26 de fevereiro de 2017

Em meio a descrédito na política, jovens estudam para disputar eleições


Diante do descrédito generalizado com a classe política brasileira, jovens têm direcionado sua formação acadêmica para entrar na política pela porta da frente. Prefeito, deputado e até presidente são cargos que não passam só por um sonho: são objetivos de carreira.
Com Lava Jato, um polêmico processo de impeachment e a exposição de acordos políticos de autopreservação, a conjuntura não é muito inspiradora para a política. Mas esse cenário tem sido visto como uma "janela de oportunidades" para esses jovens. Eles têm construído currículos acadêmicos com os quais poderiam almejar cargos cobiçados em grandes empresas, mas a vontade de querer mudar as coisas tem sido maior.
Na sala da coordenação do curso de administração pública da FGV, em São Paulo, os professores Fernando Abrucio e Marco Antonio Carvalho Teixeira já apresentam à reportagem, em tom de brincadeira, um grupo de alunos pelos futuros cargos: ministro, prefeita de Curitiba, prefeito do Rio, presidente.
Marcus Leoni/Folhapress
Estudantes do curso de administração pública da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, têm ambições de serem prefeitos, ministros e até presidente
Estudantes da FGV-SP têm ambições de serem prefeitos, ministros e até presidente
A menos de um semestre de se formar no curso, Fernanda Quiroga, 22, tem uma meta traçada. Em 2020, próximas eleições municipais, deve sair candidata a uma vaga na Câmara Municipal de SP. "Ao mesmo tempo em que a população está descrente da política, está também ansiando encontrar novas pessoas", diz.
No último pleito, Fernanda trabalhou na campanha de Marina Helou, que concorreu pela Rede e na chamada Bancada Ativista, mas não se elegeu vereadora. Atuou ainda na criação de um coletivo feminista na faculdade e também iniciou uma segunda graduação de direito. "Sei que legislação é importante no governo, será mais uma ferramenta para mim."
Ainda no ensino médio, Fernanda viajou com a escola para a cidade de Imperatriz, no interior do Maranhão. O contato com a realidade pobre do local, como falta de médicos, despertou nela a ansiedade de tentar colaborar.
"Foi a primeira vez que vi a falta do Estado na vida das pessoas. Tive a sensação de que o governo era um multiplicador. O que o Estado faz de bom e de ruim vai impactar na vida das pessoas", diz.
Esse reflexo das ações do Estado no cotidiano foi decisivo para o estudante carioca Pedro Berto, 25.
As obras da Olimpíada provocaram remoções na Vila Autódromo, zona oeste, onde morava. Berto e a mãe, líder de um importante centro de candomblé no local, não aceitaram a oferta de dinheiro para sair. Então aluno de ciências contábeis com o objetivo inicial de atuar no mercado financeiro, o jovem acabou se tornando uma referência na mobilização contra as remoções forçadas a partir de 2014.
"Percebi que a vida era muito mais que o mercado financeiro e que existiam mais coisas do que eu entendia como felicidade e bem-estar. Aí larguei o curso e tive outro objetivo, que só fazia sentido se tivesse na área pública", diz.
Com apoio financeiro de uma jornalista estrangeira que o entrevistou durante a resistência, fez cursinho para o vestibular de administração pública na FGV. Passou no ano passado. Mudou-se para São Paulo com ajuda da ONG Educafro, onde também deu aulas para refugiados, e hoje estuda com bolsa de 100%. Ainda recebe auxílio-moradia e transporte.
"Não é um sonho. Minha meta é ser prefeito do Rio".
PARTIDO
Marco Antonio Teixeira, da FGV, reforça que há uma parcela da juventude preocupada com questões coletivas, imbuída de valores solidários. "A decepção com a política não está sendo confundida com a negação da política", diz. "Para muitos, é mais um fator de necessidade de mudança e de melhoria da qualidade da intervenção."
Mas a transição entre a formação e a vida prática da política passa pela entrada em um partido. E, no geral, a escolha de uma legenda ainda é uma angústia para os jovens.
Estudante do 1º ano de direito na USP, Leonardo Hidalgo Racy, 18, já tem frequentado alguns encontros de partidos. Sabe que terá que se filiar para entrar no jogo: ele pretende chegar a Brasília, mas planeja uma candidatura à Câmara Municipal.
"Honestamente, nenhum partido atual me atrai, não me arriscaria a escolher um agora. Mas acredito que podemos provocar renovações", diz.
Marcus Leoni/Folhapress
O estudante de direito da USP, Leonardo Hidalgo Racy, 18
O estudante de direito da USP, Leonardo Hidalgo Racy, 18
Pablo Ortellado, docente do curso de gestão de políticas públicas da USP, lembra que, de fato, as estruturas partidárias são muito fechadas. "O sistema não é poroso para esse tipo de relação, é muito difícil a entrada de pessoas novas", diz. Ele pondera, entretanto, que há um perfil bastante comum de jovens brilhantes que estão ocupando espaço na gestão pública.
Tábata Amaral, 23, faz parte de um movimento incipiente de renovação política que reúne outros jovens e busca se consolidar para as eleições de 2018. Ela ainda não tem partido, mas já desenha uma forma de atuação nessas estruturas.
Vinda de uma família pobre, Tábata ganhou uma bolsa para estudar em escola particular quando ainda estava no ensino fundamental ao ser destaque em olimpíadas de matemática de escolas públicas. Sua trajetória desaguou em Harvard, onde foi estudar astrofísica e acabou se matriculando também em ciência política.
"Eu me esforcei, claro, mas tive oportunidades que outros não tiveram. Percebi que não podia ser cientista e que tinha que voltar para o Brasil para me envolver", diz ela, que fundou a plataforma de mobilização Mapa Educação.
Até o meio do ano ela decide se vai se candidatar em 2018 a uma vaga na Assembleia de São Paulo. Mas, em palestras e debates, repete seu objetivo a longo prazo. "Quero ser presidente do Brasil". 

