15/03/2016 Folha de S.Paulo
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Não há o que comemorar quando o assunto é regulação de armas na América do Sul. Três dos maiores países da região -Brasil, Colômbia e Venezuela- concentram uma em cada cinco mortes por armas de fogo no planeta. A região precisa, mais do nunca, adotar uma legislação responsável sobre as armas.
Apesar dos custos sociais e econômicos inaceitáveis das dezenas de milhares de mortes por ano, estimados em R$ 133 bilhões por ano somente no Brasil (ou 2,5% do PIB), muitas vezes aceitamos essa calamidade como algo inevitável. Mas não é. A redução da violência por armas de fogo precisa ser uma prioridade na agenda de segurança pública nos países sul-americanos.
A redução do número de armas em circulação e a regulação do comércio, da posse e do porte de armas e munições são fundamentais para a queda dos estoques desviados da legalidade para o crime.
A regulação responsável também impacta diretamente a dinâmica dos chamados homicídios por motivos fúteis, nos quais a disponibilidade de uma arma é decisiva para que o conflito tenha um desfecho trágico.
No Mercosul, o tema da regulação de armas e munições deu origem à Declaração de Buenos Aires sobre o Desarmamento da Sociedade Civil, de 2012.
Reconhecendo que as armas são fatores de risco para o aumento da violência, os signatários da declaração apontaram para a necessidade de produção e intercâmbio de dados e informações. Também julgaram fundamental fortalecer a articulação com as organizações da sociedade civil e os meios de comunicação.
Nenhum país é mais atingido pelo uso de armas de fogo do que o Brasil. São mais de 47 mil vítimas todos os anos, que custam R$ 5 bilhões anualmente ao SUS. Diante dessa tragédia, faz todo o sentido que o país tenha liderado, na 36ª Reunião dos Ministros do Interior do Mercosul (2015), a proposta de criação do Dia Sul-Americano do Desarmamento Voluntário, cuja primeira celebração ocorre nesta terça (15).
A data poderia certamente servir como um momento estratégico para impulsionar uma série de ações no país, incluindo o lançamento de um pacto nacional pela redução de homicídios, a melhoria e a integração dos sistemas de controle de armas, a destruição de armas acauteladas e a retomada das campanhas de entrega voluntária.
Infelizmente, em meio a outras prioridades e impasses do cenário político atual, é muito provável que este primeiro Dia Sul-Americano do Desarmamento passe em branco.
Enquanto sociedade, porém, não podemos mais permitir que a hesitação de nossos governos seja confundida com uma suposta normalidade e inevitabilidade da violência.
A população precisa encarar os fatos friamente. Nosso país, campeão de homicídios do planeta, precisa assumir a liderança. É urgente elaborar um novo pacto social que valorize a vida, todas as vidas, e coloque a regulação de armas em uma posição no centro da pauta. Essa iniciativa precisa vir de nosso recurso mais valioso: nós mesmos, indivíduos que transformam as sociedades do Brasil e da América do Sul.
ILONA SZABÓ, 37, mestre em estudos de conflito e paz pela Universidade de Uppsala, na Suécia, é diretora-executiva do Instituto Igarapé, especializado em segurança e desenvolvimento
MICHELE RAMOS, 31, mestre em segurança internacional pela Sciences Po (Instituto de Estudos Políticos de Paris), é pesquisadora do Instituto Igarapé
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