26 de outubro de 2015
Levantamento divulgado pelo Fórum de Segurança Pública mostra insegurança como a maior preocupação do brasileiro dentro das instituições de ensino
Fonte: iG
Um mês atrás, a professora Débora* teve uma surpresa em uma das salas onde leciona pela rede de ensino pública do Município de São Paulo. Após ouvir uma denúncia de seus alunos, ela observou a mochila de um dos estudantes e nela encontrou uma grande e afiada faca de açougue, guardada entre os pertences de um menino de apenas 12 anos.
"Inicialmente, eu imaginava que fosse uma faca de mesa, um souvenir, algo do tipo. Mas não. Com certeza, aquele objeto poderia machucar muito uma pessoa. Era um instrumento de grande porte", conta ao iG a professora, que há mais de duas décadas trabalha na rede pública de ensino. "O que aconteceu foi que ele contou aos coleguinhas que tinha uma faca, eles o desafiaram a mostrá-la e ele acabou levando-a para a escola para provar o que tinha dito."
O caso pode parecer isolado, mas não é. Produzida pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a 9ª edição do Anuário de Segurança Pública mostra que o porte de armas brancas por parte de alunos é bastante comum dentro das instituições de ensino públicas brasileiras.
Com compilação de dados disponíveis na mais recente Avaliação Nacional do Rendimento Escolar, a Prova Brasil 2013, que ouviu 237.186 profissionais de Educação no País, o documento mostra que um em cada seis diretores de escolas públicas no Brasil já notou a presença de armas brancas entre alunos dentro de suas instituições – não existe um detalhamento de quantos foram flagrados nessa situação.
É a primeira vez que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública inclui os dados referentes à violência dentro das escolas em seu anuário, no qual também foram inseridas análises da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) 2012, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em uma tentativa de compreender também o lado dos alunos em relação ao tema.
"Claro que não é possível concluir isso diretamente, mas os dados mostram que pode existir uma relação direta entre a insegurança que os alunos sentem dentro e no entorno das escolas e o grande número de estudantes que levam esses objetos às aulas", analisa a coordenadora institucional do Fórum da Segurança Pública, Patrícia Nogueira.
"Temos um percentual de 12% de alunos que dizem não se sentir seguros quando vão à escola. Talvez essas armas sejam uma espécie de defesa para confortá-los quanto a isso."
Canivete para se impor
Se a porcentagem de 16,3% impressiona na média brasileira, análise dos dados especificamente de cada Estado mostra que o número de estudantes que andam armados com facas e canivetes é ainda maior em algumas regiões do País, chegando ao dobro da média geral.
Se a porcentagem de 16,3% impressiona na média brasileira, análise dos dados especificamente de cada Estado mostra que o número de estudantes que andam armados com facas e canivetes é ainda maior em algumas regiões do País, chegando ao dobro da média geral.
Apesar de seus números não chegarem perto dos mais altos – como os de São Paulo, Estado com maior contingente de estudantes do País, onde houve 1.234 relatos de porte de armas brancas por parte de estudantes –, proporcionalmente, o Amapá lidera a lista sobre o tema, com 30,2% dos diretores ouvidos relatando casos do tipo, mesma proporção apontada no Distrito Federal.
Há 27 anos na rede pública de ensino, a professora Sabrina* convive com essa realidade há pelo menos duas décadas, quando afirma ter visto o início da piora da situação dentro das escolas. Em uma instituição onde deu aulas em Cidade Tiradentes, no extremo leste paulistano, estudantes chegavam a carregar armas de fogo nas mochilas, segundo lhe contavam colegas professores. Muitos, ressalta, tinham envolvimento com o tráfico de drogas.
Mas foi um caso específico, no início deste ano, que mais lhe chamou a atenção: um menino, também de 12 anos, então recém-transferido à escola onde ela dava aula, na zona sul paulistana, ameaçou os colegas com um canivete, o que levou a direção a inclusive chamar a Polícia Militar para intervir.
"Ele levava o objeto para impor poder diante dos coleguinhas. A história do 'eu mando, eu faço'", conta a professora. Ela afirma não ter visto mais o pré-adolescente após o caso – ele se desligou da escola.
"É muito triste toda essa situação porque escancara nossa realidade social. Não existe segurança na rede pública do País, infelizmente. Mas também tem o lado de que esses meninos vivem em situação de vulnerabilidade, não recebem carinho, atenção, são crianças sofridas, com pouco acompanhamento familiar. Temos de lidar com essas situações, pois assim que é em boa parte dessas escolas."
Armas de fogo
Como conta a professora Sabrina, não são apenas armas brancas que circulam entre alunos nas escolas públicas do País. Ainda que em proporção muito menor, armas de fogo também têm incidência em escolas.
Como conta a professora Sabrina, não são apenas armas brancas que circulam entre alunos nas escolas públicas do País. Ainda que em proporção muito menor, armas de fogo também têm incidência em escolas.
De acordo com os 56.737 diretores ouvidos pelas pesquisas, 2,1% das instituições de ensino públicas do País registraram casos de alunos portando armas de fogo em suas escolas, segundo diretores – um total de 1.195 registros.
Assim como em relação às armas de fogo, o Distrito Federal também lidera proporcionalmente no quesito. Foram, no total, relatados casos do tipo em 25 instituições, o que representa 4,5% do total da unidade federativa.
Em números absolutos, no entanto, Minas Gerais, Bahia e São Paulo são os líderes de registros de armas de fogo em escolas públicas: respectivamente, 137, 133 e 130 casos do gênero relatados por diretores.
O Anuário de Segurança Pública também expõe que 54,8% dos diretores e 52,3% dos professores respondentes presenciaram agressões verbais ou físicas de alunos contra funcionários das escolas e que um em cada dez diretores já foi ameaçado por algum aluno.
"A gente fica com receio de entrar em um embate mais emotivo com um estudante mais explosivo. Vemos verdadeiras gangues dentro das escolas, intimidações entre alunos e contra funcionários, tráfico de drogas nos corredores", diz Sabrina. "Falta base para muitos desses alunos, infelizmente. Apoio... Tive muitos problemas, mas vou contornando. Temos de seguir em frente."
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