14 de março de 2017

FELIPPE ANGELI Mercadores do medo, (estatuto do desarmamento)


Este ano começou com sinais claros do aprofundamento da crise da segurança pública. Em menos de dois meses, o Brasil assistiu aos massacres em presídios para logo depois conhecer o caos no Espírito Santo.
Não são episódios isolados. A crise fiscal colocou Estados em dificuldade perante o funcionamento de suas polícias, como já eram os casos do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. Infelizmente, não há grandes perspectivas de melhora rápida.
Neste ambiente, em que todos sentem a piora na sensação de segurança, entusiastas do aumento da circulação de armas de fogo aproveitam para promover sua agenda, encontrando eco numa população que perde a esperança no Estado.
Os apelos por autodefesa e pelo armamento da população passam a ser explorados como a solução para o problema da segurança. Assim, o Estatuto do Desarmamento é visto como o principal empecilho para a paz social.
Embora a propaganda armamentista se apoie na ideia de que é impossível comprar uma arma no Brasil, as pesquisas indicam alta nesse tipo de comércio. Dados do Exército mostram que, em 2015, 117 mil armas foram vendidas. A partir de 2010, o número de armas registradas por cidadãos saltou 100%, contabilizando 25 mil novas em 2014.
Nesse mesmo ano, somando-se empresas de segurança privada, a Polícia Federal emitiu 36 mil registros de novas armas, enquanto outras 10 mil já registradas -1/3 do total- foram roubadas ou furtadas, retroalimentando o mercado ilegal.
O projeto de lei que busca revogar o Estatuto do Desarmamento promove um jogo semântico bem-sucedido: ao se colocar como Estatuto do Controle de Armas de Fogo, soa como uma alternativa legislativa que vai permitir o comércio a partir de regras, em contraposição à lei vigente que impede a defesa da família.
O fato é que esse projeto permite o registro de armas por pessoas investigadas por qualquer crime. Autoriza o mesmo para condenados por crimes culposos. Permite que alguém possa andar armado na rua após curso prático de apenas dez horas, tempo sete vezes inferior ao necessário para ter a habilitação de um automóvel. Como se não bastasse, pulveriza o controle do registro de armas entre a PF e os Estados.
Embora o projeto de lei não controle a circulação de armas, mantém o controle do mercado nacional na mão de um monopólio. As Forjas Taurus, grupo financiador de 20% dos deputados da comissão especial da Câmara que aprovou o projeto, se mantêm numa posição privilegiada.
Empresa notória pelas falhas em seus armamentos, celebrou acordo em que aceitou pagar cerca de US$ 40 milhões numa ação coletiva movida nos EUA. No Brasil, a mesma Câmara dos Deputados realizou uma audiência em 2016 em que vítimas de disparos acidentais de armas Taurus e representantes do Exército e da indústria foram ouvidos. O Estatuto do (des)Controle de Armas de Fogo colocará mais armamentos, e de péssima qualidade, nas ruas.
A crise da violência já ultrapassou todos os limites do aceitável. No entanto, responsabilizar o Estatuto do Desarmamento por isso, e afirmar que sua revogação é a panaceia que irá nos salvar, só traz benefícios aos que possuem interesse nesse comércio. Que o medo não divida nosso país com armas nas mãos.
FELIPPE ANGELI, advogado, mestre em ciências políticas pela Université Paris II - Panthéon Assas (França), é coordenador de advocacy do Instituto Sou da Paz

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