Mais do que senso comum, a laicidade do Estado é um princípio assegurado pela Constituição brasileira. É uma proposição consagrada nos países que se pautam pelo respeito a enunciados do Estado Democrático de Direito. Professar uma religião é algo de foro íntimo (e vale o escrito também para o seu contrário, a opção do cidadão pelo ateísmo).
Assim como não se pode obrigar alguém a aceitar a catequese, muito menos é defensável que, tendo enveredado por esse caminho enviesado, qualquer organismo público dele se valha para impor uma determinada linha de pensamento religioso. Esse o cuidado que o legislador procurou marcar na Carta de 1988, e ao qual o poder público, por seus órgãos, deve obediência.
Da mesma forma, o pressuposto da autodeterminação do indivíduo deve ser obedecido na Educação. Assim como o respeito constitucional à cidadania, no que tange à fé religiosa (ou à sua negação) implica obrigatoriamente a dissociação entre Deus e Cesar, a escola, por princípio, também precisa estar livre da contaminação ideológica de qualquer matiz. As salas de aula são um território do livre pensar, e como tal não podem ficar condicionadas a dogmas, a limitações do conhecimento plural.
Tal circunstância, no entanto, parece distante da realidade educacional de um país em que o ensino tem se deixado influenciar pelo sectarismo ideológico que faz do debate do que seria uma escola democrática, neutra, um pernicioso exercício de proselitismo. Se de um lado há aqueles que professam uma doutrinação em que se relativizam valores absolutos (como a democracia, por exemplo), de outro se juntam grupos que aplicam o relativismo ao conceito, também absoluto, do conhecimento, que não pode ser limitado por ideias dogmáticas, monasticismos ou qualquer outro valor que reduza o seu alcance.
Neste último aspecto, é preocupante a mobilização, em especial ao nível do Legislativo de todo o país, em torno de projetos como o Escola Sem Partido, que visam, explicitamente ou não, a tolher o professor (e consequentemente reduzir o universo cultural do aluno) no seu papel de fazer das salas de aula um espaço de ampliação do saber. Isso pressupõe dar ao estudante o direito de formar a própria opinião, sem lhe negar o acesso às ideias de pensadores importantes na grande aventura de apreender a história da formação humana — seja na obra de Marx ou Adam Smith, na de historiadores como Hobsbawm ou de filósofos como Heidegger.
Nessa linha, há até propostas, risíveis, para tipificar em lei o “crime” de doutrinar alunos em sala de aula. Impor um índex às escolas é perigoso fator de inibição do conhecimento. Combater essa linha de pensamento é tão necessário para a democracia — inclusive no que respeita ao direito do aluno à opção (ideológica, política, cultural, de credo etc.), para tanto lhe fornecendo, de forma neutra, elementos de todos os espectros do pensamento — quanto pugnar contra a pregação que procura lhe empurrar valores (políticos, comportamentais, culturais) monocromáticos. Educação livre não comporta totalitarismos.
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