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Pouco mais da metade (62%) dos jovens terminaram a etapa da Educação Básica
O número preocupa: 15 milhões de jovens entre 18 e 29 anos não concluíram o Ensino Médio no Brasil em 2014, segundo mostra um estudo inédito realizado pelo Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária). De acordo com a pesquisa,pouco mais da metade (62%) dos jovens terminaram a etapa da Educação Básica. Uma estatística que alarma, mas que já foi pior – em 2005, o percentual ficava em torno de 46,8%.
Esses jovens podem ser divididos em dois grupos: os que abandonaram a escola e os que continuaram a estudar, mas estavam defasados nas séries escolares. Infelizmente, o primeiro grupo é maioria (79%). Entre aqueles que permanecem na escola, cerca de 82% cursavam o Ensino Médio, 17%, o Fundamental e 1%, a alfabetização de jovens e adultos.
Dados como esses mostram como a etapa continua marcada pela evasão e pela distorção idade-série. “A ineficiência do sistema escolar é evidenciada pela reprovação. Os jovens nessa faixa etária que ainda estão na escola sofreram várias reprovações e todos os estudos mostram que reprovação gera mais reprovação e não aprendizado”, analisa Antônio Augusto Gomes Batista, coordenador de pesquisa do Cenpec.
Para o pesquisador, reprovar deixa os alunos cada vez mais desestimulados, deslocados e, portanto, distantes da escola. “Não se trata de uma defesa da aprovação automática, mas de que a escola tenha mecanismos de monitoramento para intervir quando perceber que o aluno não está aprendendo. O professor só descobre que o aluno não sabe e toma medidas praticamente no final do ano, quando não há mais nada que possa ser feito”.

Antônio Augusto Gomes Batista, coordenador de pesquisa do Cenpec
Antônio Augusto Gomes Batista, coordenador de pesquisa do Cenpec

Outro conhecimento importante trazido pela pesquisa foi o perfil dos jovens que não concluíram o Ensino Médio e não voltaram a estudar. A maioria é do sexo masculino (56,8%), negra (67,3%), de baixa renda (41,1% entre os 25% mais pobres) e de trabalhadores (65,8%).
Sobre a maioria masculina, é possível apontar como causa o estigma de que meninos mais pobres, brancos ou negros, são violentos e que fazem resistência à escola. “Há um mito muito arraigado em nossa sociedade de que esses meninos não devem ser confiados. Isso gera uma internalização dessa imagem que os segrega”, diz Batista.
Uma segunda razão está na própria socialização masculina, baseada em uma cultura que nega tudo que é aparentemente feminino. “Para ser macho, homem de verdade, é preciso aderir a certa cultura de transgressão, de negação de valores tidos como mais femininos como a organização, a dedicação, a disciplina. Até coisas como ter letra boa, falar português padrão ou a leitura são vistos por muitos jovens como algo feminino. Então, há a negação da cultura escolar por ser ‘feminina’”, explica.
O abandono escolar relacionado à baixa renda familiar per capita está ligada à necessidade de complementar a renda da casa, isto é, ao ingresso no mercado de trabalho. “Outro fato que dificulta sua retenção é que aqueles que abandonam a escola têm rendimento maior do que aqueles que continuam estudando e trabalhando. Embora com o passar do tempo o rendimento caia gradativamente e isso se inverta”.
A razão da alta presença de negros, por sua vez, está nas raízes que sustentam as desigualdades raciais no país. “Há estudos que mostram que os professores, muitas vezes sem se darem conta, tendem a privilegiar os alunos brancos. Por exemplo, na Educação Infantil, dão mais afeto aos brancos do que aos negros, na hora de chamar alguém para falar chamam os brancos. etc. Os alunos negros são como que invisíveis, como se eles fossem piores do que os outros”. Em outras palavras, há na escola um racismo silencioso, uma preferência no cuidado, na cobrança, na hora de dar privilégios aos alunos de acordo com sua raça.
Diante de tantos obstáculos, quais estratégias podem influenciar esses jovens a permanecerem na escola? Para Batista, a principal é mudar a crença de que a reprovação é educativa. “O que precisamos são desses mecanismos de reparação de aprendizagem, tentar intervir ao longo do ano antes que seja tarde demais”.
Outro ponto importante é que, ao longo do Ensino Médio, os jovens estão construindo sua identidade pessoal, tentando descobrir quais são seus talentos, desejos, futuro. Esse é um momento excepcional para os processos de aprendizagem, durante o qual os alunos mais querem saber sobre si e o mundo que os cerca.
Se a escola auxiliar esse processo de construção, ela se torna um espaço com o qual o jovem pode contar. “Esse é o grande antídoto do abandono, mas para isso a escola tem que pensar sem preconceitos. O importante é procurar dar respostas para esses anseios tendo em vista o mercado de trabalho, mas sem abandonar outras coisas que são essenciais ao aluno, como estar junto a outros jovens, se divertir e conhecer o mundo através das ciências, das artes, etc.”, conclui.