28 de agosto de 2015

VLADIMIR SAFATLE Não quero falar sobre gêneroVLADIMIR SAFATLE Não quero falar sobre gênero


'Acho que os gays são pervertidos e quero fazer meu filho achar isso. Por que o Estado me impediria?'
"Não quero que a escola trate de assuntos relacionados a comportamento sexual, religião ou política. Quero o Estado longe, tenho o direito de ensinar meus valores a meus filhos. Chega de doutrinação."
Esse é um comentário que apareceu abaixo de uma notícia na internet sobre a decisão "iluminista" e "corajosa" do prefeito de São Paulo de não vetar o Plano Municipal de Educação, que exclui menção explícita à importância de ensinar questões de gênero e respeito à diversidade sexual.
Tais afirmações podem inicialmente parecer ter alguma sensatez. Afinal, o que essa pessoa estaria a dizer é que o Estado não deveria impor valores a seus filhos. Ao contrário, ele deveria respeitar as diferenças de valores que existem nas famílias. Não seria possível aceitar "doutrinações" monolíticas que visariam a impedir os indivíduos de defender aquilo em que acreditam.
Sim, tais afirmações podem parecer sensatas, mas só para aqueles acostumados ao caráter distorcido e farsesco do liberalismo brasileiro, o mesmo liberalismo que outrora se esmerou em usar o discurso dos "valores esclarecidos liberais" para justificar sociedade escravocrata e golpe de Estado.
Poderíamos sintetizar o argumento acima da seguinte forma: "Não quero o Estado dizendo para meu filho que ele deve respeitar homossexuais e travestis e parar de vê-los, de uma vez por todas, como portadores de alguma forma de doença ou perversão. Quero continuar a educar meus filhos da maneira que achar melhor, mesmo que 'educar', nesse contexto, signifique 'internalizar preconceitos'. Acho que homossexuais são pervertidos e quero continuar a fazer meu filho acreditar nisso. Por que o Estado me impediria?". Bem, talvez porque seja atribuição maior do Estado proteger parcelas vulneráveis da sociedade de uma violência arraigada e recorrente vinda de outros setores da população.
Estamos falando de um país, como o Brasil, que lidera rankings internacionais de assassinato de homossexuais e travestis por motivações homofóbicas e transfóbicas.
Uma das razões para isso é, certamente, que há muita gente que compreende preconceito e violência como "liberdade de opinião", ou respeito à diversidade e indiferença à diferença como "doutrinação".
No entanto, há de se lembrar que a democracia não respeita os "valores da família" quando tais "valores" são, na verdade, máscaras para perpetuar práticas de exclusão e desigualdade. Ela não os respeita quando famílias são racistas, antissemitas, islamofóbicas e homofóbicas. A democracia não é neutra do ponto de vista da enunciação de valores. Ela tem um valor que toda e qualquer família deve entender. Ele se chama "igualdade". O que uma criança e um adolescente aprendem quando uma escola ensina gênero é a prática efetiva da igualdade.
Há ainda um ponto que explica muito da histeria de certos setores da população brasileira a respeito de questões de gênero. O Brasil gosta de ter uma imagem de si mesmo como um país tranquilo e permissivo, mesmo enquanto pratica as piores violências contra grupos minoritários.
Essa imagem parte do pressuposto de que você pode agir de forma singular desde que não se faça muito alarde, ou seja, desde que não quebre o pacto da invisibilidade, pois é assim que o poder impõe suas normas, a saber, decidindo o que pode ser visível, o que pode ser visto.
Todo poder é uma decisão sobre o que pode ser visto e o que deve ser aceito apenas em silêncio. Nesse sentido, o que tais práticas escolares fazem é quebrar o pacto de silêncio e invisibilidade que perpetua as piores sujeições.
Mas é verdade que questões de gênero não precisam lidar apenas com o estranhamento de alguns a respeito da extensão da igualdade como valor. Há também algo a mais, que toca o cerne do edifício ideológico de nossas sociedades, porque, a partir do momento em que se afirma que gêneros não são meros decalques da diferença binária da anatomia dos sexos, que a anatomia não é o destino, há algo que parece entrar em abalo profundo.
Ninguém está a dizer a proposição delirante de que a diferença sexual não existiria. O que se está a dizer é algo ainda mais forte, a saber, que a diferença sexual não tem nenhum sentido que lhe seja natural, que dela não se deriva normatividade alguma. Isso significa que as nossas formas de vida, a estrutura de nossas famílias, não estão assentadas na natureza. Não, a natureza não é um álibi para nossas decisões culturais.
Com uma covardia que lhe é costumeira, foi isso o que o PT e seu prefeito acharam que não valia uma briga.

