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Dois terços dos jovens trabalham, e conseguir uma fonte de renda é o principal motivo para largar a escola. Para especialista, a questão está ligada ao período econômico e é um indicador da deterioração das condições de emprego
postado em 03/01/2016 14:24
Jéssica Gotlib /Especial para o Correio Brasiliense
Entre continuar estudando ou trabalhar, mesmo que em postos informais, a maior parte dos jovens brasileiros escolhe a segunda opção. É o que mostra o relatório Juventudes na escola, sentidos e buscas: por que frequentam?, desenvolvido pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso) em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI). Foram 8.238 entrevistados de 15 a 29 anos. Cerca de 20% dos jovens abandonaram os estudos, pelo menos uma vez, e o principal motivo alegado foi o trabalho (28%), seguido por questões familiares (20%), gravidez (11%) e não gostar de estudar (7%). Quase 60% dos adolescentes trabalham, e 67% passam, pelo menos, cinco horas por dia no emprego.
A pesquisa traçou um perfil dos estudantes brasileiros a partir de amostras coletadas em 10 cidades de cinco estados, um de cada região do país: Belém e Ananindeua (PA), Salvador e Feira de Santana (BA), Rio de Janeiro e Volta Redonda (RJ), Curitiba e Ponta Grossa (PR), Cuiabá e Rondonópolis (MT). Os resultados foram divididos por modalidade — ensino médio (EM), educação de jovens e adultos (EJA) ou ProJovem urbano (PJU, modelo que integra o ensino fundamental a um curso técnico, em municípios com menos de 200 mil habitantes) — e apontam características e o contexto em que vivem os alunos.
“A pesquisa englobou vários perfis de jovens. A maioria dos que trabalham está na EJA ou no PJU. O ensino médio regular é o mais difícil de conciliar, uma vez que é formulado para alunos que apenas estudam e exige uma carga maior de dedicação em casa”, explica Mary Garcia, PhD em sociologia pela Universidade da Flórida, professora na Universidade Católica de Salvador (UCSAL) e pesquisadora da Flacso. Em geral, os jovens vivem com a família, e muitos complementam a renda da casa, por isso essa estrutura é um fator a ser considerado. “A grande maioria dos entrevistados afirmou que os pais foram contra a decisão de deixar os estudos, mas eles só têm influência na decisão dos filhos até os 13 anos. Lá na frente, os próprios jovens veem que as perspectivas não são boas, e a maioria (de acordo com questionários qualitativos) volta a estudar, sobretudo na EJA”, explica.
E o futuro?
A pesquisa foi feita com base em duas análises principais: a quantitativa, que seguiu dados informados pela amostra de alunos em questionários autoaplicáveis; e a qualitativa, feita com base em 80 grupos focais feitos nas escolas dos municípios selecionados. Para realizar esta segunda etapa, foram 150 horas de entrevistas gravadas e transcritas. “A análise qualitativa é importante, porque nela aparecem dados que não estão nos números. Percebemos, por exemplo, como a figura do professor é importante para os alunos e que eles estão muito preocupados com o futuro”, afirma Miriam Abramovay, coordenadora de Estudos sobre Juventude e Políticas Públicas da Flacso e membro do Núcleo de Pesquisas e Estudos sobre Juventudes, Identidades, Culturas e Cidadanias da Universidade Católica de Salvador e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (NPEJI/UCSAL/CNPq).
A partir dos grupos focais, os pesquisadores concluíram que o ensino superior é um desejo para boa parte dos entrevistados. “Muitos expressam o vir a fazer uma faculdade como uma espécie de sonho com raízes aéreas, ou seja, sem indicar como conseguirão; outros se dão conta de que, com maior probabilidade, tal sonho não se realizará (…) Alguns reconhecem que é um desejo que vai exigir sacrifícios, em particular o de combinar estudo e trabalho (…) É possível notar que os campos estudo e trabalho têm complexa relação e podem colaborar mutuamente. Entretanto, como mais se analisa em outra parte, a vontade de estudar pode dar vez ao trabalho, já que ele se torna uma necessidade imediata”, indica o relatório.
