7 de agosto de 2017

Celular avança nas escolas, mas conectividade ainda limita novas práticas


TIC Educação 2016 traz tendência de queda no uso dos laboratórios de informática e mostra difusão dos dispositivos móveis em atividades pedagógicas

por Marina Lopes / Vinícius de Oliveira  3 de agosto de 2017
No ano em que o ProInfo (Programa Nacional de Informática na Educação) completa 20 anos, apesar do acesso a pelo menos um tipo de computador estar quase universalizado nas escolas urbanas brasileiras, a falta de conectividade continua a limitar a adoção de novas práticas pedagógicas que geram impacto na aprendizagem. De acordo com os dados da sétima edição da pesquisa TIC Educação, divulgada nesta quinta-feira (3), pelo Cetic.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), o celular se tornou o equipamento mais utilizado pelos alunos para acessar a internet, mas apenas 31% deles trabalham com esse dispositivo conectado dentro da escola.
Realizada entre agosto e dezembro de 2016, a pesquisa traz dados sobre o uso e apropriação das tecnologias da informação e da comunicação em 1.106 escolas brasileiras de ensino fundamental e médio, localizadas em áreas urbanas. A partir da escuta de 935 diretores, 922 coordenadores pedagógicos, 1.854 professores e 11.069 alunos, a TIC Educação 2016 mostra que o uso dos dispositivos móveis está em ascensão. Entre os educadores usuários de internet, 49% declararam utilizar o celular em atividades com os alunos, representando um crescimento de dez pontos percentuais em relação ao ano anterior.
“O fenômeno do uso dos novos dispositivos móveis já está presente na nossa vida. Eu diria que, independente da classe social, os alunos já chegam na escola com esses dispositivos e uma certa cultura digital”, avalia Alexandre Barbosa, gerente do Cetic.br. No entanto, o uso do celular em sala de aula ainda esbarra na baixa conexão, considerando que 45% das escolas públicas ainda não ultrapassaram 4 Mega de velocidade. “É um grande desafio liberar a rede Wi-Fi por uma questão de capacidade. Abrir uma banda de 2 Mega para 500 ou 600 alunos é impraticável, porque não há infraestrutura que dê vazão a toda essa demanda. Mas, por outro lado, ainda tem uma questão de cultura escolar”, observa.
Mobilidade para o uso de tecnologia
No Instituto Monsenhor Hipólito, em Picos (PI), o uso do celular trouxe maior mobilidade para as práticas pedagógicas. Com dois links de conexão, um de 50 Mega e outro de 5 Mega, educadores passaram a trabalhar com os dispositivos móveis de forma integrada ao currículo. Em uma atividade de língua portuguesa, por exemplo, a professora Andréia Vitorino Marcos espalhou QR Codes pela escola para os alunos analisarem gêneros textuais com ajuda do celular. “Quando você coloca limites e propõe uma atividade interessante, eles não fazem outra coisa a não ser utilizar de forma bem responsável. Para mim, o celular é o melhor recurso educacional que temos hoje”, conta.
Apesar de contar com uma velocidade alta, quando comparada com a média das escolas brasileiras, a professora conta que o desenvolvimento de atividades desse tipo exige um bom planejamento, que vai além da estratégia pedagógica. “Nós temos que pensar no recurso tecnológico disponível. Se a atividade é para uma sala, liberamos a conexão apenas para ela”, menciona, ao ponderar a quantidade de dispositivos conectados simultaneamente que são suportados pela escola.
Já em uma realidade com menor velocidade de banda, presente na maior parte das escolas públicas, a restrição de acesso à rede sem fio dificulta o desenvolvimento de atividades pedagógicas em espaços diversificados. Enquanto 91% das escolas públicas e 94% das escolas privadas possuem Wi-Fi, apenas 10% delas deixam o uso liberado para os alunos. “Quando analisamos as faixas de banda e conexão à internet, compreendemos um pouco porque o uso das tecnologias nas escolas ainda precisa avançar e superar obstáculos. A conectividade impacta na disponibilidade de espaços para o desenvolvimento de atividades de ensino e aprendizagem”, diz Daniela Costa, coordenadora da pesquisa TIC Educação.
Entre os principais pontos de acesso à internet dentro das escolas públicas brasileiras, a sala do coordenador pedagógico ou do diretor ainda é o local que mais garante conectividade, com 92% das respostas. Em seguida, aparecem opções como a sala dos professores ou sala de reunião (78%), laboratório de informática (73%), sala de aula (55%) e biblioteca ou sala de estudo para os alunos (47%). Já nas escolas privadas, o acesso à internet tende a ser menor nos laboratórios de informática (45%) e maior no espaço da sala de aula (82%) ou da biblioteca e sala de estudos (69%).
Mudança no uso dos laboratórios de informática
A tendência de começar a espalhar o acesso à internet por espaços diversificados, observada em principalmente nas escolas particulares, também reflete em uma mudança no uso dos laboratórios de informática. Apenas 47% das instituições privadas afirmaram possuir um laboratório e 46% delas disseram usar esse espaço. Nas públicas, esse número ainda contrasta com um descompasso entre a existência (81%) e o uso da sala de informática (59%). “Embora os laboratórios de informática estejam muito presentes nas escolas públicas, mas com um baixo uso, nas escolas particulares esse local de uso vai sendo deslocado para ambientes ou locais de ensino aprendizagem mais apropriados ao dia a dia, como por exemplo na sala de aula, na biblioteca ou em outros espaços pedagógicos”, destaca gerente do Cetic.br.