Folha de S.Paulo, 28//8/2015

24 de agosto de 2015

'A Educação deve ser pensada durante a vida inteira'

24 de agosto de 2015
Em entrevista, Zygmunt Bauman reflete sobre o aprendizado e os desacertos da sociedade em relação ao ensino

Fonte: O Globo (RJ)



Criador do conceito de ‘modernidade líquida’, forjada pelas relações efêmeras do presente, o célebre filósofo fará uma conferência magna no encontro Educação 360. Nesta entrevista, ele reflete sobre o aprendizado e os desacertos da sociedade em relação ao Ensino
Qual a diferença entre educar na era pré-moderna e na modernidade líquida dos dias atuais?
Muita coisa se transformou no trabalho dos Professores. Como o Educador E. O. Wilson observou, “estamos nos afogando em informação e, ao mesmo tempo, famintos por sabedoria”. A cada dia, o volume de novas informações excede milhões de vezes a capacidade do cérebro humano de retê-las. A mudança da sociedade moderna de sólida para um estágio líquido coincide, segundo a terminologia de Byung- Chul Han ( teórico sul-coreano), com a passagem da “sociedade da disciplina” para a “sociedade de desempenho”. Esta última é, principalmente, a sociedade de desempenho individual e da “cultura de afundar ou nadar sozinho”. Mesmo indivíduos emancipados descobrem que eles mesmos não estão à altura das exigências da vida individualizada.

Então, é preciso mudar esse pensamento individualizado?
Nosso sistema educacional é um poderoso mecanismo de, cada vez mais, reproduzir os privilégios entre gerações. Nos Estados Unidos, 74% dos estudantes que frequentam as universidades mais competitivas vêm das famílias mais ricas, e 3%, das mais pobres. Além disso, muitas Escolas e universidades induzem à fácil ideologia de que empregos bem remunerados são os únicos objetivos da universidade. Esses são apenas uns dos desafios, erros e negligências da Educação contemporânea.

E como será no futuro?
Uma coisa certa é que, num cenário líquido, rápido e de mudanças imprevisíveis, a Educação deve ser pensada durante a vida inteira. O resto vai depender de nossas escolhas dentro do que é possível para essa obrigação. E deixa eu enfatizar que esse “nós” que faz as escolhas não é limitado aos profissionais de Educação. Para citar Will Stanton (Professor australiano), que nos mantém alerta de que há muitos que pretendem ensinar nossos filhos apenas a obedecer: “Devemos aceitar autoridade como verdade em vez da verdade como autoridade”. Ele ainda diz: “O que é a mídia mainstream se não outra plataforma de ‘Educação’ defendendo a autoridade como verdade? Nós sentamos em frente ao noticiário noturno e escutamos âncoras e repórteres nos dizendo o que pensar, a quem apontar nossos dedos, porque nosso país precisa ir para a guerra e com o que a gente deve se horrorizar”. Considere ainda o tremendo impacto da indústria da publicidade em nós mesmos ou no que as crianças aprendem ou no que elas foram levadas a esquecer. Por exemplo, crianças não nascem inseguras. A publicidade é que as deixa apavoradas com o que as outras pessoas pensam delas.

O sucesso mundial das redes sociais é um produto da modernidade líquida ou aspecto transformador dela?
As duas coisas. Nós estamos seduzidos pelos recursos das mídias digitais por causa do nosso medo de sermos abandonados. Mas uma vez imerso na rede de relações on-line, que tem uma falsa ideia de ser facilmente manuseada, nós perdemos ou não adquirimos habilidades sociais que poderiam (e deveriam) nos ajudar a extirpar as causas dos medos que vêm do mundo off-line. Assim, as redes sociais são, simultaneamente, produto da modernidade líquida e a sua válvula de escape.

