18 de fevereiro de 2015

Trote vicioso

EDITORIAIS
editoriais@uol.com.br, Folha de S.Paulo, 18/2/2015

Já se tornaram tradicionais, no início de cada ano, cenas de jovens, com roupas e rostos pintados, comemorando a aprovação em universidades de todo o país.

Numa infeliz rotina, às celebrações se seguem, quase invariavelmente, notícias dos mais diversos abusos perpetrados por estudantes veteranos sobre os calouros.
O ano de 2015 não foi diferente. Em uma faculdade particular de São Paulo, um jovem desmaiou após ser forçado a ingerir volume descomunal de álcool. Recobrou a consciência no hospital, onde constatou hematomas em seu corpo.
Em Adamantina, no interior paulista, uma estudante sofreu queimaduras de terceiro grau nas pernas após ser atingida por um líquido ácido. Traumatizada com a bárbara recepção, cogita abandonar o curso de pedagogia em que conseguiu ser admitida.
Há inúmeros outros exemplos. Muitos, se não chegam a extremos de violência ou coação, são marcados pela humilhação e pelo constrangimento que infligem. Sem mencionar os casos que, devido a uma cultura de ameaças e represálias, terminam silenciados.
Prova disso são as recentes revelações sobre a violência física e sexual cometida durante trotes --mas não apenas neles-- na Faculdade de Medicina da USP; o caso ganhou destaque a partir de depoimentos de alunos e ex-alunos em uma CPI sobre o tema na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Não se ignora que os trotes, como um tipo de rito de iniciação, possuem a função de aproximar estudantes novos e antigos, além de integrar os calouros ao ambiente universitário. Se mantivessem apenas seu aspecto lúdico e agregador, seriam sempre bem-vindos.
Quando entra em cena o recurso à violência, porém, acrescenta-se uma dimensão sórdida e opressiva a tais práticas, que ainda estabelecem um nexo pelo qual os agredidos de hoje serão os agressores de amanhã. Esse pérfido ciclo precisa acabar.
A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP, deu um passo nesse sentido. Conhecida entre os universitários pela virulência de sua recepção, a faculdade assumiu com o Ministério Público o compromisso de combater trotes em seu campus, em Piracicaba. Preveem-se campanhas de conscientização e a supervisão dos eventos por promotores de Justiça.
O ensino superior brasileiro só terá a ganhar com a proscrição dessa infeliz --e desvirtuada-- tradição.

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