Em meio a descrédito na política, jovens estudam para disputar eleições

Diante do descrédito generalizado com a classe política brasileira, jovens têm direcionado sua formação acadêmica para entrar na política pela porta da frente. Prefeito, deputado e até presidente são cargos que não passam só por um sonho: são objetivos de carreira.
Com Lava Jato, um polêmico processo de impeachment e a exposição de acordos políticos de autopreservação, a conjuntura não é muito inspiradora para a política. Mas esse cenário tem sido visto como uma "janela de oportunidades" para esses jovens. Eles têm construído currículos acadêmicos com os quais poderiam almejar cargos cobiçados em grandes empresas, mas a vontade de querer mudar as coisas tem sido maior.
Na sala da coordenação do curso de administração pública da FGV, em São Paulo, os professores Fernando Abrucio e Marco Antonio Carvalho Teixeira já apresentam à reportagem, em tom de brincadeira, um grupo de alunos pelos futuros cargos: ministro, prefeita de Curitiba, prefeito do Rio, presidente.
Marcus Leoni/Folhapress
Estudantes do curso de administração pública da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, têm ambições de serem prefeitos, ministros e até presidente
Estudantes da FGV-SP têm ambições de serem prefeitos, ministros e até presidente
A menos de um semestre de se formar no curso, Fernanda Quiroga, 22, tem uma meta traçada. Em 2020, próximas eleições municipais, deve sair candidata a uma vaga na Câmara Municipal de SP. "Ao mesmo tempo em que a população está descrente da política, está também ansiando encontrar novas pessoas", diz.
No último pleito, Fernanda trabalhou na campanha de Marina Helou, que concorreu pela Rede e na chamada Bancada Ativista, mas não se elegeu vereadora. Atuou ainda na criação de um coletivo feminista na faculdade e também iniciou uma segunda graduação de direito. "Sei que legislação é importante no governo, será mais uma ferramenta para mim."
Ainda no ensino médio, Fernanda viajou com a escola para a cidade de Imperatriz, no interior do Maranhão. O contato com a realidade pobre do local, como falta de médicos, despertou nela a ansiedade de tentar colaborar.
"Foi a primeira vez que vi a falta do Estado na vida das pessoas. Tive a sensação de que o governo era um multiplicador. O que o Estado faz de bom e de ruim vai impactar na vida das pessoas", diz.
Esse reflexo das ações do Estado no cotidiano foi decisivo para o estudante carioca Pedro Berto, 25.
As obras da Olimpíada provocaram remoções na Vila Autódromo, zona oeste, onde morava. Berto e a mãe, líder de um importante centro de candomblé no local, não aceitaram a oferta de dinheiro para sair. Então aluno de ciências contábeis com o objetivo inicial de atuar no mercado financeiro, o jovem acabou se tornando uma referência na mobilização contra as remoções forçadas a partir de 2014.
"Percebi que a vida era muito mais que o mercado financeiro e que existiam mais coisas do que eu entendia como felicidade e bem-estar. Aí larguei o curso e tive outro objetivo, que só fazia sentido se tivesse na área pública", diz.
Com apoio financeiro de uma jornalista estrangeira que o entrevistou durante a resistência, fez cursinho para o vestibular de administração pública na FGV. Passou no ano passado. Mudou-se para São Paulo com ajuda da ONG Educafro, onde também deu aulas para refugiados, e hoje estuda com bolsa de 100%. Ainda recebe auxílio-moradia e transporte.
"Não é um sonho. Minha meta é ser prefeito do Rio".
PARTIDO
Marco Antonio Teixeira, da FGV, reforça que há uma parcela da juventude preocupada com questões coletivas, imbuída de valores solidários. "A decepção com a política não está sendo confundida com a negação da política", diz. "Para muitos, é mais um fator de necessidade de mudança e de melhoria da qualidade da intervenção."
Mas a transição entre a formação e a vida prática da política passa pela entrada em um partido. E, no geral, a escolha de uma legenda ainda é uma angústia para os jovens.
Estudante do 1º ano de direito na USP, Leonardo Hidalgo Racy, 18, já tem frequentado alguns encontros de partidos. Sabe que terá que se filiar para entrar no jogo: ele pretende chegar a Brasília, mas planeja uma candidatura à Câmara Municipal.
"Honestamente, nenhum partido atual me atrai, não me arriscaria a escolher um agora. Mas acredito que podemos provocar renovações", diz.
Marcus Leoni/Folhapress
O estudante de direito da USP, Leonardo Hidalgo Racy, 18
O estudante de direito da USP, Leonardo Hidalgo Racy, 18
Pablo Ortellado, docente do curso de gestão de políticas públicas da USP, lembra que, de fato, as estruturas partidárias são muito fechadas. "O sistema não é poroso para esse tipo de relação, é muito difícil a entrada de pessoas novas", diz. Ele pondera, entretanto, que há um perfil bastante comum de jovens brilhantes que estão ocupando espaço na gestão pública.
Tábata Amaral, 23, faz parte de um movimento incipiente de renovação política que reúne outros jovens e busca se consolidar para as eleições de 2018. Ela ainda não tem partido, mas já desenha uma forma de atuação nessas estruturas.
Vinda de uma família pobre, Tábata ganhou uma bolsa para estudar em escola particular quando ainda estava no ensino fundamental ao ser destaque em olimpíadas de matemática de escolas públicas. Sua trajetória desaguou em Harvard, onde foi estudar astrofísica e acabou se matriculando também em ciência política.
"Eu me esforcei, claro, mas tive oportunidades que outros não tiveram. Percebi que não podia ser cientista e que tinha que voltar para o Brasil para me envolver", diz ela, que fundou a plataforma de mobilização Mapa Educação.
Até o meio do ano ela decide se vai se candidatar em 2018 a uma vaga na Assembleia de São Paulo. Mas, em palestras e debates, repete seu objetivo a longo prazo. "Quero ser presidente do Brasil". 