O senhor afirma que o fato de a Educação superior não garantir mais ascensão social é um problema para a Educação tal qual conhecemos. Qual a solução para esse problema?
Ascensão social é uma sinfonia, não um canto gregoriano monofônico. A Educação superior é apenas um dos muitos sons que se fundem na melodia, e um dos muito poucos instrumentos que contribuem para sua evolução. Nós configuramos o problema e torcemos por soluções, como o Ensino superior, porque alguns desses “nós” que se preocupam, pensam e escrevem sobre o problema têm Ensino superior e passaram anos sendo ensinadas que vivemos em uma “sociedade do conhecimento” que continua sendo transformada pelo tipo de conhecimento definido, armazenado e distribuído por universidades. Isso não é necessariamente correto — pelo menos até quando isso permanecer sem ressalvas. O que nós percebemos como ascensão social é um rio cuja trajetória resulta de vários afluentes. Mais e mais pessoas por trás das mudanças sociais que chamamos de “ascensão” desistiram da universidade ou nunca entraram nela.

Em seu novo livro, “A riqueza de poucos beneficia todos nós?”, o senhor reflete sobre as desigualdades sociais. Qual é o papel da Educação nesse contexto?
O sistema universitário de hoje foi incorporado pela economia de mercado capitalista. Ele serve como um outro mecanismo na reprodução de privilégios e aprofundamento das desigualdades sociais. Como diz Fareed Zakaria ( escritor americano), enquanto um rapaz de 18 anos da Califórnia recebia a melhor Educação possível nos anos 60 “sem qualquer custo”, no ano passado os Alunos precisavam pagar uma taxa de matrícula de US$ 12.972 se tivessem nascido no estado; se não, o valor sobe para US$ 22.878 (sem incluir custo de moradia e alimentação; o valor total do momento da matrícula até o diploma ficaria perto de US$ 50 mil por ano para não residentes). Poucos entre os milhões de pais amorosos e cuidadosos têm possibilidades de garantir um valor dessa magnitude.

Especialistas aprofundam debate sobre lei de responsabilidade na educação

“PNE precisa de um mecanismo mais forte para ser acompanhado e nada impede que seja uma lei de responsabilidade pedagógica”, defende o professor Célio da Cunha, da Universidade Católica de Brasília