A pesquisa traçou um perfil dos estudantes brasileiros a partir de amostras coletadas em 10 cidades de cinco estados, um de cada região do país: Belém e Ananindeua (PA), Salvador e Feira de Santana (BA), Rio de Janeiro e Volta Redonda (RJ), Curitiba e Ponta Grossa (PR), Cuiabá e Rondonópolis (MT). Os resultados foram divididos por modalidade — ensino médio (EM), educação de jovens e adultos (EJA) ou ProJovem urbano (PJU, modelo que integra o ensino fundamental a um curso técnico, em municípios com menos de 200 mil habitantes) — e apontam características e o contexto em que vivem os alunos.
“A pesquisa englobou vários perfis de jovens. A maioria dos que trabalham está na EJA ou no PJU. O ensino médio regular é o mais difícil de conciliar, uma vez que é formulado para alunos que apenas estudam e exige uma carga maior de dedicação em casa”, explica Mary Garcia, PhD em sociologia pela Universidade da Flórida, professora na Universidade Católica de Salvador (UCSAL) e pesquisadora da Flacso. Em geral, os jovens vivem com a família, e muitos complementam a renda da casa, por isso essa estrutura é um fator a ser considerado. “A grande maioria dos entrevistados afirmou que os pais foram contra a decisão de deixar os estudos, mas eles só têm influência na decisão dos filhos até os 13 anos. Lá na frente, os próprios jovens veem que as perspectivas não são boas, e a maioria (de acordo com questionários qualitativos) volta a estudar, sobretudo na EJA”, explica.
E o futuro?
A pesquisa foi feita com base em duas análises principais: a quantitativa, que seguiu dados informados pela amostra de alunos em questionários autoaplicáveis; e a qualitativa, feita com base em 80 grupos focais feitos nas escolas dos municípios selecionados. Para realizar esta segunda etapa, foram 150 horas de entrevistas gravadas e transcritas. “A análise qualitativa é importante, porque nela aparecem dados que não estão nos números. Percebemos, por exemplo, como a figura do professor é importante para os alunos e que eles estão muito preocupados com o futuro”, afirma Miriam Abramovay, coordenadora de Estudos sobre Juventude e Políticas Públicas da Flacso e membro do Núcleo de Pesquisas e Estudos sobre Juventudes, Identidades, Culturas e Cidadanias da Universidade Católica de Salvador e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (NPEJI/UCSAL/CNPq).
A partir dos grupos focais, os pesquisadores concluíram que o ensino superior é um desejo para boa parte dos entrevistados. “Muitos expressam o vir a fazer uma faculdade como uma espécie de sonho com raízes aéreas, ou seja, sem indicar como conseguirão; outros se dão conta de que, com maior probabilidade, tal sonho não se realizará (…) Alguns reconhecem que é um desejo que vai exigir sacrifícios, em particular o de combinar estudo e trabalho (…) É possível notar que os campos estudo e trabalho têm complexa relação e podem colaborar mutuamente. Entretanto, como mais se analisa em outra parte, a vontade de estudar pode dar vez ao trabalho, já que ele se torna uma necessidade imediata”, indica o relatório.
“Não é o que eu quero fazer para sempre”
Bruno Oliveira, 18 anos, não chegou ao ensino médio e trabalha em um quiosque de lanches na W3 Sul, sem carteira assinada. Ele cursava o 7º ano do ensino fundamental quando decidiu abandonar os estudos. “Eu tinha muitas dificuldades na escola e queria melhorar as condições financeiras da minha família. Apareceu um trabalho, e achei que era melhor deixar para depois. Meus pais foram contra, mas não escutei. Estou aqui há quase um ano, só que não é o que eu quero fazer para sempre. Em 2016, penso em terminar os estudos para conseguir algo melhor”, conta.