25 de fevereiro de 2017

O meio século dos cem anos mais lidos da literatura latino-americana, Leonardo Padura





Cinquenta anos mais tarde, diante de leitores cubanos e outros chegados de diversas comarcas do mundo, tive a oportunidade de festejar o meio século de existência do romance mais influente, lido, estudado e admirado da literatura latino-americana de todos os tempos, "Cem Anos de Solidão" (1967), e, de passagem, ou sobretudo, as nove décadas do nascimento de seu autor, o colombiano Gabriel García Márquez (1927), ambas datas a serem celebradas no ano atual.
A divisão mexicana do grupo editorial Planeta foi a encarregada de preparar a homenagem –talvez a primeira das muitas que serão feitas este ano–, realizada em duas sessões, como parte das atividades da recém-concluída Feira Internacional do Livro de Havana.
Em ambos os casos, como romancista cubano, coube a mim ser algo como o anfitrião de estudiosos, diplomatas e editores que, partindo de suas perspectivas e experiências particulares, falaram das diversas facetas do escritor: como colombiano da costa caribenha, como pessoa que se tornou personagem graças à sua obra e sua fama, como jornalista e, obviamente, como autor de "Cem Anos de Solidão", seu romance imensurável, a obra que sem dúvida alguma e com toda justiça o levou a Estocolmo em 1982 para ali receber o Prêmio Nobel de Literatura.
Renata Borges/Renata Borges/Editoria de Arte/Folhapress
Renata Borges de 25 de Fev de 2017
Se alguma coisa foi constatada como síntese dos diversos olhares sobre a personalidade, o pertencimento cultural e o empenho literário e jornalístico de Gabo foi o fato magnífico e ao mesmo tempo dramático de revelar como todos os atos cotidianos e criativos de sua existência estavam predestinados a confluir na criação de "Cem Anos de Solidão" ou foram determinados pela publicação e o sucesso avassalador de um romance em que muitos enxergaram a melhor das sínteses da história de um continente marcado pelos traumas da colonização, as lutas fratricidas, a violência, a dimensão mágica e hiperbólica própria de sua consciência coletiva e a sobrevivência cotidiana da poesia como expressão mais justa da vida.
A meu ver, o grande mérito literário e cultural desse romance exemplar foi ter satisfeito explosivamente a exigência feita à literatura por Miguel de Unamuno um século atrás: essa capacidade de "encontrar o universal nas entranhas do local e, no circunscrito e limitado, o eterno".
Porque a história da vila perdida de Macondo, em um canto longínquo do Caribe colombiano, fundada e apagada da face da Terra nas páginas do livro, alcança o mérito de, partindo do cenário mais local e extraordinário possível e por meio da história de uma família peculiar, expressar toda uma visão de mundo, da história e da condição humana com uma perspectiva de um caráter tão universal que sua imagem fala de todo um país, de um continente, e o faz para todo o mundo.
Entretanto o extraordinário desse exercício foi que a origem de cada uma das peripécias e os contextos em que a fábula se desenrola não é obra da imaginação exuberante do autor, mas de sua extraordinária capacidade de observador e tradutor de uma realidade em que outros colombianos como ele viveram.
Um mundo em que tudo era (e é) possível e no qual, como dissera Alejo Carpentier referindo-se à realidade de toda a América, "o insólito é cotidiano, sempre foi cotidiano".
Foi esse caráter universal e permanente da obra de García Márquez, a contundente beleza com que ele revelou as peculiaridades de um mundo real e alucinado, que levou a notícia de sua morte (da qual em breve terão se passado três anos) a provocar um estremecimento semelhante ao que se seguiu à notícia do assassinato de John Lennon pelas mãos de um fanático, sobre a qual o próprio García Márquez escreveu, destacando como era encorajadora a comoção gerada no mundo pelo desaparecimento de um homem que não tinha exercido o poder nem comandado exércitos, mas apenas se dedicado a cantar o amor e criar beleza.
Quando Gabo morreu, como recordou um de meus colegas da homenagem em Havana, um certo toque de recolher foi decretado nas primeiras páginas dos jornais do mundo e, por um dia, as notícias sobre guerras, atentados, golpes de Estado e perseguições policiais, étnicas e políticas deixaram de dominar.
O melhor espaço, o espaço merecido, foi reservado à cobertura do desaparecimento físico de um homem que dedicou a vida à criação de beleza, desde sua pequena Macondo, teclando dia a dia em busca do melhor adjetivo, trabalhando para uma eternidade na qual, como acaba de acontecer em Havana, algumas pessoas possam se reunir e prestar uma homenagem em locais decorados apenas com as borboletas amarelas que voaram de seus romances em direção às nossas sensibilidades e gratidões de leitores, de latino-americanos, de habitantes da Terra.

