15 de julho de 2016
Fonte: O Globo (RJ)
Aumenta a consciência sobre a importância da Educação para crianças de 0 a 3 anos e multiplicam-se pelo país experiências bem-sucedidas. A desigualdade social sempre empurra o Brasil para a posição de lanterninha nos rankings de desenvolvimento social. No ‘país do futuro’, a Educação infantil deveria ser alvo por excelência de políticas de promoção de equidade, mas sua má qualidade, principalmente para os filhos das famílias mais vulneráveis, foi o problema mais citado no Seminário Educação 360 Educação infantil, o que acaba por aprofundar o abismo social no país em vez de atenuá-lo.
Os debates em torno da Educação infantil atraíram centenas de educadores e pessoas interessadas no tema no auditório do Museu do Amanhã. Chefe da Divisão de Educação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Emiliana Vegas ressalta que a timidez dos gastos com Educação infantil é comum entre países da América Latina, que investem, em media, só 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) nesta área, quatro vezes menos do que as nações de alto desenvolvimento (1,7%).
Ex-secretária municipal de Educação do Rio, Cláudia Costin (veja pág. 4) defendeu a integração das áreas da Educação, saúde e assistência social, observada em outros países, como bom exemplo para o Brasil melhorar sua Educação infantil, além de espaços adequados com equipamentos pedagógicos associados ao currículo.
— A maior lacuna é a qualidade, extremamente baixa. Só 10% das crianças têm desempenho Escolar adequado, e apenas 3%, bom ou excelente. Os insumos principais da Educação infantil, com impacto na fase adulta, são nutrição, afeto/cuidado e estímulo cognitivo — disse, ressaltando que o Brasil reduziu a desnutrição e a mortalidade infantil de forma acelerada desde a metade do século passado.
Observar experiências internacionais é o trabalho dela. Um exemplo foi uma ação bem-sucedida na Jamaica, baseado num programa de 20 anos de visitas semanais de agentes comunitários, que melhorou o desempenho de uma geração inteira em Matemática, elevou a média salarial em 25% e reduziu homicídios. Na Colômbia, ela viu resultados pífios da construção de Creches caras (U$ 1 milhão cada), com custo operacional três vezes superior ao das Escolas convencionais, e o sucesso de um projeto bem menos vistoso, que treinou Educadores comunitárias.
O esforço para elevar a qualidade da Educação infantil, acelerando o combate à desigualdade social, segundo Emiliana, inclui quatro grandes passos: recrutar os melhores Professores dos concursos, formar os atuais, remunerá-los de acordo com o desempenho em sala de aula e, no limite, demitir os menos capacitados, como acontece nas Escolas particulares. No Brasil, a receita esbarraria nas leis de proteção dos direitos dos servidores. Mas nada impede a adoção de ferramentas de avaliação de qualidade, outra medida importante.
— Uma forma de medir a qualidade é gravar as aulas com câmeras e usar o material para ver se as crianças estão engajadas, confortáveis no contato com o Professor. A promoção da primeira infância deve ser o centro da estratégia de desenvolvimento de qualquer país — defendeu.
Daniel Santos, doutor em Economia da USP, com experiência em Economia da Educação, também acha que a porta do futuro para as crianças mais vulneráveis está trancada pela baixa qualidade da Educação que recebem. Em muitos países, a Educação infantil beneficia os mais pobres, mas aqui é o contrário. Estudos apontam que, no Brasil, uma Creche de má qualidade “pode fazer mal às crianças” e ampliar a desigualdade.
— A Pré-Escola melhorou, mas as Creches não. Nelas pode haver uma relação afetuosa, no sentido amoroso, mas quando o Professor não sabe responder à curiosidade da criança, ela bate em uma parede de gelo, o que gera desestímulo. A capacidade de interação do Professor com a criança tem impacto efetivo na sua formação, mas infelizmente a questão não é prioridade nos cursos de Pedagogia — critica Daniel.
As famílias precisam ter boas informações para cobrar qualidade das Creches, em vez de observar apenas se o filho volta limpo, alimentado e se brigou ou não com os coleguinhas. Sozinha, segundo Daniel, “a Escola não faz milagre”. No mundo todo, pesquisas comprovam que o potencial da Escola aumenta com a confiança dos pais no Educador.
