resistentes e sobreviveram.
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