24 de fevereiro de 2017

Desempenho e evasão entre cotistas nas universidades públicas

Em entrevista ao ‘Nexo’, Naércio de Menezes, professor do Insper e da USP, discute a política e suas implicações em termos de desempenho e evasão entre cotistas e seu impacto para o país’





  Em agosto de 2012, o governo federal instituiu, para todas as universidades federais, a "Lei de Cotas" (Lei nº 12.711), que determina a reserva de 50% das vagas das instituições de ensino superior para estudantes que tenham cursado o ensino médio integralmente em escolas públicas. Entre as vagas reservadas, metade deve ir para estudantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita, e metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio. Em ambos os casos, a lei reserva um percentual mínimo de vagas para pretos, pardos e indígenas de acordo com a sua representatividade em cada Estado. A demanda pelo ensino superior cresceu intensamente no país nos últimos anos. A oferta de vagas aumentou, porém jovens pobres e negros continuam com baixa representação entre os ingressantes na universidade pública. Essa realidade motivou a instituição da política de cotas, que procura garantir a igualdade de oportunidades entre os jovens. A medida, no entanto, também tem sido alvo de críticas. Entre elas, está o argumento de que os alunos que entram por meio do sistema de cotas não têm nível educacional suficiente e poderiam comprometer a qualidade do ensino. Outras críticas mencionam que a evasão entre cotistas seria superior à de estudantes não cotistas e que esse tipo de intervenção não enfrenta a questão da desigualdade na educação básica, central para o debate.

 O Nexo entrevistou Naércio Menezes, professor titular e coordenador do Centro de Políticas Públicas (CPP) do Insper, professor associado da FEA-USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e colunista do jornal Valor Econômico. O economista desenvolve pesquisas principalmente nas áreas de educação, desigualdade, mercado de trabalho, produtividade, tecnologia e desemprego.

 O sistema de cotas em universidades públicas tal como adotado no Brasil funciona? Por quê? 

NAÉRCIO MENEZES Sim, o sistema funciona bem por vários motivos. Em primeiro lugar, porque o Brasil é um dos países com oportunidades mais desiguais no início da vida. Ou seja, quem teve sorte de nascer em uma família rica tem uma vida bem mais fácil do que quem nasceu em famílias mais pobres. Assim, é mais a sorte e não tanto o mérito que define o sucesso na vida no Brasil. Logo, se os jovens mais pobres conseguem ter um desempenho próximo da nota de corte no vestibular, mesmo apesar de todos os desafios que eles tiveram que enfrentar ao longo da vida, isso significa que esses jovens têm habilidades socioemocionais bem mais elevadas do que os jovens que nasceram em famílias ricas, fizeram cursinho pré-vestibular e ficaram um pouco acima da nota de corte. O esforço e a variação do conhecimento entre os jovens cotistas é maior do que entre os não-cotistas que ficaram logo acima da nota do corte. Assim, promover os jovens que fizeram o ensino médio em escolas públicas por meio das cotas é uma questão de mérito e não de favorecimento.
 De acordo com as evidências empíricas, o desempenho dos cotistas é inferior ao dos não-cotistas? A qualidade dos cursos é prejudicada? A evasão entre cotistas é maior? 