Especialistas da área da educação, juristas e parlamentares defendem uma lei de responsabilidade educacional pedagógica – evitando judicialização excessiva – para acompanhamento das metas do Programa Nacional da Educação (PNE). A criação de uma legislação de responsabilidade da educação é a primeira das 20 metas do PNE.
Aliás, essa meta já deveria ter sido cumprida no primeiro ano de aprovação do programa, em junho último. A proposta é estabelecer obrigações e punições caso gestores não cumpram com as suas obrigações educacionais, a exemplo da Lei de Responsabilidade Fiscal que monitora as contas públicas do País.
O professor Célio da Cunha, da Universidade Católica de Brasília, considera fundamental criar ferramentas legais para ajudar na cobrança do direito à educação ampla e de qualidade. “O PNE precisa de um mecanismo mais forte para ser acompanhado e nada impede que seja uma lei de responsabilidade pedagógica”, disse.
Ele entende que esse é um tema divergente, mas que deve evoluir. Serão cobradas responsabilidades de governadores, prefeitos, secretários de educação, dos gestores das unidades escolares e até mesmo da família. “Haverá conflito, mas todos nós sabemos que não há progresso sem conflito”.
Para Cunha, o acompanhamento dos operadores da justiça é um novo capítulo que se inaugura na educação brasileira. “Eles precisam agora de instrumentos legais para ter mais argumentos e cobrar o direito à educação. Não apenas o direito à educação em termos quantitativos, mas também cobrança na qualidade”, disse ele, que participou na quarta-feira, 19, de uma nova rodada de audiências públicas na Comissão Especial destinada a debater o projeto de lei 7420/06 que trata do balizamento das metas do PNE.
Metas comprometidas
Para o relator do PL nº 7420/06 na Comissão Especial, o deputado João Carlos  Bacelar (PTN-BA), a falta de uma lei já compromete as metas do PNE. “O PNE completou um ano em junho e duas metas já deixaram de ser cumpridas”, disse ele, referindo-se a não aplicação da Lei de Responsabilidade Educacional e o descumprimento da meta que propõe planos locais e regionais de educação de todos os estados e municípios.
A comissão especial está promovendo uma série de debates no País para colher informações e dar embasamento ao projeto substitutivo a ser apresentado pelo relator do PL.
O parlamentar também defendeu uma legislação de caráter pedagógico. “Quando se fala de uma lei de caráter pedagógico é para evitar a judicialização excessiva de questões de educação. Mas alguma punição tem que ser utilizada”, disse Bacelar.
Segundo ele, a situação do quadro educacional é grave. Citou dados do último censo mostrando a precariedade na rede física das escolas públicas: mais de 50% das escolas não têm rede de esgoto, um terço não tem água, outra parcela não tem energia elétrica. “E de quem é essa responsabilidade?”, argumentou.
Ele lembrou que em 1932 o educador Anysio Teixeira já defendia uma lei de responsabilidade de educação, o que poderia ter evitado os graves problemas estruturais que se avolumam a cada período.
“Nossas crianças chegam ao quinto ano da educação básica analfabetas. No último Enem 500 mil alunos tiraram zero em redação e já estamos com quase 7% de investimento no PIB em educação e queremos chegar aos 10% do PIB. Mas a aplicação de recursos sem cobrança de responsabilidades e de resultados só gera corrupção”, afirmou.
Prioridade do Sistema Nacional de Educação
Antes mesmo da aplicação de uma lei de responsabilidade da educação, a coordenadora do grupo de trabalho de educação do Ministério Público do Rio de Janeiro, Maria Cristina Cordeiro, defendeu celeridade na aplicação do Sistema Nacional de Educação – que também faz parte das estratégias do PNE – para que a prestação dos serviços educacionais entre estados e municípios seja uniformizada e que sejam criadas ferramentas para balizamentos de dados. Existem 20 projetos de lei apensados ao PL 7420/06,  dentre os quais o PL 5519/2013, do deputado Paulo Rubem Santiago (PDT/PE), que institui o Sistema Nacional de Educação.
Segundo a especialista do MP/RJ, a ausência de um sistema nacional é uma das principais deficiências, porque dificulta a cobrança ao cumprimento dos serviços educacionais. “Por ora, utilizamos as leis que já existem que até certo ponto suprem na constatação de desvios do dinheiro público”, disse.
Carência de fiscalização dos recursos
Embora existam várias fontes de fomento à educação pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Ministério da Educação (MEC), a especialista lamenta a falta de fiscalização nos recursos aplicados. Um exemplo, disse, é o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) que dispõe que 60% dos recursos, no mínimo, sejam aplicados na remuneração dos profissionais do magistério da educação básica.
“A fiscalização desses recursos é extremamente precária. Eles não têm braços para fiscalizar isso”, disse. Na audiência pública parlamentares citaram dados do Tribunal de Contas da União apontando que em 60% dos recursos do Fundeb aparecem indícios de irregularidades.
Outro exemplo, acrescentou, é o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), cujos recursos saem diretamente dos cofres da União para escolas públicas do ensino básico.  “São quase 200 mil escolas públicas e o MEC não tem condições de fiscalizar isso”, apontou.
Cordeiro reconhece que o MEC vem se esforçando, embora lentamente, pelo programa contas online para tornar efetiva a fiscalização dos recursos. “Mas como cobrar do gestor se não se consegue ter informações?”, questionou.
Para ela, o sistema é complexo. “Nem todos os municípios têm informações disponíveis em seus sites, apesar da lei de transparência. Investir em educação tem sido prioridade no discurso de todos, mas não é o que se vê na prática”, acrescentou.
A sugestão da procuradora do MP/RJ é estabelecer nas leis orçamentárias a previsão dos recursos destinados à educação, tornando possível o acompanhamento da execução dos valores. Outra sugestão, já levada ao MEC, é usar o número do CPF de todos os professores remunerados pelo Fundeb, tornando possível o cruzamento de dados e acompanhando o desembolso da verba para educação.
A especialista também defende capacitação dos gestores escolares. “No caso do dinheiro direto na escola, muitos deles não sabem o que fazer com o dinheiro. Chegam a devolver aos cofres da União por medo de usar”, lembrou.
Mais objetividade
Cordeiro analisou o PL em discussão (nº 7420/06) e disse que o texto carece de parâmetros objetivos. Sugeriu esclarecer o que é uma educação de qualidade e como essa medida poderia ser implementada. Sugeriu ainda estabelecer no texto as ações de responsabilidade dos gestores de educação e quais as ações que seriam judicializadas para que, em casos de não cumprimento dos serviços, possam ser responsabilizados e punidos.

