24 de maio de 2013

HÉLIO SCHWARTSMAN, Gratificação na polícia


Folha de S.Paulo, 24/5/2013

SÃO PAULO - Sou simpático à ideia de usar bônus salariais para estimular a produtividade no serviço público, como o governo de São Paulo pretende fazer com a polícia. Nós, humanos, somos, afinal, um bando de primatas hipersociais e moderadamente hierárquicos. Ligamos para a posição que ocupamos na sociedade e ela é em alguma medida definida pelos números impressos em nossos contracheques.
O problema com essa estratégia é que o dinheiro é eficiente demais. Ele faz com que busquemos as metas estipuladas com determinação --o que é bom--, mas também modifica de forma radical a lógica do trabalho a ser executado --o que pode gerar efeitos adversos.
O mais óbvio deles é que policiais falseiem as estatísticas para assegurar o prêmio sem a necessidade de combater o crime de verdade. Outro perigo é que, como uma parte da gratificação estaria restrita à parcela mais bem avaliada, se instaurasse a rivalidade entre os agentes. Mas, mesmo que fossem todos santos, colaborassem sempre uns com os outros e não manipulassem números, ainda assim o bônus produziria distorções. A tendência é que a meia dúzia de parâmetros que entra no cálculo da meta --itens como redução de homicídios, roubos, furtos etc.-- recebesse a atenção total da corporação, relegando ao esquecimento aspectos menos salientes, mas igualmente importantes da atividade policial, como zelar pela paz pública e tratar com respeito os cidadãos.
Uma possível solução parcial para essa dificuldade seria deixar que um programa de computador sorteasse diferentes combinações de parâmetros para compor a meta de cada unidade a cada semestre. Sem ter muita certeza de quais itens estão sendo avaliados, a melhor estratégia para conseguir o bônus seria agir o tempo todo como um bom policial. Na era do "big data" em que estamos entrando, tal nível de sofisticação já não é algo inalcançável.

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