NAÉRCIO MENEZES As evidências mostram que a nota dos cotistas no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) realmente é menor do que a dos não-cotistas (caso contrário as cotas não seriam necessárias), mas essa diferença é bem pequena. É como se todos os jovens estivessem numa fila com os não-cotistas nos primeiro lugares, mas os cotistas ficando logo atrás, a uma distância pequena dos que entrariam no vestibular sem cotas. Como há milhares de jovens negros inteligentes que estudam nas escolas públicas no Brasil, a distância entre eles e os poucos que estudaram nas escolas privadas é pequena. Depois da entrada na universidade, um estudo da UnB [Universidade de Brasília] que seguiu os alunos cotistas e não cotistas nos cursos mais concorridos, como Medicina e Engenharia, mostra que o desempenho dos alunos cotistas é similar ao dos não-cotistas, o mesmo acontecendo com a evasão. Isso acontece porque as habilidades socioemocionais dos alunos cotistas são maiores, o que faz com que eles superem as suas dificuldades de formação.
Quais as consequências do acesso à educação na vida do cotista a médio e longo prazo?

NAÉRCIO MENEZES Estudar numa universidade pública, principalmente nas carreiras mais concorridas, faz toda a diferença na vida de uma pessoa. O diferencial de salário do ensino superior é enorme no Brasil, o desemprego também é menor, além de todo o processo de networking que ocorre quando você estuda com pessoas motivadas e inteligentes ("peer effects"). Além disso, os jovens negros que entram nas universidades públicas geralmente têm uma maior preocupação social e podem servir de exemplo para outros jovens no seu bairro de origem. 
É possível falar também no impacto que esse tipo de política pode ter para o país como um todo? 

NAÉRCIO MENEZES Sim, sem as cotas o país ficaria pior, pois se os jovens cotistas não tivessem entrado na universidade pública eles provavelmente ficariam sem ensino superior, pois não conseguiriam pagar uma universidade particular, ou teriam que ir para uma faculdade de pior qualidade. Assim, esses jovens seriam menos produtivos, e na medida em que eles têm uma habilidade socioemocional maior do que os não-cotistas, o país como um todo perderia produtividade. Além disso, os jovens-não cotistas podem facilmente pagar uma faculdade privada de alta qualidade, pois têm mais recursos financeiros por terem tido a sorte de terem nascido em famílias mais ricas. 
Por que há tanta controvérsia em torno do tema? 

NAÉRCIO MENEZES Em parte porque a elite tenta preservar seus privilégios. Como as cotas diminuem a probabilidade de entrada no ensino superior público dos jovens nascidos em famílias ricas, grande parte dessas famílias, que têm um poder de mobilização muito forte, resistem às cotas. Parte da opinião pública também acha que o que deve valer é apenas o resultado final (no caso a nota no Enem) e não a variação no resultado dadas as condições iniciais. Assim, elas acham que a qualidade do aluno na universidade pública cairia com as cotas. Vale lembrar que a maior parte dos alunos que estudam nos cursos mais concorridos nas universidades públicas fez o ensino básico inteiro em escolas privadas e depois frequentam o ensino superior público sem pagar nada, às custas do Estado. Isso agrava a desigualdade de renda e diminui a mobilidade intergeracional. 
Seus estudos e artigos mencionam a importância das competências socioemocionais para a formação e trajetória dos estudantes. O que são essas competências?

NAÉRCIO MENEZES De forma bastante simplificada, as principais competências socioemocionais são: estar aberto a novas experiências, ter muita perseverança, ser amável com os próximos, não ser neurótico (preocupação excessiva com tudo) e ser consciencioso (preparar-se adequadamente para todos os desafios na vida). 
Quanto nosso sistema público de ensino investe na formação de competências socioemocionais dos alunos? 

NAÉRCIO MENEZES Por enquanto, o sistema público investe pouco na formação dessas competências, não só no Brasil como em vários outros países. Até porque ainda sabemos pouco sobre a mensuração dessas competências, seu desenvolvimento ao longo da vida e como elas podem ser mudadas pelos professores e outros profissionais. Essas competências surgem naturalmente nos jovens cotistas que têm um bom desempenho no vestibular apesar da origem pobre, sem que ninguém as tenha ensinado. O Instituto Ayrton Senna está desenvolvendo um trabalho muito importante para que possamos conhecer mais sobre essas habilidades socioemocionais

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2017/02/23/Uma-avalia%C3%A7%C3%A3o-dos-resultados-do-sistema-de-cotas-nas-universidades-p%C3%BAblicas

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Claudia Costín: Universidades globais, combatendo o risco do isolacionismo