(Viviane Monteiro/Jornal da Ciência)

23 de agosto de 2015

HÉLIO SCHWARTSMAN A droga e o crime

SÃO PAULO - A coluna de quarta, na qual sustentei que é necessário legalizar todas as drogas, não só descriminalizar o consumo, gerou interessantes indagações de leitores. Uma que merece desenvolvimento diz respeito ao que fariam os traficantes com a eventual legalização.
A resposta é obviamente empírica, mas como nenhum país legalizou ainda todas as drogas, não sabemos o que aconteceria. Só o que podemos fazer é colocar a imaginação para funcionar, mas mantendo-a sob as rédeas curtas do realismo.
Até dá para sustentar que grandes produtores conseguiriam integrar-se à cadeia legalizada, mas esse dificilmente seria o destino dos pequenos traficantes e seus soldados. Eles não vestiriam uma gravata e se tornariam respeitáveis homens de negócios. O mais provável é que a maior parte continuasse na vida do crime, possivelmente trocando o comércio ilícito por delitos bem mais violentos, como roubo ou sequestros. Assim, não seria uma surpresa se, num primeiro momento, a legalização resultasse numa alta da criminalidade.
Em prazos mais dilatados, porém, dá para vislumbrar o enfraquecimento dos carteis de traficantes. Privados do lucro fácil das drogas, já não teriam tantos recursos para corromper autoridades e manter exércitos de capangas. De novo, essa não é necessariamente uma boa notícia. Policiais não gostam muito da tese, mas certos pesquisadores dizem que o fortalecimento de organizações como o PCC, que impõe rígida disciplina a seus comandados, ajudou a reduzir os homicídios em São Paulo.
Com tantos riscos, por que insistir na legalização? Cabe aqui uma analogia com ditaduras. Tiranias antigas tendem a ser menos violentas. Os principais opositores já foram suprimidos e a população aprendeu o que não é tolerado. Não obstante, ninguém defende que ditaduras velhas sejam mantidas porque a transição pode ser violenta. Devemos derrubá-las porque é a coisa certa a fazer.

Folha de S.Paulo, 23/08/2015

20 de agosto de 2015

MATIAS SPEKTOR Diplomacia a jato


Meios de comunicação os mais diversos foram à forra nas últimas semanas, vazando telegramas de seis embaixadas brasileiras no exterior.
O material não traz nada de novo, ilegal ou imoral. Apenas mostra diplomatas brasileiros promovendo interesses de grandes empresas nacionais, por vezes na esteira de uma visita do ex-presidente Lula pelo país em questão.
Em tempos de Lava Jato, a futrica excita os ânimos. Afinal, o poderoso esquema de internacionalização dos conglomerados brasileiros está rachando sob pressão das investigações. Acuado, o governo guarda silêncio. O ônus ficou por conta dos embaixadores brasileiros em Gana e Portugal, que deram a cara a tapa com coragem e inteligência.
Nos gabinetes de Brasília, porém, parte da tecnocracia ainda descarta o fuzuê como tentativa de demonização da diplomacia comercial.
Porta-vozes do setor privado seguem a toada, publicando artigos em defesa do atual modelo. "Todo governo que se respeita promove suas grandes empresas privadas no exterior", reza o argumento.
Esses textos citam os exemplos americano e britânico de promoção comercial, omitindo referências às estritas leis anticorrupção que lá vigoram.
Citam ainda a China, sempre com imagens dentais: os chineses fariam diplomacia comercial com a "faca nos dentes" e estariam "armados até os dentes" para realizar um trabalho eficaz. Não há referências, porém, aos graves problemas de higiene bucal, que geram incompatibilidade definitiva entre dentaduras autoritárias e democráticas.
Os argumentos das últimas semanas ignoram a mudança em curso. Seus defensores não perceberam que a Lava Jato transformará de vez o ambiente da promoção comercial.
A evolução tem sido rápida. Do mensalão para cá, criou-se um arcabouço que inclui acordos de leniência, delação premiada e uma nova lei anticorrupção que pune pessoas jurídicas pela primeira vez. Gente branca, rica e poderosa pode acabar no xilindró. E o caldo há de engrossar mais com a Lei de Responsabilidade das Estatais e a CPI do BNDES.
O pacote de limpeza ganhará força adicional se o Senado aprovar a abertura do pré-sal à competição internacional. Escrita para viabilizar o fluxo de petróleo e reverter os equívocos da Petrobras, a lei corrigirá regras locais talhadas para proteger cartéis de amigos que dificultam a fiscalização.
Há uma nova gama de interesses públicos e privados pró-transparência em gestação, e a política externa brasileira será obrigada a representá-la.


