28 de setembro de 2014

A universidade pública e a sociedade, MARCO ANTONIO ZAGO


As universidades estaduais de São Paulo precisam rever seu papel. Elas deveriam, por exemplo, reforçar sua vocação para pós-graduação e pesquisa?

As universidades públicas do Estado de São Paulo estão diante de um desafio quase insuperável. Anualmente, cerca de 460 mil jovens (380 mil do ensino público e 80 mil do privado) terminam o ensino médio no Estado e pouco mais de 20 mil deles são acolhidos pelas três universidades públicas estaduais --USP, Unesp e Unicamp.
Juntamente com o ensino técnico do Centro Paula Souza (Fatecs) e as três universidades federais -- Unifesp, UFABC e UFSCar--, o ensino público oferece 43.534 vagas e não atende a mais do que 12% dos jovens paulistas. Os demais têm de utilizar o ensino privado se desejarem cursar uma carreira de nível superior, além dos jovens de outros Estados, que buscam em São Paulo uma oportunidade para estudar e trabalhar.
Esse quadro desperta três questões que interessam aos cidadãos paulistas. Como as universidades e os governos federal e estadual responderão à demanda crescente por qualificação profissional em um mundo em que o conhecimento é a principal fonte de riqueza para sustentar o desenvolvimento econômico e social?
Devem as universidades ampliar significativamente o número de vagas, com risco de perda de qualidade ou de se converterem em gigantes ineficientes?
Ou deveriam as três universidades paulistas reforçar sua vocação para o ensino de pós-graduação e pesquisa, confiando que outra solução será encontrada para atender à necessidade de formação de maior número de profissionais para sustentar o desenvolvimento do país? Qual seria essa outra solução: aumento das vagas de instituições federais no Estado ou a criação de outra universidade estadual focada na tarefa de formação profissional?
A segunda questão diz respeito à inclusão social e racial, necessária não apenas por uma questão de justiça social, mas também para aproveitar plenamente os talentos dos jovens. Embora lentamente, a inclusão social na USP evolui --a percentagem de alunos oriundos do ensino público cresceu de 28% a 32% entre 2008 e 2014--, mas progresso mais vigoroso exigirá duas medidas: modificações do processo de acesso, o que está em avaliação, e aumento do apoio aos estudantes universitários mais pobres.
Esses recursos terão que ser responsabilidade da sociedade, e não das próprias universidades, pois a USP já despende R$ 150 milhões por ano para esse fim.
O terceiro aspecto é o financiamento e a gestão das universidades. Em 2013, o governo paulista transferiu para as três universidades do Estado o valor de R$ 8,3 bilhões. Na USP, isso corresponde à média de R$ 47 mil por aluno por ano, que está sendo integralmente utilizado para pagar salários.
Para cumprir sua missão, a USP terá que promover reformas para restabelecer o equilíbrio financeiro, como o enxugamento do quadro de funcionários, para poder voltar a contratar professores necessários para ensino e pesquisa. Também terá que se desfazer de gastos que não compõem as atividades universitárias típicas e buscar novas fontes de financiamento.
Não faz parte das propostas da Reitoria considerar o pagamento por parte dos alunos mais abastados, mas a sociedade poderia passar a exigir dos estudantes formados em universidades públicas a compensação na forma de serviços prestados à comunidade.
O quadro atual evoca a necessidade e oportunidade de as universidades reverem seu papel dentro do quadro mais amplo do ensino superior paulista, das suas relações com a sociedade, e do equilíbrio entre autonomia e "accountability" (prestação de contas).
Os mecanismos de gestão e escolha de dirigentes devem respeitar as concepções de uma sociedade democrática, sem ceder ao corporativismo. Para isso, a USP está conduzindo uma ampla revisão de seu estatuto. Nesse processo, seria muito valioso ouvir a voz e poder contar com a participação da sociedade.

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