Tsafrir Abayov - 27.jan.2016/Associated Press
Alunos da Universidade de Tel Aviv, em Israel
No elevador da Fundação Getúlio Vargas no Rio, encontro um professor com sotaque de Portugal e nos falamos brevemente, sob o olhar atento de outra professora que me esclarece ser albanesa.
Ao sair, lembrei-me da reunião do Conselho Consultivo da USP, dias antes, quando vi, do prédio da reitoria, um laboratório novo quase pronto, resultante de investimento alemão, nesta que é a melhor universidade do país, ranqueada como a 47ª do mundo em pesquisa científica.
Vivi esse clima também ao atuar como professora visitante em Harvard. Meus alunos eram dos mais variados países, assim como meus colegas professores e pesquisadores.
A universidade deve voltar-se para a promoção de ideias que iluminem a experiência humana e tragam um desenvolvimento mais inclusivo para os países. Para tanto, atrair talentos e ampliar o acesso conta muito.
Garantir, de um lado, que a universidade não ignore as necessidades de seu país e não se limite aos conhecimentos ou reflexões aí presentes. Por outro, ampliar o acesso a seus cursos, assegurando diversidade entre seus alunos.
Nenhum conhecimento é totalmente autóctone; a humanidade sempre teve interações que proporcionaram o avanço das ciências, mesmo que, em muitos casos, isso tenha se associado a formas de dominação. O isolacionismo ou a busca de uma pesquisa "genuinamente nacional" certamente não são respostas a esse risco.
A construção de uma universidade global que contribua com um projeto de nação passa basicamente por três fatores. O primeiro diz respeito à relevância dos currículos para garantir, para além do avanço de diferentes campos de pesquisa, empregabilidade e empreendedorismo para seus egressos.
Outro fator é um sólido controle da qualidade de sua produção e contribuição para a sociedade. O cuidado, nesse caso, é evitar que, em governos não democráticos, o controle de qualidade inclua censura ao labor científico. Há que se garantir liberdade de ensino e pesquisa, sob pena de se perder justamente o que a universidade traz de mais rico.
No entanto, em sociedades democráticas, não cabe à universidade perceber-se só como centro de resistência. As ditaduras levam instituições de ensino superior a se colocar em trincheiras, mas manter-se eternamente entrincheirado mata a possibilidade de dotá-las de um papel mais propositivo.
Finalmente, a universidade deve ser permeável tanto aos interesses da sociedade em que atua quanto aos desafios que o tempo traz para o planeta. Para tanto, ela deve contar com um sistema de governança que não seja autorreferenciado. A universidade não será global vivendo numa torre de marfim! 

23 de fevereiro de 2017

Cartoons on the Politics of Schooling by larrycuban


For this month, I have gathered a bunch of cartoons that get at the fact that schools are political institutions. They are wholly dependent upon taxpayers and voters for resources to operate schools. Thus, parents, lobbyists, civic and business leaders, the courts, media, and community groups push, shove, and caress school board members, district administrators and faculties to cut costs while maintaining academic excellence, and embracing the changes they seek. Furthermore, because schools are political, shifts in government, social, and economic changes inexorably spill over to classroom. Enjoy!
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larrycuban | February 23, 2017

22 de fevereiro de 2017

Roberto Savio: Con Trump termina un ciclo



Por Roberto Savio* 
Roma, Feb. – ¿Podríamos cambiar el debate sobre Donald Trump y no concentrarnos en lo que hace, sino en su importancia histórica? Espero que las siguientes reflexiones sirvan para comprender que el actual presidente de Estados Unidos representa, de hecho, el final de un ciclo estadounidense y que estamos todos en el mismo barco. Se necesitan unas cuantas palabras, pero vale la pena dedicarle cinco minutos más.

Primero, nos guste o no, hemos vivido durante los últimos dos siglos en un mundo en que lo anglo tuvo un papel central. La Pax Britannica se extendió desde principios del siglo XIX, cuando comenzó su imperio colonial, hasta fines de la Segunda Guerra Mundial (1939-1945), cuando fue sustituida por la Pax Americana. Estados Unidos creó lo que se conoce como Occidente, en contraposición con Oriente, mientras Europa se dejaba llevar.

Al final de la Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos fue el principal ganador y el fundador de las instituciones internacionales modernas, desde las Naciones Unidas hasta el Banco Mundial y el Fondo Monetario Internacional (FMI), así como la fuerza detrás de la reconstrucción de Europa con el Plan Marshall, basado en la condición de que los países europeos aceptarían recibir fondos sobre una base europea.

Eso llevó a la creación de la Comunidad Europea del Carbón y del Acero, en 1951, que finalmente dio lugar a la Comunidad Europea, en 1967.

A Estados Unidos, en tanto que ganador, le interesaba crear un orden mundial según sus valores y siempre y cuando él fuera su garante. Así, el foro de las Naciones Unidas se creó con un Consejo de Seguridad en el que pudiera vetar cualquier resolución. El Banco Mundial se creó en función del dólar como divisa mundial, y no con una verdadera moneda internacional, como propuso el gran economista y delegado británico John Maynard Keynes.

Asimismo, la creación de la Organización del Tratado del Atlántico Norte (OTAN), como respuesta a la amenaza de la Unión Soviética, fue una idea exclusivamente de Estados Unidos. Y el léxico de las relaciones internacionales se constituyó principalmente en base a conceptos anglosajones, a menudo de difícil traducción a otros idiomas, como accountability, gender mainstreaming, sustainable development, entre otras. El francés y el alemán desaparecieron como lenguas internacionales.