Poderá fazê-lo com inteligência, aprendendo da experiência internacional para conceber novos protocolos de promoção comercial. Ou poderá operar na retranca, sendo arrastada pela força de um jato ainda longe de acabar.
Folha de S.Paulo, 20/8/2015

19 de agosto de 2015

‘The Prize,’ by Dale Russakoff: What happened when two politicians and a tech billionaire set out to reform a city’s schools.

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Mark Zuckerberg, center, with Cory Booker, then mayor of Newark, left, and New Jersey Gov. Chris Christie, right, September 2010. CreditGary He/Facebook, via Associated Press
In America, education was long seen as the great equalizer, but that has become mostly myth. So, over the past decade, there has been a vigorous effort to fortify and rebuild our schools, and in this there is a recognition that we have failed our children, especially those living in poverty, those for whom education could — and should — be transformational. From Chicago to New Orleans, school reform has been engineered by the well heeled and well connected — from hedge fund managers to corporate heads to directors of foundations — who believe that with the right kind of teachers and pedagogy, and with a ­business-like administration, schooling can trump the daily burdens and indignities of growing up poor. “No excuses” has become the rallying cry of the reformers.
Along comes Dale Russakoff’s “The Prize,” a brilliantly reported behind-the-scenes account of one city’s attempt to right its failing public schools. When Russakoff began reporting this book in 2010, fewer than 40 percent of the students in the third through eighth grades in Newark, N.J., were reading or doing math at grade level — and nearly half of the system’s students dropped out before graduating. The schools were so broken that the state had taken them over. Something needed to be done. From this rubble emerged an exciting if not unusual partnership between three individuals who couldn’t have been more different from one another. The city’s black Democratic mayor, the charismatic and ambitious Cory Booker, joined hands with the state’s blustery and ambitious white Republican governor, Chris Christie, to reimagine Newark’s schools. Together, they enlisted Facebook’s Mark Zuckerberg, who pledged a whopping $100 million — to be matched by another $100 million, which the city raised, mostly from foundations and private individuals. It was such an extraordinary gift that Zuckerberg, with Booker and Christie by his side, announced it on “The Oprah Winfrey Show.” As Russakoff writes: “Their stated goal was not to repair education in Newark but to develop a model for saving it in all of urban America.” This is what makes “The Prize” essential reading. Newark was to be our compass for school reform.
Russakoff, a longtime Washington Post reporter, had the good sense to recognize the potential power and import of this story early on, and so embedded herself in Newark, winning access not only to the key players — Booker, Christie and Zuckerberg — but also to some remarkable teachers and students whose stories serve as a reality check to the maneuverings of those commanding the reform efforts. A lesser reporter might have succumbed to the seduction of such intimate access to the rich and powerful, but Russakoff maintains a cleareyed distance, her observations penetratingly honest and incisive to what she sees and what she hears. I suspect some may have regretted letting Russakoff in. We couldn’t have asked for a better guide.
When Zuckerberg declared his grant, the agenda was pretty clear: Turn the Newark schools around in five years and make it a national model. But from the get-go, there seemed little agreement as to how best to proceed. More than anything, Christie wanted to break the hold of the entrenched teachers’ unions. Booker wanted more charter schools. Zuckerberg wanted to raise the status of teachers and to reward teaching that improved students’ performance.
Their five-year plan gets off to a rocky start. Initial funds go to a bevy of consultants, most of them white, most of them well connected, some of whom are getting paid $1,000 a day. One educator labels them the “school failure industry.” Moreover, it quickly becomes apparent that this is a top-down effort, with politicians and the well-to-do setting the agenda. When Booker sets up a local foundation to handle Zuckerberg’s gift, the seats on the board go only to donors of at least $5 million. You can begin to see where this story’s headed. Booker shows more interest in his own political career than he does in running his city. Christie hires an ideologue as his point person on the Newark schools. And Zuckerberg, a newcomer to philanthropy, seems frustrated by the inability to negotiate a union contract that would quickly raise the salaries of promising young teachers and pay substantial merit bonuses for high performers.