Há dois anos, o Colégio Elvira Brandão, em São Paulo (SP), decidiu transformar o laboratório de informática em um espaço maker e distribuir os computadores pela escola. “Os dispositivos presos em uma sala não atendem mais a necessidade da escola. O deslocamento dos estudantes até um local para usar Wi-Fi não combina com a dinâmica de uma escola que trabalha com metodologias ativas, cultura maker e projetos. Com esses três pilares, precisamos que a conectividade esteja espalhada pela escola inteira, e o laboratório passa a não ter mais sentido”, aponta a diretora Andrezza Amorelli.
Para atender a essa proposta pedagógica, a escola teve que investir em mais conectividade. Hoje, a instituição trabalha com dois links de internet, um de 35 Mega e outro de 10 Mega. “O nosso investimento mais pesado foi na construção de um espaço maker e na ampliação da conexão. Comprar computador, notebook e tablet não é mais uma demanda da escola, cada estudante usa o seu próprio dispositivo”, explica.
Na avaliação da pesquisadora e especialista em novas tecnologias para a educação Leila Iannone, do Cetic.br, a mudança no uso dos laboratórios de informática pode traduzir um avanço nas questões curriculares. “As práticas diversificadas, com uso de outros ambientes e dispositivos, estão impactando e influenciado uma nova visão de currículo. É uma nova forma de aprender e ensinar. Uma nova nova maneira de acessar, produzir e se apropriar do conhecimento, trazendo para o dia a dia uma coisa muito importante que o processo de autoria.”
Avanço nas redes públicas
Pensando na nova lógica de apropriação do conhecimento, o departamento de Tecnologias para a Aprendizagem da Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo começou a trabalhar com os laboratórios de informática em uma nova perspectiva educacional, que passou da inclusão e do letramento digital para uma abordagem maker. Desde 2015, esses espaços estão sendo pensados e usados para trabalhar projetos de robótica, programação e múltiplas linguagens.
“O aluno deixa de ser um consumidor de conteúdo para se tornar um produtor de conteúdos”, afirma Tania Tadeu, coordenadora pedagógica na secretaria municipal. De acordo com ela, o uso do laboratório dentro de uma perspectiva de autoria traz muitos ganhos para a aprendizagem dos adolescentes. “Os alunos se tornam muito mais protagonistas e autores. O protagonismo está intrínseco em todos os eixos do nosso currículo.”
No Paraná, um projeto que começa este ano, combinando a formação profissional e a possibilidade de compra personalizada por parte das escolas, também mostra que a política de deixar a conectividade restrita a um laboratório começa a ser superada. Orçado em R$ 15 milhões por ano, o programa chegará a 500 das 2.100 escolas da rede estadual (que contempla anos finais do fundamental e o ensino médio) em troca da elaboração de um plano pedagógico para o uso de tecnologia e do cumprimento de metas.
Na lista oferecida para as escolas estão equipamentos que podem ser adquiridos no formato de combo, como acontece com os serviços de internet e TV para o consumidor doméstico. Eziquiel Menta, diretor de políticas e tecnologias educacionais da secretaria, cita como exemplos a infraestrutura de Wi-Fi por toda a escola, a instalação de projetor multimídia, laboratório móvel com laptop para uso em sala de aula, roteador com opção de acesso off-line, além de estúdio de produção com câmera, microfone e impressora 3D. Caso a escola deseje um equipamento que não condiz com a avaliação de suas competências, um alarme soa na equipe de TI da secretaria, que passa a exigir o cumprimento dos cursos por parte da equipe pedagógica e gestora.
“Com isso, estamos mudando algumas concepções sobre aquisição de conectividade para a educação. A secretaria deixa de entregar uma única solução para todas as escolas, que por outro lado ficam obrigadas a estabelecer um plano coletivo para uso de tecnologia”, afirma Menta.
Percepção dos professores
Além de investigar a apropriação e o uso das tecnologias nas escolas, a nova edição da TIC Educação também apresentou dados sobre a percepção dos professores. Entre os educadores ouvidos, 94% deles concordam com a afirmação de que com o uso de tecnologia passaram a ter acesso a materiais mais diversificados ou de melhor qualidade. Eles também concordam que passaram a adotar novos métodos de ensino (85%) e passaram a cumprir suas tarefas administrativas com maior facilidade (82%).
Quando o assunto é forma de aprendizado e atualização no uso do computador e da internet, a pesquisa também mostra que 91% dos educadores estão buscando capacitação sozinhos e 83% contam com a ajuda de outras pessoas. “Os cursos formais acabam sendo muito técnicos. Quando você aprende com um olhar do colega ou do professor que trabalha nessa área, o contato com a tecnologia é diferenciado”, observa a professora Fernanda Tardin, Instituto de Educação Eber Teixeira de Figueiredo, em Bom Jesus do Itabapoana (RJ).
Para compartilhar experiências do uso de tecnologia com outros educadores, em 2009 ela criou o blog “Utilizando as Mídias na Educação”, que publica textos, vídeos, dicas de sites e blogs, entrevistas e jogos educacionais que podem ajudar a diversificar o processo de ensino e aprendizagem. “Cada vez mais os alunos estão tecnológicos e inseridos nesse meio digital. De uma certa forma, o professor que não busca acaba ficando para trás e não consegue interagir com os alunos.”
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