Además, cierto estilo de vida se volvió el principal producto de exportación estadounidense, desde la música hasta la comida, el cine y la vestimenta, se propagaron por el mundo.

Para reforzar el mito, Estados Unidos se constituyó como modelo de democracia. Lo que era bueno para ese país, debía de serlo para el resto. Además, tenía un destino excepcional, basado en su historia, sus éxitos y su especial relación con Dios. Sus presidentes fueron los únicos que hablaron en nombre de los intereses de su país y en nombre de los de la humanidad y que invocaron a Dios.

Su éxito económico no sería más que la confirmación de ese excepcional destino. Estados Unidos perdió casi medio millón de ciudadanos en Europa y Asia para garantizar un orden mundial estadounidense. Y el “sueño americano”, de que todo el mundo puede volverse rico, era desconocido en el resto del mundo.

Esa fue la primera etapa de Estados Unidos tras la Segunda Guerra Mundial, basada en el multilateralismo, en la cooperación internacional, en el respeto al derecho internacional y el libre comercio, un sistema que aseguraba su centralidad y su supremacía, reforzada por su poder militar.

Pero multilateralismo significa democracia internacional. Las Naciones Unidas, desde su constitución original de 50 países, en 1945, hasta casi 150, en pocas décadas, se convirtió en el foro donde crear la cooperación internacional, basada en los valores de la democracia universal, la justicia social y la participación equitativa.

Y la Asamblea General aprobó por unanimidad en 1973 el primer (y único) plan global de gobernanza, llamado Derechos y Deberes de los Estados, que representaba un plan de acción para reducir las desigualdades del mundo y redistribuir la riqueza y la producción económica. Eso se volvió una camisa de fuerza para Estados Unidos, que se encontró en un foro en el que se tomaban las decisiones por mayoría, y ya no en función de sus propios intereses, como estaba acostumbrado.

Pero con la llegada de Ronald Reagan a la Presidencia, en 1981, la primera etapa basada en el multilateralismo, cambió de forma abrupta.

Reagan concurrió a la Cumbre Económica Norte Sur, en Cancún, donde se reunieron los 22 jefes de Estado más importantes del mundo, incluido el de China, único representante de un país socialista, para debatir la implementación de aquella resolución de la Asamblea General.

El entonces presidente estadounidense, quien se encontró con una entusiasta Margaret Thatcher, destruyó el plan de gobernanza global que avanzaba por buen camino. Vi con consternación cómo, en dos días, el mundo pasó del multilateralismo a la vieja política del poder.

Estados Unidos no aceptó que otros decidieran su destino, y de ahí viene el declive de las Naciones Unidas y la negativa de Washington a suscribir obligaciones y tratados internacionales. El destino excepcional y el sueño americano, fueron reforzados por la retórica de Reagan, quien incluso uso el eslogan: Dios es estadounidense.

Es importante señalar que las grandes potencias estaban felices de salirse de la camisa de fuerza del multilateralismo detrás de Reagan. Su gobierno, aliado del de la primera ministra británica Thatcher, es un ejemplo sin precedentes de cómo destruir los valores y las prácticas de las relaciones internacionales. Y el hecho de que probablemente sea el presidente más popular de la historia moderna de Estados Unidos, muestra la poca importancia que la cooperación internacional tiene para el ciudadano estadounidense medio.

También hay que destacar que durante el gobierno de Reagan, tres acontecimientos importantes y simultáneos dieron una nueva forma a nuestro mundo.

El primero fue la desregulación del sistema financiero encabezado por él en 1982, posteriormente reforzado por Bill Clinton (1993-2001), en 1999, que llevó a la supremacía de las finanzas y cuyos resultados se sienten en la actualidad. Recordemos que Reagan trató también de reducir los costos sociales. Las políticas de George W. Bush (2001-2009) y Trump tienen la marca de su gobierno.

El segundo, fue la creación en 1989 de una visión económica basada en la supremacía del mercado como base de las sociedades y de las relaciones internacionales, el llamado Consejo de Washington. Creado por el Departamento del Tesoro estadounidense, el Banco Mundial y el FMI, el neoliberalismo se introdujo como la doctrina económica indiscutida.

El tercer acontecimiento significativo fue la caída del Muro de Berlín, en 1989, y el final de la amenaza del bloque soviético.

Entonces, el término de “globalización” comenzó su marcha exitosa, y Estados Unidos sería, una vez más, el centro de la gobernanza. Como dijo Reagan en Cancún, Washington basará sus relaciones en el comercio, no en la asistencia.

Su superioridad económica, junto con el control que ejerce sobre las instituciones multilaterales de crédito, lo pondrían una vez más en el centro del mundo, cuando la amenaza soviética había desaparecido. Henry Kissinger lo dijo con claridad: Globalización es el nuevo término para la hegemonía estadounidense.

