21 de setembro de 2014

Anatomia do ensino

Em pesquisa inédita, Datafolha mostra as tendências de 420 colégios privados de São Paulo
DE SÃO PAULO
Na escola de hoje, os alunos aprendem inglês, mas o espanhol também está na ponta da língua. Fazem esportes, balé, música e teatro.
Período integral e escolas de ensino bilíngues são as tendências de parcela significativa dos colégios. Em instituições menores, ganham espaço os convênios com grandes grupos educacionais, que fornecem apostilas e treinamento de professores.
A tecnologia está presente, mas os alunos ainda passam pouco tempo em laboratórios. Em geral, as instituições dizem estar abertas para a inclusão de estudantes com necessidades especiais.
Essas são algumas das conclusões obtidas em pesquisa inédita feita pelo Datafolha com escolas particulares da cidade de São Paulo.
No contato com 420 colégios de ensino fundamental e médio (ou 11,4% da rede privada) de todas as regiões da capital, o instituto levantou serviços, valores de mensalidade, diretrizes pedagógicas, exigências para formação de professores e para seleção de novos alunos e outras questões que revelam o perfil desse mercado educacional.
Os dados mostram, por exemplo, que 68% dos colégios com ensino fundamental 1 (do 1º ao 5º ano) oferecem ensino em tempo integral. No turno extra, as crianças fazem cursos de idiomas e atividades esportivas e de recreação.
Benjamin Silva, presidente do Sindicado dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo, confirma que há uma tendência de crescimento desse tipo de serviço nas escolas, principalmente nos últimos cinco anos.
Para Vitor Paro, pedagogo e professor aposentado da USP, um segundo período na escola só faz sentido se o primeiro tiver qualidade.
SISTEMAS
Grupos como Objetivo, Positivo e Anglo são marcas que se tornaram referência para colégios de menor porte. Escolas têm tomado emprestado o método e o prestígio em busca de melhores resultados e mais organização. Esses sistemas de ensino já estão presentes em 58% dos colégios, diz o Datafolha.
Paula Louzano, professora da USP e doutora em educação pela Universidade Harvard, afirma que escolas que usam esses sistemas muitas vezes "terceirizam" a confecção de seu plano pedagógico.
Mesmo com o uso de tablets em sala de aula e oficinas de robótica sendo ministradas, a qualificação do professor ainda é o maior determinante para um bom ensino.
Para Daniel Cara, cientista social e coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, os 63% de colégios que declararam oferecer espanhol estão aquém do esperado para uma integração adequada ao Mercosul. No entanto, ele diz considerar a realidade paulistana boa em comparação com a média nacional.
    Folha de S.Paulo,21/9/2014

No ensino, professor é quem faz a diferença

DE SÃO PAULOEducadores são unânimes em afirmar que um ensino de qualidade está diretamente relacionado à capacitação e ao trabalho do professor.
É o que também indica a comparação dos dados de escolas paulistanas com o desempenho médio dos alunos no Enem em 2012.
Colégios que disseram exigir especialização, mestrado ou doutorado de docentes do ensino médio tiveram, em geral, notas maiores em comparação aos que responderam aceitar apenas a graduação.
Pela legislação brasileira, o professor de ensino médio deve ser formado em licenciatura na área em que dá aula.
O pesquisador Antônio Augusto Gomes Batista, do Cenpec, diz não ver a titulação, por si só, como determinante. "Manter um bom ritmo de aula e capturar o interesse do aluno é mais importante."
Naercio Menezes, do Insper, recomenda que pais conheçam os professores e descubram se a direção acompanha o desempenho deles.
Luiz Felipe Fuke, coordenador do ensino médio do Agostiniano Mendel, conta que avalia os profissionais pelas notas e impressões dos estudantes. "Se a turma de um professor vai bem e a de outro não, verificamos o que está acontecendo", diz.
No Móbile, há reuniões individuais com professores toda semana, segundo a diretora pedagógica do ensino médio, Glorinha Martini.
Mauro Aguiar, diretor-presidente do Bandeirantes, afirma que os pais devem buscar colégios que têm um quadro estável, pois isso indica boa estrutura e condições de trabalho.

