1 de setembro de 2015

Baixa expectativa, Antonio Gois


30 de agosto de 2015
"Nas turmas com alunos mais pobres, apenas 6% dos professores acreditam que quase todos chegarão a universidades", afirma Antônio Gois

Fonte: O Globo (RJ)



De onde menos se espera, daí é que não sai nada. A frase jocosa é apenas uma máxima do Barão de Itararé, personagem do humorista Apparício Torelly (1895-1971). Mas, de certa maneira, pode ilustrar também um conceito sério, da profecia que se auto realiza. Se o professor não acredita no potencial do aluno, tende a se esforçar menos para que ele aprenda, gerando com seus atos um impacto negativo que acaba confirmando a expectativa criada anteriormente.
Tabulações feitas pela economista Paula Penko, do Instituto Ayrton Senna, evidenciam o quanto é preciso estar atento a este fenômeno. A partir dos questionários respondidos pelos professores na Prova Brasil, exame aplicado a todas as escolas públicas do país, foi possível identificar que, em colégios que atendem crianças de menor nível socioeconômico, 60% dos professores do 5º ano do ensino fundamental não acreditam que quase todos os seus alunos concluirão o ensino médio. Em estabelecimentos onde estudam filhos de pais mais ricos e escolarizados, ocorre o inverso: 100% dos professores dizem acreditar que quase todos os seus alunos concluirão o ensino médio.
No 9º ano do fundamental, a discrepância se mantêm. Nas turmas com alunos mais pobres, apenas 6% dos professores acreditam que quase todos chegarão à universidade, percentual que sobe para 50% entre os que dão aulas para crianças mais ricas.
Quando apontam as razões que explicam problemas de aprendizagem, as causas mais destacadas pelos professores no 9º ano são todas relativas aos alunos e suas famílias. Em escolas que atendem aos mais pobres, chega a 91% o percentual dos que culpam a falta de assistência e acompanhamento dos pais na vida escolar, além do desinteresse e falta de esforço do estudante (91%). Em seguida aparecem o nível cultural dos pais (80%) e a baixa autoestima dos alunos (79%). As causas menos citadas são a sobrecarga de trabalho (27%), insatisfação e desestímulo do professor (24%) e conteúdos curriculares inadequados (23%).
Mozart Neves Ramos, diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna, reconhece que a pobreza e a baixa escolaridade dos pais são fatores de forte impacto negativo no aprendizado, tornando mais complexa a tarefa de ensinar. Mas ele também critica a visão que isenta o professor de qualquer responsabilidade nos resultados: “É triste quando o professor não acredita em seus alunos e não se vê como fator determinante do sucesso. Muitas vezes, ele entende que está fazendo o seu melhor, e que o problema está na indisciplina e desinteresse. Os jovens querem que a escola dialogue com seu mundo, mas a sala de aula está totalmente distante, o que leva ao desinterese”.
De fato, nesse ponto, alunos e seus mestres concordam: os jovens costumam apontar o desinteresse pela escola como o principal motivo para abandoná-la, e os professores, por sua vez, destacam justamente esse desinteresse como uma das principais causas do fracasso escolar. Mas é também curioso constatar que 79% dos docentes de alunos mais pobres citam a baixa autoestima como um dos maiores problemas de aprendizagem. Se o próprio professor não acredita que seus alunos possam progredir nos estudos, como esperar que eles pensem o contrário?

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