La segunda etapa tras la Segunda Guerra Mundial se extendió de 1982 hasta la crisis financiera y económica mundial de 2008, cuando la quiebra de bancos estadounidenses, que se propagó por Europa, obligó al sistema a dudar de que el Consenso de Washington fuera una teoría indiscutida.

Las dudas surgieron también a instancias de la creciente movilización de la sociedad civil, el Foro Social Mundial, por ejemplo, se creó en 1981, así como de muchos economistas que hasta entonces habían permanecido básicamente callados. Los especialistas insistieron en que la macroeconomía, el instrumento preferido de la globalización, solo tomaba en cuenta los grandes números.

En cambio, con la microeconomía, se vería la gran desigualdad en la distribución de la riqueza, a no confundir con desarrollo, y que la deslocalización de las empresas y otras medidas que ignoraban el impacto social de la globalización estaban teniendo terribles consecuencias.

Los desastres creados por tres décadas de codicia como principal valor de la nueva economía, saltaron a la vista cuando los datos mostraron una concentración de la riqueza sin precedentes y en unas pocas manos, con muchas víctimas, en especial entre los jóvenes.

Todo eso vino acompañado de dos enormes amenazas: la explosión del terrorismo islámico, generalmente reconocido como resultado de la invasión a Iraq, en 2003, y las migraciones masivas, que siguieron a ese episodio, pero en especial a las intervenciones en Siria y Libia, a partir de 2011. Estados Unidos y la Unión Europa son las únicas responsables de esas migraciones.

Así pasamos de la codicia al miedo: dos motores de cambios históricos, según muchos investigadores.

Finalmente, llegamos a Trump. Gracias a este recorrido histórico, podemos comprender fácilmente que su llegada a la Presidencia es simplemente el resultado de la actual realidad de su país.

La globalización, originalmente un instrumento de la supremacía de Estados Unidos, significó que cualquiera pudiera usar el mercado para competir. Así lo hizo China, el ejemplo más claro, pero también emergieron muchos mercados nuevos, desde América Latina hasta Asia. Y Europa y Estados Unidos están plagados de víctimas de la globalización, a la que perciben como un fenómeno encabezado por la élite, además de considerar que cualquier acuerdo o institución internacional no se interesa por su destino.

No nos olvidemos que con la caída del Muro de Berlín, llegó el fin de las ideologías. La vida política se tornó solo en una competencia administrativa, sin visión ni valores. La corrupción aumentó, la ciudadanía dejó de participar, los partidos se volvieron autoreferenciales, los dirigentes políticos se convirtieron en una casta profesional, las finanzas mundiales y la élite se aislaron en paraísos fiscales y los jóvenes, que no encontraban empleos o estos eran precarios, fueron testigos de que en pocos años se destinaron cuatro billones de dólares a salvar al sistema bancario de su propia mala gestión.

En ese contexto y desde 1989, surgieron partidos populistas, xenófobos y nacionalistas en todos los países y comenzaron a atraer el resentimiento de los excluidos.

La propuesta, en general, fue la de recuperar el ayer, los buenos tiempos y prometer un mejor ayer, en contra de toda ley histórica. Además, en contra de la opinión de los especialistas, llegó Brexit, y después Trump.

Con él, vemos la conclusión de 70 años de Pax Americana y volvemos a una época de nacionalismo y aislamiento de Estados Unidos. A los votantes de Trump les llevará un tiempo darse cuenta de que sus acciones no responden a sus promesas, y de que las medidas que él toma a favor de la élite económica y financiera, no son de su interés.

La cuestión real es si su ideólogo, quien logró que lo eligieran, Stephan Bannon, tendrá tiempo de destruir el mundo que encontraron, si el mundo tendrá tiempo de crear un orden mundial sin Estados Unidos en el centro, y ver cuántos de los valores que construyeron la democracia moderna sobreviven y son la base de la gobernanza global. No se puede construir un nuevo orden mundial sin valores comunes, solo con xenofobia y nacionalismo.

Bannon organiza una nueva alianza internacional de populistas, xenófobos y nacionalistas, con Washington en el centro y con el británico Nigel Farage, los italianos Matteo Salvini y Beppe Grillo, la francesa Marine Le Pen, el holandés Geert Wilders, y otros en Hungría y Polonia, entre otros países, al tiempo que el ruso Vladímir Putin y el turco Recep Tayyip Erdogan contemplando con simpatía el fin de las democracias liberales.

Este año sabremos, tras las elecciones holandesas, francesas y alemanas, cómo le va a la alianza. Y si el gobierno de Trump, más allá de su agenda nacional, logra crear un nuevo orden internacional basado en una democracia no liberal, entre muchas otras consideraciones, tendremos que empezar a preocuparnos porque querrá decir que la guerra no estará muy lejos.

*Periodista italo-argentino. Co-fundador y ex Director General de Inter Press Service (IPS). En los últimos años también fundó Other News, un servicio que proporciona “información que los mercados eliminan”. Other News . En español:http://www.other-news.info/noticias/ En inglés:http://www.other-net.info