    Benefício da tecnologia depende de uso pedagógico

    Recursos como tablets e aulas de robótica estão mais presentes nas escolas
    DE SÃO PAULODe repente, você se depara com uma engenhoca voadora, simpáticos robozinhos e crianças controlando computadores. Parece um filme de ficção científica, mas é o futuro colégio do seu filho.
    A escola de hoje pouco se parece com a que você frequentou. Iniciativas que visam aproximar os alunos das últimas novidades, como cursos de robótica e oficinas de programação e de jogos digitais, viraram rotina.
    A Folha entrou em contato com colégios de São Paulo para saber como os novos recursos tecnológicos estão sendo usados no ensino. Muitos já oferecem os diferentes tipos de "aulas tecnológicas".
    Em Barueri (Grande São Paulo), todos os alunos dos ensinos fundamental 2 e médio da Escola Internacional de Alphaville levam o próprio tablet --utilizado em diferentes disciplinas-- para a aula.
    No colégio Bandeirantes, localizado na Vila Mariana (zona sul da capital), os alunos trabalham com uma impressora 3D, que reproduz pequenos objetos em uma resina plástica, e participam de oficina em que manuseiam e programam um drone, pequeno dispositivo voador, com uma câmera acoplada.
    No colégio Santa Maria, na zona sul, estudantes do quarto ano estão começando a mexer com programação.
    Com o auxílio dos simpáticos "Angry Birds", as crianças aprendem os conceitos e dão ordens diretamente ao "cérebro" do computador.
    "A ideia não é que a criança fique digitando códigos, mas ter o foco na lógica e no pensamento sistemático", diz Muriel Rubens, coordenador do Núcleo de Tecnologia da Informação do colégio.
    Para a consultora Andrea Ramal, doutora em educação pela PUC-Rio, essas práticas ajudam a "desenvolver a noção de lógica, de acerto e erro, e de pesquisa e construção do conhecimento".
    Mas "modernidade" não implica necessariamente qualidade de ensino.
    Segundo Valdemar Setzer, professor de computação aposentado da USP, há escolas que priorizam a tecnologia e não desenvolvem habilidades sociais e artísticas, fundamentais para a formação do aluno.

      Período integral tem de oferecer mais que passatempo

      Além de atividades variadas, pais precisam se preocupar com alimentação, segurança e descanso; rotina deve ser equilibrada
      DE SÃO PAULO
      A advogada Patrícia Dalla Torre, 30, vai para o trabalho tranquila. Ela sabe que a filha Beathriz, 4, passará o dia em um local seguro, com outras crianças e professores.
      Mas não foi sempre assim. Antes de matricular a menina em uma escola de período integral, há três anos, ela deixava a criança sob os cuidados de uma babá.
      "Eu ficava o dia inteiro fora de casa. Com quase um ano de idade, ela não falava nem engatinhava", diz Patrícia.
      A preocupação com o desenvolvimento da filha norteou a escolha pela jornada ampliada do colégio Renovação, no Cursino (zona sul).
      No Brasil, a extensão do tempo que a criança passa na escola é baseada na necessidade dos pais, que, além de comodidade, buscam enriquecer a rotina dos filhos.
      Por isso, a configuração do período integral no país, em geral com atividades artísticas, esportivas e de recreação, difere de modelos internacionais em que os dois turnos são como uma jornada única, com aulas regulares.
      Oferecer aula de inglês, balé, música e natação pode parecer interessante, ainda mais se tudo ocorre num mesmo lugar. Educadores alertam, contudo, que o período integral deve fazer mais do que ocupar o tempo da criança --o que exige um plano pedagógico para esse período.
      "As atividades devem contribuir com o desenvolvimento integral do aluno, contemplando necessidades culturais e de entretenimento, atividades esportivas e cursos extracurriculares", diz Luciana Barros de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia.
      Ao escolher um colégio com essa modalidade, é importante buscar um programa de nutrição saudável e que ensine noções de higiene. O integral também deve prever um período de descanso, que precisa ser maior para os mais novos.
      Para Rosely Sayão, psicóloga e colunista da Folha, o ideal para o desenvolvimento emocional de crianças com até cinco anos é passar alguns dias da semana em casa, caso haja essa opção.
      "A casa representa o lugar conhecido, afetivo, em que ela se sente protegida", diz.
      A diretora de RH Carolina Duque, 34, vê benefícios na agenda lotada da filha Marina, 7, aluna do colégio Visconde de Porto Seguro, no Morumbi (zona oeste).
      "Lá na frente ela vai ter que trabalhar e não tem trabalho em meio período. Trazendo isso para ela desde pequena, não vai ser um sofrimento."
      Para Rosely, apesar de o integral desenvolver noções de responsabilidade e compromisso, é preciso equilibrar a rotina.

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