25 de novembro de 2016

Armas sem lei


25/11/2016  Folha de S.Paulo

Por tradição histórica, por razões de autoimagem e também, sem dúvida, por sua relativa equidistância geopolítica, o Brasil desfruta da invejável condição diplomática de ser um "país sem inimigos" —esta a frase de que se valem, com tanto orgulho quanto alívio, os profissionais da área.
Pode passar despercebido, em tal contexto, o fato de que ao mesmo tempo o Brasil ocupa um posto não negligenciável entre os maiores exportadores de armamentos leves, só sendo superado por Estados Unidos, Itália e Alemanha.
Não há como propor, de maneira realista, que se obedeça à ética generosa do Sermão da Montanha nas transações internacionais. São contudo preocupantes os argumentos expostos pelos pesquisadores Nathan B. Thompson e Robert Muggah em artigo publicado nesta Folha.
Já seria desconfortável saber que têm origem brasileira vários equipamentos utilizados na repressão de manifestações populares em países notoriamente desrespeitadores dos direitos humanos, como os do Golfo Pérsico, ou de frágeis credenciais democráticas, como a Venezuela.
O caso se torna bem mais grave quando se levam em conta notícias de que armas brasileiras têm sido encontradas não apenas nas mãos de governos constituídos, como também de traficantes.
Objeto de contínua política de estímulo governamental desde o regime militar, a indústria de armas brasileira beneficiou-se, recentemente, de isenções tributárias no governo Dilma Rousseff (PT).
A lógica de tais estímulos pode ou não ser revista, segundo critérios intrínsecos ao interesse econômico do país. É o que ocorre em qualquer nação do mundo, sendo certamente ingênuo esperar que o Brasil se comporte de modo diverso.
Não é ingênuo, todavia, desejar que, pelo menos, o país não se destaque negativamente no conjunto das nações ao esquivar-se de regras consensuais no que tange ao comércio de armamentos.
Apesar de tê-lo assinado, o Brasil continua sem ratificar, no Congresso, um tratado internacional de 2013 sobre o tema, que compromete os países-membros a não transferir armas para governos suspeitos de genocídio e graves violações de direitos humanos.
Não se trata apenas de um imperativo moral: colocar-se à margem de tratados internacionais é caminho certo para incentivar o isolamento político e comercial de um país como o Brasil, que só tem a ganhar quando reforça a imagem positiva de que, sem dúvida, ainda desfruta no mundo.

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