Sem educação de qualidade para todos, não se consegue crescer ao mesmo tempo em que se reduz a desigualdade
Ana Maria Machado, O Globo
Durante todo o mês de outubro, coordenei um ciclo de conferências na Academia Brasileira de Letras, sobre Planejamento e Políticas Públicas. Como o jornalista Merval Pereira já comentou em dois artigos no último fim de semana, as palestras acabaram indo além do exame dos nossos aspectos econômicos. Abriram seu foco e discutiram muito a educação. Não é de surpreender.
Afinal, se o desenvolvimento inclusivo é o principal desafio da sociedade brasileira, não há como desconhecer que, sem educação de qualidade para todos, não se consegue crescer ao mesmo tempo em que se reduz a desigualdade. Mesmo quando o estímulo ao consumo pode dar a impressão passageira e ilusória de que se está no caminho certo — como ocorreu em anos recentes.
E não basta comprar a própria consciência com uma retórica sobre respeito à diversidade e às diferenças existentes entre as pessoas. É preciso garantir-lhes efetiva igualdade de oportunidades — coisa que só uma educação democrática e competente pode assegurar. Infelizmente, estamos longe disso.
Mesmo quando o slogan oficial engambelava com promessas de pátria educadora, fomos incapazes de nos aproximar da questão real. E agora, quando o governo propõe uma reforma do ensino médio (e precisava ser por medida provisória?), não conseguimos debatê-la a sério, pesar com atenção o que é sugerido, ler as propostas concretas para poder discuti-las.
É indispensável examinar o quadro todo, abandonar chavões superficiais, ir além do debate rasteiro sobre ocupação de escolas, liberdade de manifestação versus respeito ao direito alheio ou eventual conjugação de corporativismo, idealismo juvenil e manipulação de inocentes. Ainda mais neste momento demográfico, em que temos a maior juventude de todos os tempos em nossa história, o que deve agora começar a decrescer.
Convém parar de repetir bobagens sobre a PEC do teto, não mais confundindo limite de gastos públicos totais com cortes de verba para educação — como tão claramente mostrou Cristovam Buarque, senador que tem autoridade moral para isso. Foi o criador do Bolsa Escola e é um dos maiores defensores da educação no país.
Mas, ao propor a sensatez no debate virou um Judas, a apanhar de tudo o que é lado, apenas por trazer uma análise óbvia. O que os especialistas sérios e racionais mostram com clareza é a relação entre educação e economia, a confirmar que a melhor política social é a boa política econômica.
Não apenas em termos individuais, na constatação inescapável de que quem estuda tem mais condições para se habilitar a uma remuneração melhor por seu trabalho. Mais que isso. Se ampliarmos o foco, reconhecemos outra evidência: a de que a educação precisa melhorar a produtividade para poder acarretar desenvolvimento para o país e a sociedade. Não precisa ser um gênio para entender, basta não usar antolhos.
Se as medidas para reduzir a desigualdade se apoiarem em aumentos salariais necessários mas descolados da produtividade (e crescendo mais rápido do que ela), e se os trabalhadores passarem a ganhar mais sem produzir mais, pode até haver uma redução da desigualdade de início, mas não dá para sustentar isso por muito tempo.
Desemprego e baixo crescimento serão a consequência, e tendem a aumentar novamente a desigualdade. Os mais vulneráveis serão sempre os mais pobres, de famílias menos educadas e com menos chances de aprendizado. Aqueles que já são vítimas de nosso desastroso e persistente atraso educacional. Ainda mais numa época de vertiginosa rapidez nas transformações tecnológicas e sociais.
Não se trata só de diminuir o nível da injustiça (o que já não é pouco nem fácil), mas de manter a velocidade de sua redução, para não ser ultrapassado. Custa caro. Apenas os gastos públicos no modo assistencial não dão conta de cobrir tudo. Além das despesas, é preciso uma solidariedade inteligente de todos, valorizando a educação, sendo flexível para reconhecer experiências bem-sucedidas e aprender com elas.
Sem querer ser dono da verdade, nem impor centralismos autoritários e rejeitar aquilo que não reze exatamente pela cartilha prévia ou manual ideológico. Mais democracia faz bem. Talvez assim seja possível nos livrarmos da maldição que ecoa no desalento de Darcy Ribeiro, grande batalhador da educação no Brasil, ao descrever, há três décadas, a precariedade da rede educacional pública brasileira como uma máquina de prodigiosa magnitude, capaz de, então, produzir meio milhão de analfabetos adultos por ano.
Não sei quais seriam hoje os números. Mas, mesmo sem saber com exatidão, vejo que a economia cobra com rigor esse descalabro. Nesse processo em que, ainda segundo Darcy, o professor finge que ensina, e o aluno finge que aprende, precisamos como um todo abrir nossos horizontes para mudar de patamar na discussão, com mais largueza e menos carimbos prontos e palavras de ordem.
É premente. Cada vez dá menos tempo. Lembrando a eterna lição de Guimarães Rosa: mestre não é quem sempre ensina mas quem, de repente, aprende.
Foto:Pablo Jacob / Agência O Globo
Ana Maria Machado é escritora
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