Bruno Oliveira, 18 anos, não chegou ao ensino médio e trabalha em um quiosque de lanches na W3 Sul, sem carteira assinada. Ele cursava o 7º ano do ensino fundamental quando decidiu abandonar os estudos. “Eu tinha muitas dificuldades na escola e queria melhorar as condições financeiras da minha família. Apareceu um trabalho, e achei que era melhor deixar para depois. Meus pais foram contra, mas não escutei. Estou aqui há quase um ano, só que não é o que eu quero fazer para sempre. Em 2016, penso em terminar os estudos para conseguir algo melhor”, conta.
Diploma adiado
A piauiense Camila Araújo, 21 anos, trabalha como vendedora numa loja de roupas, com carteira assinada, há um ano. Dos 14 aos 20, atuou como diarista e, aos 18, largou a escola. “Era muito cansativo. Chegava em casa e não tinha vontade de estudar. Além disso, eu me mudei para Brasília naquele ano e não tive tempo de procurar escola, fui logo atrás de emprego”, lembra. Em 2014, Camila entrou para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e, finalmente, recebeu o diploma. “Alguns empregos exigem o ensino médio completo, por isso resolvi terminar.”
A piauiense Camila Araújo, 21 anos, trabalha como vendedora numa loja de roupas, com carteira assinada, há um ano. Dos 14 aos 20, atuou como diarista e, aos 18, largou a escola. “Era muito cansativo. Chegava em casa e não tinha vontade de estudar. Além disso, eu me mudei para Brasília naquele ano e não tive tempo de procurar escola, fui logo atrás de emprego”, lembra. Em 2014, Camila entrou para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e, finalmente, recebeu o diploma. “Alguns empregos exigem o ensino médio completo, por isso resolvi terminar.”
Retorno aos estudoDepois de passar dois anos sem estudar enquanto trabalhava como menor aprendiz, Elizael Júnior, 21, voltou aos bancos escolares por meio do EJA e concluiu o ensino médio no primeiro semestre de 2015. “Sempre conseguia trabalho, mesmo sem ter terminado o ensino médio. Depois dos 18 anos, foi ficando cada vez mais difícil: a maioria das vagas com carteira assinada era para quem tinha o segundo grau completo. Aí resolvi voltar”, revela. Há seis meses, ele arranjou uma colocação formal como vendedor em uma loja de utilidades no Setor Comercial Sul.
“Falta coragem”
Para Maria Lucélia Ferreira, 22, o certificado de ensino médio ainda é um sonho. Ela trabalha em uma loja de artigos femininos no Setor Comercial Sul e parou de estudar no 2º ano do ensino médio, aos 17 anos. “Eu me mudei do Piauí para Brasília em 2011, com meu irmão. Assim que cheguei, arrumei uma vaga informal como babá, na qual fiquei por mais de um ano. Há três, estou aqui na loja. Tenho vontade de voltar à escola, mas, ao mesmo tempo, falta coragem. É muito cansativo trabalhar e estudar. Quando chego em casa, só penso mesmo em descansar”, confessa.
Para Maria Lucélia Ferreira, 22, o certificado de ensino médio ainda é um sonho. Ela trabalha em uma loja de artigos femininos no Setor Comercial Sul e parou de estudar no 2º ano do ensino médio, aos 17 anos. “Eu me mudei do Piauí para Brasília em 2011, com meu irmão. Assim que cheguei, arrumei uma vaga informal como babá, na qual fiquei por mais de um ano. Há três, estou aqui na loja. Tenho vontade de voltar à escola, mas, ao mesmo tempo, falta coragem. É muito cansativo trabalhar e estudar. Quando chego em casa, só penso mesmo em descansar”, confessa.
