Para escritor, sociedades da região são regidas por lógicas economicistas que buscam gerar produtos e consumidores
Chileno vem ao Brasil para debates e afirma que população deve ir às ruas também na área cultural
As políticas culturais dos governos latino-americanos dão pouca importância à cultura e à criatividade. As sociedades do continente são dirigidas por lógicas economicistas, que buscam gerar produtores e consumidores. "Quem não consome e não produz está um pouco fora do jogo."
O diagnóstico é do premiado escritor chileno Antonio Skármeta, 72.
Autor de textos que viraram filmes famosos como "O Carteiro e o Poeta" e "No", ele estará no Brasil entre 15 e 18 de maio para participar de debates, inclusive da abertura da 30ª Feria del Libro, no Colégio Miguel de Cervantes.
Para ele, a falta de "energia criativa" na região faz com que muitos escritores busquem horizontes culturais mais amplos em outros lugares do globo. "Eles não têm culpa", afirma.
O chileno observa que "os escritores relevantes da literatura latino-americana fazem literatura de origem latino-americana nos EUA, escrevendo em inglês, ou estão vivendo na Europa". Cita o caso dos argentinos Rodrigo Fresán e Andrés Neuman, que vivem na Espanha.
Skármeta estudou filosofia, teatro e literatura. Avalia que a geração que tem como expoente Gabriel García Márquez "foi conquistadora, estabelecendo o imaginário da América Latina para o mundo".
E agora? Por telefone, de Santiago do Chile, responde:
"Há bons escritores jovens em quase todos os países. O problema é que são conhecidos só em seus lugares. Se não são publicados por uma grande editora espanhola, não circulam. Os países estão muito separados culturalmente. É preciso passar pela Espanha para ser conhecido. No Brasil acontece o mesmo".
Entusiasmado com a mobilização estudantil no Chile, Skármeta defende que "a população saia às ruas para fazer mudanças" também na área cultural. "Os movimentos sociais têm que participar do jogo político, não devem ficar apenas como consciência crítica. Só assim se pode produzir uma mudança gradual."
Para as eleições presidenciais deste ano, o escritor aposta um champanhe na vitória de Michelle Bachelet (centro-esquerda). E pede um referendo para mudar a Constituição herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
"O país é democrático, não a Constituição, que dá mais poder à direita. Por isso os processos de renovação e de aprofundamento da democracia são muito lentos", diz.
NERUDA
Skármeta escreveu muito sobre a história do Chile e sobre Pablo Neruda (1904-1973). Fez "Neruda por Skármeta" (lançado aqui em 2005) e "O Dia em que a Poesia Derrotou um Ditador" (2012, no Brasil). Nesse último mostra como funcionou o terrorismo de Estado de Pinochet em escolas, contra professores e alunos.
Ele comenta sobre o processo de exumação dos restos mortais de Neruda, que morreu apenas dez dias após o golpe de Pinochet.
"Sempre acreditei que Neruda havia morrido de câncer. Agora começa essa investigação, pois há suspeita de que ele possa ter sido assassinado. Se ficar provado que ele foi assassinado, vai haver uma indignação muito grande, algo emocionalmente muito forte no Chile e no mundo. Neruda era um poeta universal", declara.
BOSSA NOVA
Literatura e cinema têm se cruzado de forma intensa na vida de Skármeta. A primeira versão em filme de "O Carteiro e o Poeta" foi dirigida por ele mesmo em Portugal. Não foi uma boa experiência:
"Não quero mais dirigir. Como diretor de cinema penso e atuo como um escritor. Há um projeto de fazer um filme com um diretor brasileiro. Estamos no começo [não quer dizer o nome]."
Mas é na escrita que Skármeta fala que obtém mais prazer. "Escrever é completamente livre. Tenho toda a responsabilidade sobre as loucuras que invento. Sou eu sozinho com o meu próprio coração. Se fracasso, pego a página impressa e jogo no lixo. Se creio que tenho êxito, publico e levo aos leitores", afirma.
Ele conta que costuma escrever de três a quatro horas pelas manhãs. À noite, reserva uma hora para o trabalho: "Pego uma garrafa de vinho chileno, tomo duas taças e vêm as ideias. Escrevo no computador, ouvindo bossa nova".
No momento, ele produz um livro sobre a força da América Latina nas culturas anglo-saxônicas, sobretudo de latino-americanos nos EUA. De suas leituras recentes, Skármeta elogia contos de Dalton Trevisan e "Budapeste", de Chico Buarque.
Do Brasil, gosta das feiras de livros. E de uma em especial: a de Santa Cruz do Sul (RS), onde fez amigos entre poetas, escritores e músicos.
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