Moreover, they bring in a superintendent, Cami Anderson, from the New York City schools, whose unbending management style only affirms teachers’ and parents’ worst fears. To be fair, she’s a complicated figure. She doesn’t simply line up behind Booker, Christie and their moneyed backers in their ideological furor to create more charter schools, which as we’ve seen in city after city leaves behind an eviscerated public school system. Anderson, Russakoff writes, “called this ‘the lifeboat theory of education reform,’ arguing that it could leave a majority of children to sink on the big ship.” But Anderson, like the other main characters in this effort, seems tone-deaf to the demands of the community to be involved in the process. It’s the irony of ironies. Public education is the bedrock of democracy — and yet when it comes to repairing our schools the democratic process is too often ignored. What ultimately derails this grand experiment is the unwillingness of the reformers to include parents and teachers in shaping the reforms.
“The Prize” is paradoxically a sobering yet exhilarating tale. For alongside the stories of those calling the shots, Russakoff tells the stories of those most profoundly affected by their decisions: teachers, students and their parents. It’s here where rhetoric, politics and grand plans meet reality. I repeatedly found myself writing in the margins, “Wow,” either because of the heroic efforts by teachers and staffers or because of the obstacles facing their students. Russakoff writes of three siblings whose mother is badly beaten by her boyfriend. The principal goes to court with the mother and helps her file charges while other staff members create a car-pooling schedule to get the kids to and from school each day. Another student, Alif Beyah, continually disrupts his classroom. With unusual self-awareness for a sixth grader, he tells a teacher, “If I get thrown out of class, nobody finds out I can’t read.” So the school assigns a teacher to meet with him in one-on-one sessions, and over the course of the year he jumps three grades in his reading levels. In a school that had one social worker for 612 students, teachers create a special class for children suffering from trauma, offering tai chi, yoga and breathing techniques. But what becomes clear is that these are exceptions rather than the rule. In fact, when Beyah enters high school, most of his support disappears.
“The Prize” may well be one of the most important books on education to come along in years. It serves as a kind of corrective to the dominant narrative of school reformers across the country. I’m not giving anything away by telling you that this bold effort in Newark falls far short of success. Most everyone moves on. Booker is elected to the Senate — and his nemesis, a high school principal deeply critical of his school reform efforts, becomes the city’s next elected mayor. Christie gets caught up in the bridge-lane-closure scandal, and of course is now running for president. Anderson recently announced her resignation as superintendent. The one individual who appears changed by the experience is, somewhat surprisingly, Zuckerberg. Last year, along with his wife, Priscilla Chan, who as a pediatric intern cared for underserved children around San Francisco, Zuckerberg announced a gift of $120 million in grants to high-poverty schools in the Bay Area. This time, though, they declared their intent to include parents and teachers in the planning process. But more to the point, a key component to their grants includes building “a web of support for students,” everything from medical to mental health care. Zuckerberg came to recognize that school reform alone isn’t enough, that if we’re going to make a difference in the classroom, we also need to make a difference in the lives of these children, many of whom struggle against the debilitating effects of poverty and trauma. Here is where this story ends — but also where the next story begins.

THE PRIZE

Who’s in Charge of America’s Schools?
By Dale Russakoff
246 pp. Houghton Mifflin Harcourt. $27.