RIO - O ano de 2015 chegou ao fim, e o Brasil não cumpriu todos os Objetivos do Milênio. Entre as metas de desenvolvimento socioeconômico e de direitos humanos definidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2000 para os países alcançarem até o ano passado — os chamados oito Objetivos do Milênio —, a igualdade de gênero e o saneamento básico estão entre as principais metas que ainda não teriam sido atingidas pelo Brasil, afirmam pesquisadores ouvidos pelo GLOBO. Segundo relatório da própria ONU de 2014, o país já havia, até aquele ano, alcançado parte do conjunto de metas que compõem os Objetivos: por exemplo, a meta de erradicação da fome; a de universalização da educação primária; a de redução da mortalidade infantil; a de diminuição de incidência de HIV/Aids; e a de realização de parcerias e ações de apoio a países em desenvolvimento.
As metas sobre gênero, no entanto, “estão travadas”, diz Hildete Pereira de Melo, professora de Economia da UFF e uma das referências em pesquisa de relações de gênero no país, ao falar da promoção da igualdade e da autonomia das mulheres, um dos oito Objetivos.
— Ainda não alcançamos igualdade salarial, nem há políticas específicas para preenchimento de postos de comando por mulheres. Mas tivemos um avanço importante, que foi a aprovação e a regulamentação da PEC das Domésticas — diz Hildete, lembrando que o trabalho doméstico tem sido a primeira ocupação das mulheres brasileiras ao longo de toda a História republicana: — Foi assim até o Censo de 2010. Já na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, também do IBGE) de 2013, o trabalho doméstico aparecia como a terceira ocupação, atrás de trabalho comerciário, em primeiro, e de serviços administrativos de Educação e Saúde, em segundo.
LEI ELEITORAL: 30% DE MULHERES
A pesquisadora lembra também um projeto de lei de 2009, de autoria do Executivo e que, destaca ela, “dorme” na Câmara: o projeto traz sanções para empresas que permitam salários diferentes para homens e mulheres que exerçam a mesma função, por exemplo, ou que não tenham políticas para tratar de questões como assédio.
Outro instrumento de igualdade de gênero, mas no mundo da política, a cota de mulheres candidatas para cada partido “não é respeitada, porque tem muito laranja”, diz Hildete, referindo-se à inclusão de mulheres como candidatas apenas para se preencher os 30% que a legislação eleitoral determina como cota mínima de candidatas em cada partido ou coligação:
— Agora criaram um Partido da Mulher Brasileira que praticamente só tem homem.
Segundo a pesquisadora, seria mais fácil de se atingir a redução da mortalidade materna, outra meta dentro dos Objetivos.
— Depende basicamente da execução de uma política de Estado, que é oferecer serviço de pré-natal, parto com assistência adequada, e não de regras do setor privado ou de negociações de partidos. A primeira causa de mortalidade materna são as complicações de cesáreas; a segunda, parto natural sem assistência adequada; e a terceira, complicações pós-aborto. Poderíamos ter melhorado mais também em relação à mortalidade materna; acho que o Brasil comeu mosca nesse ponto.
Já em relação ao saneamento básico — setor que, segundo o relatório da ONU de 2014, seria o único quantificável dentro do Objetivo do qual o saneamento faz parte, que é o de garantia da sustentabilidade ambiental —, o quadro é considerado crítico por Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, organização não governamental que acompanha políticas do setor.
Segundo ele, para o Brasil chegar, por exemplo, a 60% da população com acesso a esgotamento adequado (o que exclui, por exemplo, uso de fossa séptica em área urbana), deve levar mais cinco anos pelo menos, se for mantido o ritmo atual de investimentos na área. Considerando os dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), de 2013 — mais confiáveis do que as informações do Censo, segundo Carlos, pois são dados fornecidos pelas próprias operadoras de água e esgoto, e não pelos moradores no Censo —, atualmente apenas 49% do esgoto gerado no país são coletados de forma adequada.
— O acesso à água (outro item que faz parte dessa meta de sustentabilidade ambiental) teve grande avanço no país, porque é uma obra que dá voto. Esgoto não dá tanto voto. Para universalizar o esgotamento, contando a partir de 2014, o próprio Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico) aponta que devemos levar 20 anos, isso com investimentos de cerca de R$ 15 bilhões por ano. No entanto, quando o ritmo de investimento estava melhor, ali entre 2011 e 2012, conseguimos chegar a R$ 10,7 bi por ano. Então, não vai universalizar nem em 20 anos. E olha que estamos falando da sétima economia do mundo — analisa Édison Carlos.
O presidente do Instituto Trata Brasil ressalta ainda que o percentual de esgoto tratado é ainda menor:
— Do total de esgoto gerado, apenas 39% são tratados.
OBRAS do PAC, DIZ MINISTÉRIO
Procurado pelo GLOBO, o Ministério das Cidades afirmou que atualmente “a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental gerencia uma carteira com mais de 2.900 empreendimentos de saneamento em todo o país, no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). São obras de esgotamento sanitário, abastecimento de água, drenagem urbana, saneamento integrado e manejo de resíduos sólidos, além de planos, estudos e projetos. O valor dessa carteira de investimentos supera os R$ 86 bilhões”.
Segundo o ministério, esses empreendimentos “'contribuem para a ampliação da cobertura dos serviços de saneamento, buscando a universalização do atendimento, como preconiza o Plano Nacional de Saneamento Básico — Plansab, em consonância com as metas do milênio”.
Também procurado, o recém-criado Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e de Direitos Humanos, resultado da fusão das secretarias dessas áreas, informou apenas a realização de ações voltadas para a população LGBT, que, segundo a pasta, também está incluída no campo da igualdade de gênero; mas, até o fechamento desta edição, não informou ações realizadas em relação aos direitos das mulheres.
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