— É preciso trazer o tema da qualidade para o centro do debate, pois falta informação. O problema está na baixa qualidade das Creches a que os pobres têm acesso — afirmou.
O avanço da consciência da importância de uma Educação infantil de qualidade multiplica experiências inovadoras e corajosas pelo país. Algumas das mais emblemáticas foram reunidas no seminário para apontar caminhos de políticas públicas que acelerem mudanças e garantam acesso com qualidade a quem mais precisa.
— Educar custa caro, porque exige bons Professores, o que significa também pagar bons salários.
As melhores experiências comprovam a importância da cooperação entre agentes públicos. Foi o que garantiu sucesso ao Programa de Alfabetização na Idade Certa no Ceará, que de 2007 a 2011 ampliou de cinco para 179 o número de municípios com índice desejável de Alfabetização de crianças. Criado no município de Sobral, o programa virou experiência inédita de colaboração entre estado e municípios e acabou adotado pelo governo federal. O segredo, como sempre, foi uma receita simples: cooperação técnica acima de divergências políticas, material didático, formação, estímulo à participação das famílias e sistema de avaliação permanente.
— No Brasil, estamos acostumados ao pessimismo de que não dá para fazer as coisas. Dá, sim. O primeiro passo é romper com a inércia e compreender a importância da Educação infantil. De 0 a 3 anos é que se tem experiências para saber se pode confiar em gente — ensina o ex-secretário de Educação de Sobral e do Ceará, Maurício Holanda.
A mesma simplicidade foi adotada em Serrinha, na Bahia, conhecido pela tragédia dos mutilados na produção do sisal. Em 2009, das 24 Creches só dez funcionavam. Evasão Escolar era tradição. Uma firme e comovente campanha para mudar a cultura, com adequação dos espaços e agentes entoando o refrão “Fora da Escola não pode”, do UNICEF, ampliou a rede para 67 unidades, 53 na zona rural.
A inspiração de Gelcivânia Mota, secretária de Educação de Serrinha, veio de uma passagem em que Alice, no País das Maravilhas, pergunta ao coelho: “qual é o caminho?”
— O coelho responde: ‘Não sei para onde você quer ir’. A nossa rede encontrou o caminho porque sabíamos o que queríamos construir: uma política de Estado e não de governo. O único caminho que resta a Serrinha é aprimorar, cada vez mais, a Educação infantil — ensina.
Boa Vista, menor e mais pobre capital do Brasil, fez uma pequena revolução na Educação infantil. A cidade tem 66% da população em situação de pobreza, sem acesso aos serviços públicos básicos. Mesmo assim, a Prefeitura decidiu colocar a Educação infantil no centro das prioridades e concentrou gastos em apoio total a gestantes e no desenvolvimento de crianças de 0 a 4 anos, com visitas de Educadores e médicos a 100% dos domicílios.
— Formamos uma geração sem medo de enfrentar a vida e seremos a capital da Educação infantil. Nosso foco é na formação do Professor, na mudança de comportamento, de conceito e de cultura. Já temos resultados incríveis na Saúde, na área social, mas sabemos que a medição para valer é a longo prazo, daqui a 15 ou 20 anos — explica a prefeita Teresa Surita.
A evasão Escolar é um dos maiores problemas do sistema educacional brasileiro. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (Pnad 2014), do IBGE, 3,25 milhões de crianças e adolescentes estão fora das Escolas no Brasil. Deste total, 954 mil têm entre 4 e 5 anos, e quase 1,7 milhão têm entre 15 e 17 anos. As crianças mais afetadas são as negras ou índias, com deficiência, que vivem em zonas rurais e cujas famílias são de baixa renda. Os dados foram apresentados no seminário pela oficial de Educação do UNICEF no Brasil, Júlia Ribeiro.
— Os números mostram que temos 7% do total de crianças e adolescentes brasileiros fora das Escolas, o que corresponde a quase a população inteira do Uruguai. Isso é relevante. A Educação infantil é a única etapa que não temos como retornar ou refazer. Uma criança fora das salas de aula não recupera nem vivencia essa fase em nenhum outro momento da vida — ressaltou.
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