07 de outubro de 2015
Para a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, os cortes no orçamento da ciência podem ser catastróficos para o desenvolvimento do país
Fonte: Época Online
A crise econômica afeta a ciência brasileira, com cortes nos orçamentos das universidades federais e estaduais, na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Para a professora Helena Nader, bióloga e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), esses cortes podem ser catastróficos para a ciência nacional. Helena conversou com a reportagem de ÉPOCA em seu laboratório, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e falou sobre a situação na Capes, o programa Ciência sem Fronteiras e as greves nas universidades.
ÉPOCA - A crise econômica já chegou à ciência?
Helena Nader - A crise econômica já chegou em tudo, e está afetando a ciência e a educação. Nós defendemos aqui na SBPC que a ciência é uma consequência da educação. Você não vai ter nunca uma ciência de ponta se não tiver educação de qualidade. Hoje todo mundo só quer saber de inovação. Parece um mantra. Mas inovação é consequência de se ter ciência, que gera conhecimento e tecnologia. E, por sua vez, ciência é consequência de educação. É uma cadeia. Por isso nós entendemos que o ajuste fiscal é necessário para o país, mas enviamos à presidenta da República e ao ministro Joaquim Levy [Fazenda] uma carta solicitando que a educação, a ciência, a tecnologia e a inovação fiquem de fora desse contingenciamento. Porque os efeitos dos cortes nessas áreas não aparecerão agora, mas no futuro, de forma catastrófica e talvez até irreversível, dependendo da área que for cortada.
ÉPOCA - De quem é a culpa pelo corte?
Helena Nader - Eu não quero dizer aqui que a culpa é do ministro da Educação ou do ministro da Ciência e Tecnologia. Eles estão tentando resolver isso. Mas é como se fosse a escolha de Sofia. Você se lembra do filme? Ela tinha dois filhos, qual vive e qual morre? Foi isso que foi pedido aos ministros, por causa do Ciência sem Fronteiras.
ÉPOCA - Por que o Ciência sem Fronteiras?
Helena Nader - Eu não tenho nada contra o Ciência sem Fronteiras, acho que é um projeto muito bom. Muitas pessoas falam sem conhecer, falam dos estudantes que foram fazer turismo e não reconhecem os que foram e tiveram sucesso. Só que o recurso do programa devia sair de um outro lugar. Hoje, ele sai do orçamento do CNPq e da Capes. O dinheiro do CNPq vem uma parte da LOA [Lei Orçamentária Anual] e outra do FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico].
O que está acontecendo? O Ciência sem Fronteiras está dentro do FNDCT pegando dinheiro que não foi feito para isso. Não é dinheiro novo. A primeira fase do Ciência sem Fronteira comeu quase R$ 1,2 bilhão do CNPq. Com isso, reduziu os recursos que entram na rubrica de custeio. Custeio tem as bolsas para estudantes no Brasil e tem insumos, passagens, diárias, a manutenção dos laboratórios. O que a Capes fez? Manteve as bolsas, mas cortou do financiamento da pós em 75%.
Quando o governo federal sinaliza o corte, isso se transforma num efeito cascata para os Estados. A Faperj [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro], por exemplo, não cortou oficialmente, mas não está liberando os recursos de vários editais, não está pagando. Aqui no nosso laboratório [na Universidade Federal de São Paulo - Unifesp], eu consigo manter as bolsas com recursos da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] e de projetos no exterior. Com o dólar a quatro reais, também esses recursos do exterior ficam menores. Está muito difícil para o jovem pesquisador se estabelecer em São Paulo, no Rio, na Amazônia, no país todo. Eu acho que esses cortes são um tiro no pé. É necessário fazer o ajuste? É. Mas todas as áreas devem ser ajustadas de forma igual? Não.
ÉPOCA - É possível tirar o Ciência sem Fronteiras do CNPq?
Helena Nader - Essa é uma das promessas que o ministro Aldo Rebelo fez. Enquanto isso, o que ele fez? Ele disse que se não temos os recursos, não vamos fazer novos editais, vamos arrumar a casa antes. Porque edital é fácil de fazer, o papel aceita tudo, mas como você paga depois? Nós também reivindicamos que se usem os recursos do pré-sal para a ciência. A lei do pré-sal foi aprovada em 2012, ela criou um fundo social que destina 50% dos recursos para a saúde e educação. Dessa metade, são 75% para a educação e 25% para a saúde. Nossa bandeira passou a pedir que os 50% restantes venham para a ciência. Esse fundo já existe, mas acho que esse dinheiro está sendo usado para fazer superavit, porque até agora não foi regulamentado. E o que nós temos é muito aquém do que precisamos. Um país como a Coreia do Sul investe mais de 3,5% de seu PIB em ciência. Nós investimos 1%. Talvez menos, com essa crise.
ÉPOCA - Mas esses cortes estão, por enquanto, restritos à pós-graduação, certo?
Helena Nader - Não, o MEC cortou o custeio de todo mundo. Aqui na minha universidade, você viu o elevador [Saiba mais na reportagem O Brasil está à beira de um apagão científico]. Outra tragédia são as imposições infralegais. Hoje os órgãos como o Ministério Público, os Tribunais de Contas, a Advocacia-Geral da União interpretam que ciência funciona fazendo licitação em tudo. Só que o menor orçamento não quer dizer que é o melhor produto, o produto necessário para determinada pesquisa. Não dá pra fazer ciência por meio de pregão. A gestão da ciência, em geral, está precarizada. Agora o que me preocupa é a crise de valores.
ÉPOCA - Uma crise de valores? Que tipo de valores estão sendo questionados?
Helena Nader - Tem coisas que vejo nas universidades federais, e em algumas estaduais também, que a gente não pode deixar acontecer. A greve é um direito, claro, mas não a depredação de patrimônio público, invasão de reitorias. A universidade é política, mas não é política partidária. Na hora em que a política na universidade passa a ser partidária, ela perde a razão de ser. E hoje está muito partidarizada, sejam os estudantes, docentes, técnicos. Isso é ruim. A palavra hierarquia virou um palavrão na universidade. A palavra mérito virou palavrão. Nós importamos para dentro da universidade o que acontece na política brasileira. Porque para eleger um reitor você tem que fazer acordos. Tem que ter base. Me diz uma grande universidade mundial que tem eleição de reitor? Nenhuma.
ÉPOCA - Como são escolhidos os reitores nas universidades lá fora?
Helena Nader - Comitê de busca. Anuncia-se a vaga, vem gente do mundo todo. A universidade busca quem é o melhor. Não tem coisa de mandato, de acordos. Eles não importaram a política para dentro da universidade.
ÉPOCA - A crise financeira, e essa crise de valores que a senhora se refere, poderiam provocar um êxodo de pesquisadores deixando o país para fazer ciência no exterior?
Helena Nader - Isso já começou. O Brasil hoje é notícia na Science, na Economist. O que acontece aqui, as pessoas no exterior ficam sabendo. Pesquisadores que estavam pensando em voltar ao Brasil, hoje estão repensando. Os danos de não se resolver essa crise é fazer o Brasil voltar à década de 1960. O Brasil importava alimentos, recebia doações de leite. Quem fez o Brasil ser a sétima economia do mundo foi a educação e a ciência, com trabalhos como o da Embrapa. Hoje o Brasil é o maior exportador de grãos do mundo, com uma agricultura e uma pecuária modernas. Por que não temos mais Embrapas, mais Embraers? Porque foi pouco o investido em ciência.
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