Dados sobre os jovens pesquisados
Número de vezes que pararam de estudar
Nenhuma: 80,3%
Ao menos uma vez: 19,7%
Abandonaram os estudos para trabalhar
20,9% (mulheres) | 36,6% (homens)
Abandonaram os estudos por gravidez
18,1% (mulheres) | 1,3% (homens)
Entre os que trabalham
Empregados, sem carteira assinada
44,80%
Empregados, com carteira assinada
34,90%
Jornada de trabalho
De 4 a 7 horas: 64,3% e 8 horas ou mais: 35,7%
Só estudam e nunca trabalharam
41,30%
Estudam e trabalham
32,10%
Fonte: relatório Juventudes na escola, sentidos e buscas: por que frequentam?
Nenhuma: 80,3%
Ao menos uma vez: 19,7%
Abandonaram os estudos para trabalhar
20,9% (mulheres) | 36,6% (homens)
Abandonaram os estudos por gravidez
18,1% (mulheres) | 1,3% (homens)
Entre os que trabalham
Empregados, sem carteira assinada
44,80%
Empregados, com carteira assinada
34,90%
Jornada de trabalho
De 4 a 7 horas: 64,3% e 8 horas ou mais: 35,7%
Só estudam e nunca trabalharam
41,30%
Estudam e trabalham
32,10%
Fonte: relatório Juventudes na escola, sentidos e buscas: por que frequentam?
Mercado desfavorável
A entrada de uma juventude ainda sem formação completa no mercado de trabalho é um reflexo da deterioração dos empregos que ocorre a partir das oscilações da economia, explica Ricardo Antunes, professor titular de sociologia do trabalho no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp/IFHC). “Nós dizemos que, quanto mais se qualificar, melhor emprego a pessoa conseguirá, mas isso não é verdade, porque tudo depende do contexto da economia — tanto nacional quanto internacional. É claro que o jovem tem que estudar o máximo que puder. Contudo, isso não garante uma boa vaga. Até o acesso ao conhecimento de qualidade, no caso dos mais pobres, depende do momento econômico”, afirma.
Para o professor, o contexto atual gera um ciclo: a renda das famílias cai, o jovem sente a necessidade de trabalhar, abandona os estudos, entra no mercado em empregos ruins e sem garantias trabalhistas. Ao mesmo tempo, sobe o número de pessoas procurando trabalho, o que impulsiona os índices de desemprego e faz com que o cenário econômico se torne ainda mais pessimista, o que impacta negativamente o salário e as condições de trabalho. “É preciso considerar que o Brasil passa por um período de recessão aliado a uma crise política e que o mundo está mergulhado em problemas econômicos desde 2008. O que está acontecendo aqui aconteceu na Europa há poucos anos. Jovens ficando desempregados ou aceitando subempregos, mesmo com qualificações altíssimas... Foi esse o motivo das revoltas na França, na Espanha e em Portugal”, descreve.
Segundo Antunes, o cenário nacional é o pior possível. “Se, de 2002 até 2014, criamos 200 milhões de empregos; apenas em 2015, perdemos 1 milhão e muitos milhares de postos de trabalho. Na melhor das hipóteses, empresas demitem funcionários e os substituem por estagiários. Quando isso não é possível, sobram postos ainda piores no setor informal, ou como terceirizados”, informa.
O olhar para a formação
Uma das saídas para quebrar esse ciclo negativo é repensar o papel da escola, indica a socióloga e pesquisadora Miriam Abramovay. “A sociedade tem uma visão muito negativa da juventude, mas o que encontramos em campo foi o oposto. Esses jovens estão preocupados com o futuro, dão valor aos estudos, mas a escola não atende às necessidades deles. Quando perguntamos o que é importante na vida deles, a maioria diz que é ter uma boa profissão”, observa. Segundo a pesquisadora, agora é preciso entender como o ambiente escolar pode se adaptar para contribuir com o crescimento dos jovens — não só do ponto de vista acadêmico, mas também social e profissional. “O professor é uma figura fundamental nesse processo. Aquele que consegue ir além do conteúdo e estabelecer um bom relacionamento interpessoal com os estudantes pode colaborar muito mais para o futuro deles”, assegura.
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