14 de setembro de 2014

Crescimento da USP foi incompatível com receita

Escola gasta 35% a mais do que recebe do ICMS; principal dispêndio são salários

Outras fontes de receita, como doações e recursos para pesquisa, não são contabilizados em orçamento anual
GUSTAVO PATUDE BRASÍLIAFÁBIO TAKAHASHISABINE RIGHETTIDE SÃO PAULO, Folha de S.Paulo, 14/9/2013

Levantamento feito pela Folha mostra como a expansão das despesas da USP se tornou, nos últimos anos, incompatível com as receitas garantidas para a instituição no Orçamento estadual.
Puxados pela folha de salários de professores e servidores administrativos, os gastos de 2013 superaram em 35% a parcela da arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) reservada à principal universidade do Estado.
Essa diferença --entre despesas de R$ 5,7 bilhões e R$ 4,4 bilhões originários do ICMS-- precisa ser coberta por outros repasses menores dos governos estadual e federal e, principalmente, por reservas financeiras da USP.
Os dados mostram fragilidades do modelo que, no final da década de 80, proporcionou autonomia à USP e às demais universidades paulistas (Unicamp e Unesp) a partir de uma parcela assegurada da receita do Estado.
A regra estabelece uma receita razoavelmente previsível, ou seja, uma fatia da arrecadação de um tributo incidente sobre o consumo. Mas não fixa limites para a expansão das despesas, em especial as com pessoal.
As contas ficaram equilibradas enquanto a receita do ICMS se manteve em alta. Essa tendência, porém, foi interrompida em 2012, com a estagnação econômica.
Reajustes salariais concedidos aos servidores --são 29 mil docentes e funcionários (ativos e aposentados)-- geraram uma expansão mais acelerada das despesas com pessoal, que consomem algo como dois terços dos gastos totais da USP, segundo os critérios adotados pela Secretaria da Fazenda do Estado.
Essa proporção é semelhante à praticada nas principais universidades federais.
A diferença é que a instituição estadual, autônoma, responde sozinha pela discrepância entre os desembolsos programados e as receitas.
AUMENTO E BÔNUS
Nos últimos quatro anos, os técnicos da USP receberam um aumento médio de 75% e os professores, de 43%. O rendimento médio de um docente chegou a R$ 13,5 mil e, dos técnicos, R$ 8.300.
Funcionários e docentes também receberam um "bônus de excelência": cada vez que a universidade subia em rankings universitários, havia uma resposta em dinheiro. Em 2013, o bônus foi de R$ 2.000 para cada servidor.
Especialistas ouvidos pela reportagem consideram que os aumentos salariais foram uma estratégia da gestão do ex-reitor, João Grandino Rodas (2009-2013), para administrar a universidade diante de uma rejeição interna. Ele havia sido o segundo colocado nas eleições para reitor, mas acabou escolhido pelo então governador José Serra.
A administração da USP, diferentemente das universidades estrangeiras pesquisadas nesta reportagem, não contabiliza outras formas de receita. Não se sabe, por exemplo, quanto a universidade recebe de doações. O argumento é que esses recursos são "descentralizados".
Também ficam fora da conta os recursos para pesquisa científica na universidade. Só da Fapesp (agência estadual de fomento à ciência) foram R$ 514 milhões em 2013.

Antes fosse só a greve

A greve de 110 dias na USP se estenderá até que a direção da universidade aprove um abono salarial decidido na Justiça. Quando isso ocorrer, os funcionários voltarão a seus postos e terão encerrado a paralisação --mas não a crise.
A suspensão (parcial) dos trabalhos é apenas um aspecto do descalabro na USP. O mais visível neste momento, mas não o mais relevante. Trata-se, na verdade, de reflexo do estado de deterioração em que se encontra a entidade --e parte da comunidade acadêmica se omite diante da situação.
Não há movimento organizado para conduzir a discussão em outros termos. Mesmo quem não participa da greve acaba por aceitar os argumentos básicos dos sindicalistas: o problema fundamental seria o estouro do orçamento, e o rombo deve ser coberto pelo Estado.
Não se questiona como o Conselho Universitário, formado por quadros graduados da USP, aceitou tal degradação financeira. Ou o órgão foi conivente, ou o sistema permite que a reitoria atue impunemente de modo irresponsável.
A reação dos sindicatos, mais que corporativista, revela como é ralo seu sentido de solidariedade social. Não importa se hospitais ou escolas careçam de verbas; a prioridade será sempre da folha de salários da universidade, que toma mais de 105% de seus recursos.
Reivindica-se, pois, verba adicional. Argumenta-se que o número de estudantes e cursos cresceu nos últimos anos, com escasso aumento de professores e demais funcionários. Tudo verdade.
Mas quão ineficiente era a USP há dez ou 25 anos? E por que não dizem que, neste século, o montante de recursos repassados à universidade se expandiu mais que o de alunos, mais até que a economia do país? Não é importante?
A própria instituição não se encarrega de produzir indicadores que permitam aferir com maior precisão a carência de recursos. Ainda assim, e se o Estado não dispuser de dinheiro para essa finalidade? Não cabe à academia a palavra final a respeito desse tópico.
A universidade pode, porém, contribuir para o debate e para tornar legítimas suas reivindicações.
Deve, ao restante da sociedade, explicações sobre seu descontrole. Deve demonstrar, regularmente, quão bem utiliza as verbas que recebe. Deve apontar opções de financiamento. Deve, enfim, sair da letargia intelectual e institucional que a paralisa de modo mais crítico do que as greves recorrentes.

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