Editorial Estado de S.Paulo, 18/2/17
É consensual entre os meios político e acadêmico o diagnóstico segundo o qual o grande salto civilizatório a ser dado pelo País passa, necessariamente, por uma profunda reforma da educação
Os dados do Censo Escolar 2016, divulgados recentemente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), revelaram que o País ainda está longe de cumprir o preceito constitucional que manda universalizar a oferta de educação básica, pública e gratuita, para crianças e adolescentes dos 4 aos 17 anos de idade. O levantamento feito pelo Inep mostrou que 2,8 milhões de brasileiros nesta faixa etária estavam fora da escola em 2015, número que equivale à população do Distrito Federal. O resultado apresenta uma melhora ínfima em relação a 2014, quando 3 milhões de jovens não tiveram acesso à educação.
Além do contingente de brasileiros que estão fora das salas de aula, o novo Censo Escolar trouxe outro dado preocupante. Em 2016, houve queda de 46% das matrículas no ensino fundamental – do 1.º ao 9.º ano – em período integral. Em 2015, o número de matriculados para esta carga horária (7 horas por dia) era de 4,6 milhões de alunos, contra os 2,4 milhões apurados no ano passado. A inflexão preocupa porque a ampliação da oferta de vagas em período integral – tanto no ensino fundamental como no ensino médio – é justamente uma das metas mais ambiciosas do governo federal para a área de educação.
De acordo com o Plano Nacional de Educação (PNE), até 2024, 25% das matrículas devem ser destinadas para vagas de ensino integral, a serem ofertadas por 50% das escolas da rede pública. No ano passado, apenas 10,5% das matrículas foram feitas para os cursos em horário integral, um porcentual menor do que o registrado em 2015 (19,4%).
A ampliação das vagas de ensino integral na rede pública também é um dos avanços esperados pela reforma do ensino médio, recém-sancionada pelo presidente Michel Temer. O dado alvissareiro é que, ao contrário do que ocorreu no ensino fundamental, o Censo Escolar revelou melhora nessa faixa. Em 2016, cresceram em 8,8% as matrículas em tempo integral na rede pública de ensino médio. Na rede particular também houve incremento, ainda que mais discreto (5,6%). Especialistas ouvidos pelo Estado atribuem o crescimento das matrículas em horário integral no ensino médio à prioridade que os governos estaduais deram a essa faixa nas dotações orçamentárias. “Está ocorrendo com maior intensidade uma municipalização desse etapa do fundamental, o que provoca um desequilíbrio financeiro nas prefeituras, que consequentemente não conseguem mais garantir a oferta de tempo integral. Por outro lado, os Estados têm mais capacidade para investir no ensino médio. O efeito é ruim, porque não adianta só pensar na etapa final”, disse Carlos Eduardo Chagas, consultor da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
Além da crise econômica que levou Estados e municípios a cortar investimentos – sobretudo em lprogbramas que os governantes classificam como “excesso”, como a integralidade do ensino – outra causa d a expressiva redução do número de matrículas no ensino fundamental em período integral foi o abandono do programa Mais Educação, principal iniciativa do Ministério da Educação para fomentar o aumento da carga horária escolar. Criado em 2007, durante o governo do ex-presidente Lula da Silva, o programa tinha como objetivo auxiliar financeiramente os Estados e municípios a ampliarem a jornada escolar para 7 horas por dia. Em 2014, na gestão de Dilma Rousseff, os repasses começaram a sofrer atrasos, até que em 2015 – ápice da crise que levou ao impeachment da ex-presidente – o programa Mais Educação foi abandonado.
É consensual entre os meios político e acadêmico o diagnóstico segundo o qual o grande salto civilizatório a ser dado pelo País passa, necessariamente, por uma profunda reforma da educação, desde a revisão e modernização da grade curricular até maciços investimentos na formação e valorização dos professores. Com a reforma do ensino médio, o primeiro passo foi dado. Cabe agora a mesma atenção ao ensino fundamental.
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