Ex-secretária de Educação do Rio Claudia Costin, hoje diretora do Banco Mundial, faz histórico de como a questão da qualidade do ensino ganhou espaço na cobertura da grande imprensa
CLAUDIA COSTIN, 12/08/2016
Principalmente nas séries iniciais do fundamental, acesso à escola não é sinônimo de ensino adequado
Em 2000 e 2001, morei em Maryland, nos Estados Unidos, e lia o Washington Post. Ficava maravilhada com a cobertura de educação: a quase cada manhã, uma notícia sobre escolas e universidades, geralmente crítica e focando os limites do desempenho escolar dos alunos americanos, devo dizer, estampava a primeira página. Nesse período, saiu o resultado da primeira participação do Brasil no Pisa (Programme for International Student Assessment ou Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), em que figuramos entre os últimos lugares entre, então, 56 países. Não me lembro de ter visto algum jornal dar chamada de primeira página. A maior parte sequer divulgou.
Voltando ao Brasil, as coisas pouco a pouco começaram a mudar: reportagens sobre a situação das escolas iam aparecendo, geralmente associadas à infraestrutura física, qualidade da merenda, falta de vagas em creches ou a desvios de recursos. Lembro de que, quando assumi a Secretaria de Educação do Rio, conversei com cada jornal da cidade dizendo que disponibilizaria os dados de aprendizagem da rede municipal de Educação, que passaram a ser acompanhados a cada bimestre (avaliação formativa) e anualmente, por meio da Prova Rio e do AlfabetizaRio (avaliação somativa), para que pudesse haver pressão social por qualidade, e não só por infraestrutura.
Afinal, ao menos nos anos iniciais do ensino fundamental, as crianças estavam na escola, mas claramente não estavam aprendendo como deveriam. Este problema não é só do Brasil. Lant Pritchett, em seu excelente livro The Rebirth of Education: Schooling Ain’t Learning, mostra a extensão do que ele chama de crise mundial da aprendizagem. Com a tardia mas rápida expansão do acesso à educação depois do estabelecimento, em 2000, das Metas do Milênio, em muitos países professores foram recrutados em grande número, a profissão perdeu prestígio e pouca atenção foi dada à aprendizagem dos alunos, muitos deles vindos de famílias com reduzida ou nenhuma escolaridade.
Só muito recentemente a aprendizagem começou a ser tematizada no Brasil. Teve importante papel na introdução do tema nas pautas jornalísticas o surgimento do movimento Todos pela Educação, em 2006. O movimento foi construído a partir da constatação de que não havia ainda no País pressão social por qualidade no ensino. Esta constatação era corroborada por uma pesquisa feita à época pelo Ibope em parceria com a iniciativa Educar para Crescer, para identificar as percepções da população sobre a qualidade da educação no Brasil e, em particular, da escola das crianças da família. O resultado foi surpreendente: havia uma visão crítica em relação à educação no Brasil, mas a escola dos filhos recebia, numa escala de 0 a 10, nota 7. Ou seja, os entrevistados estavam razoavelmente satisfeitos com a escola pública ou particular, o que certamente significaria que não fariam pressão para a qualidade do ensino melhorar.
Assim, uma iniciativa como o Todos poderia ser um elemento que ajudasse a criar maior controle social e pressão por melhorias no ensino, além de tentar terminar a tarefa inconclusa de colocar todas as crianças na escola e mantê-las na série correta para a idade.
Tive a honra de constar entre os fundadores do movimento e integrar o seu Comitê Técnico. Pudemos ajudar o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) a construir um indicador de qualidade da educação básica, o Ideb. Este indicador permitiria, caso a Prova Brasil se tornasse censitária, como de fato ocorreu, não apenas à população em geral acompanhar o estado da educação no País e em cada unidade subnacional, como a cada pai de aluno conhecer a evolução do processo de ensino-aprendizagem na escola do seu filho. Para isso, foram criados pelo Inep pequenos cartazes com o indicador para cada escola, sua evolução no tempo e a meta estabelecida para a unidade. Estes cartazes estavam afixados nas escolas (na parte interior dela) quando cheguei ao Rio de Janeiro e assumi o cargo de secretária municipal de Educação. Os pais, nessa circunstância, não tinham acesso à informação de como estava a escola dos filhos, a não ser que entrassem no prédio e soubessem interpretar os dados.
Aí entra o papel da imprensa e da cobertura jornalística sobre educação no Brasil. Na própria composição e forma de organização do Todos pela Educação, o importante papel social da imprensa estava previsto. Assim que foram liberados os resultados da primeira edição do Ideb ou mesmo da Prova Brasil, que informava a parte referente a aprendizagem do índice (a outra refere-se ao fluxo, ou taxa de aprovação dos alunos), relatórios de avaliação foram enviados à imprensa, tanto pelo Inep quanto pelo Todos.
A essa altura, alguns jornalistas já estavam mais avançados na análise de dados educacionais, ou ao menos na cobertura de iniciativas inovadoras em educação, tanto no que se refere a inclusão quanto a qualidade. Além de veículos especializados, dirigidos a professores ou dirigentes públicos, a grande imprensa passou a contar com profissionais aptos a entender os desafios da educação brasileira e a analisar os dados. Dentre os pioneiros estão o Gilberto Dimenstein, a Monica Weinberg e o Antônio Gois. O Gilberto acabou focando mais na inclusão da juventude e na interessante relação entre bairro, artes e juventude, mas o Antônio Gois ficou centrado em educação básica. Não por acaso, ambos saíram do Brasil por um período para estudar e tiveram acesso a pesquisas internacionais sobre o que funciona em educação.
A participação da TV e das rádios na cobertura educacional qualificada possibilitou maior acesso da população aos resultados de aprendizagem. Estes veículos ainda abordam sobretudo infraestrutura escolar e desvios de recursos, agendas também importantes, mas de mais fácil trabalho jornalístico. Mesmo assim, a passos lentos, a pauta educacional vai avançando na direção da aprendizagem. Hoje temos vários jornalistas aptos a analisar dados que permitem aferir qualidade.
Depois de diferentes edições do Pisa e de resultados do Ideb, ficou mais fácil identificar casos de sucesso e, com isso, descobrir o que faz com que certos sistemas escolares (nacionais ou subnacionais) e escolas tenham, com os mesmos recursos, melhores resultados que outros. Hoje sabemos que o Vietnã tem resultados superiores aos dos Estados Unidos e que Xangai conseguiu superar a Finlândia especialmente em matemática. Sabemos também que a Polônia teve uma evolução importante a partir de reformas educacionais bem desenhadas. Por outro lado, podemos comparar escolas e observar que algumas em condições bastante desfavoráveis têm Ideb superior a outras em bairros de classe média e tentar entender o que leva a tais resultados. Analisar estas diferenças e extrair informações úteis para o exercício da cidadania é tarefa para jornalistas com preparo específico.
Novas gerações de jornalistas começam a trabalhar no setor. É certamente tarefa dos veteranos atuar como seus mentores e facilitar sua jornada. As crianças do Brasil agradecem!
Claudia Costin é diretora global de Educação do Banco Mundial
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