Folha de S.Paulo, 18/2/2015
Desaceleração dos salários pode levar mais jovens a buscar emprego e ameaça popularidade de Dilma
Há tempos que leitores me pedem para escrever sobre o mercado de trabalho. Em comum mostram certa perplexidade, correta, aliás, com a queda do desemprego observada no ano passado, em contraste com a estagnação do PIB.
De acordo com os dados da Pesquisa Mensal do Emprego (PME), conduzida pelo IBGE em seis regiões metropolitanas, a taxa de desemprego recuou de 5,4% em 2013 para 4,8% em 2014. No entanto, tais estimativas revelam um fato curioso: ao menos nessas regiões a queda do desemprego não esteve associada ao aumento do emprego. Pelo contrário, o emprego caiu levemente em 2014, consistente com o comportamento do PIB. Trata-se da primeira vez que isto ocorre desde o início da pesquisa; mesmo em 2009, quando houve queda do PIB (-0,9%) o emprego ainda cresceu moderadamente.
O que poderia explicar o mistério da taxa de desemprego em queda quando o emprego apresenta seu pior desempenho em mais de uma década?
Para entendermos esse fenômeno é necessário definir alguns conceitos. O primeiro deles é a População em Idade Ativa (PIA), entendida como todos aqueles considerados em idade de trabalhar. Segundo a definição da PME, encontram-se na PIA todos aqueles com dez ou mais anos de idade, que me deixa algo envergonhado, mas que, na prática, não faz muita diferença, já que menos de 1% daqueles entre 10 e 14 anos participam do mercado de trabalho (ainda bem!).
Já a População Economicamente Ativa (PEA) é definida como aqueles que, dentro da PIA, estão engajados no mercado de trabalho, seja como empregados, seja em busca de emprego. A relação entre a PEA e a PIA é conhecida como taxa de participação e durante muito tempo oscilou próxima a 57%. Caso desconsideremos a população de 10 a 14 anos, essa grandeza ficaria em torno de 62%.
Assim, para ser considerado desempregado, o indivíduo tem que fazer parte da PEA. Pessoas que não têm emprego, mas que não estejam procurando trabalho, não são consideradas desempregadas. Este critério, é bom que se diga, não é uma jabuticaba; ao contrário, trata-se de uma definição internacional.
Ocorre que, em particular no ano passado, houve outro desenvolvimento curioso no Brasil, estreitamente ligado à queda do desemprego. A PEA encolheu, também pela primeira vez desde o início da pesquisa, mas numa proporção ainda maior que a redução do emprego. Enquanto este caiu 0,1%, a PEA recuou 0,7%, isto é, algo como 170 mil pessoas nas regiões pesquisadas pelo IBGE decidiram abandonar o mercado de trabalho.
Posto de outra forma, a taxa de participação caiu para 56%, ante os 57% usuais. Tivesse ela se mantido em sua média histórica, o desemprego teria aumentado de 4,9% em 2013 para 6,2% em 2014.
A queda mais pronunciada se deu entre os jovens de 18 a 24 anos: historicamente 70% deles participavam do mercado de trabalho, mas esta proporção caiu para 65% em 2014 (e já vinha em queda). A hipótese benigna para explicar este fato seria maior dedicação aos estudos, mas ela não parece suficiente para dar conta de todo o fenômeno. Houve aumento da proporção de jovens que nem trabalha nem estuda.
Há quem pergunte se esse desenvolvimento pode estar associado ao aumento da rede de proteção social, em particular ao Bolsa Família, que desestimularia a oferta de trabalho.
Não parece ser o caso, segundo meu amigo e colega Naércio Menezes Filho, que sugere que o aumento da renda do trabalho dos chefes de família mais pobres retirou a necessidade de jovens buscarem emprego, sem, porém, que estes tenham necessariamente se dedicado ao estudo.
Se a hipótese do Naércio estiver correta, a desaceleração dos salários que deverá ocorrer neste ano interromperia, ou mesmo reverteria, esse fenômeno.
Nesse caso seria questão de tempo para que o desemprego voltasse a subir e, com ele, a rejeição à presidente, desenvolvimento que lançaria novas dúvidas sobre a firmeza de propósito acerca da nova política econômica.
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