31 de janeiro de 2018

PROFESSORES PERCEBEM FATORES SOCIAIS COMO JUSTIFICATIVA PARA FRACASSO DE ALUNO

 Luiza Bandeira 30 Jan 2018 (atualizado 31/Jan 10h44) Para especialistas, docentes precisam de mais formação para se verem como protagonistas no processo de alfabetização e educação 

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 Dados da Prova Brasil, do MEC, mostram que professores brasileiros consideram que a família e a origem socioeconômica do aluno são fatores mais importantes para justificar problemas de aprendizagem que a própria atuação do docente e da escola. O levantamento foi feito pelo Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) com exclusividade para o Nexo. Quando questionados, 94% dos professores apontaram a falta de acompanhamento dos pais como possível explicação para maus resultados. Fatores ligados à gestão e ao professor, como desestímulo e sobrecarga dos docentes, foram citados por 30% (era possível escolher mais de uma resposta). Para especialistas, os resultados indicam percepção de pouca importância do papel e da capacidade do professor para melhorar resultados escolares. Para mudar esse cenário, apontam a necessidade de mudanças na formação dos professores e profissionalização da carreira. Como foi feito o levantamento O Iede analisou dados da Prova Brasil - avaliação feita pelo Inep, do Ministério da Educação - de 2015. O exame tem um questionário que é aplicado a alunos e professores. Foram analisadas as respostas de 262.417 professores do 5º e do 9º ano do ensino fundamental da rede pública. Uma das perguntas era: “Na sua percepção, os possíveis problemas de aprendizagem dos alunos das série(s) ou ano(s) avaliado(s) ocorrem, nesta escola, devido à/ao(s):”. Falta de acompanhamento dos pais foi citada por 94% dos docentes. A segunda alternativa mais citada foi desinteresse e falta de esforço do aluno, e 83% citaram o meio social em que o estudante vive.   Já questões ligadas ao professor e à gestão foram menos mencionadas. Sobrecarga de trabalho, que dificulta o planejamento e o preparo das aulas, foi citada por 30% dos docentes, enquanto insatisfação e desestímulo do professor com a carreira docente foram mencionados por 29%.   O papel da família e do professor Há um debate, no campo da educação, sobre o papel da família e da escola no aprendizado do aluno. Uma das pesquisas mais importantes na área, o relatório Coleman, feito nos anos 1960, sugeria que a diferença no desempenho dos alunos estava relacionada a sua origem e condição socioeconômica, e não à diferença entre escolas. O relatório, encomendado pelo governo americano após a aprovação da Lei de Direitos Civis, se tornou um marco na área de educação. Já na década de 1970, estudiosos procuraram desfazer essa ideia de que a escola e o professor não faziam diferença. Essas pesquisas apontavam problemas metodológicos no relatório de Coleman e em outros semelhantes, afirmando que elas não consideravam, de início, a condição social dos alunos. Por isso, não conseguiam verificar o quanto a escola melhorava os resultados daquele aluno em relação ao que ele teria alcançado sem ela. Atualmente, a maior parte dos especialistas reconhece que a origem do aluno tem papel importante, mas afirma que o desempenho do professor e da escola também têm impacto. Ernesto Martins Faria, diretor do Iede, afirma que ensinar alunos com perfil socioeconômico baixo é mais desafiador. Para ele, porém, isso não pode significar que essas crianças aprendam menos. “A escola tem que compensar para que eles estejam em um nível semelhante a alunos em outra faixa de renda. Isso de fato é uma escola que promove oportunidades. Isso passa por melhores condições de trabalho, por ter mais recursos, e as críticas dos professores são legítimas. Mas a gente não pode ter menores expectativas em relação a esses alunos”, afirmou ao Nexo. Falta de protagonismo Para especialistas, as respostas dos professores indicam que eles não se veem em papel de protagonismo, dando mais importância a fatores externos como determinantes para o desempenho do aluno. “Esses dados são muito sérios porque nos colocam cada vez mais longe da solução do problema. Percebe-se a não profissionalização do professor. Quando ele não se reconhece como um profissional que faz a diferença, joga a responsabilidade na família, no aluno, na pobreza…” Pilar Lacerda Diretora da Fundação SM Brasil e ex-secretária de Educação Básica do MEC Guiomar Namo de Mello, diretora da Ebrap (Escola Brasileira de Professores), diz que o discurso é imobilizador. “A origem socioeconômica da criança não está no nosso controle, não faz parte da nossa governabilidade. Então eu preciso mexer na única variável sobre a qual tenho controle. Investir em formação, carreira, ingresso, educação continuada”, afirmou ao Nexo. Além desses problemas estruturais, ela vê ainda uma questão individual que prejudica o desempenho do aluno. “[Culpar fatores externos] é pegar a batata quente e jogar para frente. Mostra certo descompromisso [do professor], falta de engajamento no trabalho”, disse.  Já Francisco Soares, da UFMG e ex-presidente do Inep, afirma que os exemplos brasileiros de sucesso ocorrem no nível do sistema, e não do professor individualmente. “Não se constrói educação de qualidade com heroísmo, mas com processos pedagógicos seguidos rotineiramente”, afirmou ao Nexo. Ele discorda dos demais especialistas ao interpretar os dados do questionário. Para Soares, os dados não nos permitem dizer se os professores percebem que sua ação pode vencer as limitações escolares e sociais. O que fica claro, afirma, é que eles acreditam que há um impacto social grande. “Eu sei que muitos se escondem atrás disso. Mas onde os pobres aprendem é porque os professores mostram que sua ação é mais poderosa.” Possíveis soluções Para o Iede, é preciso trabalhar dois aspectos para que os docentes se sintam protagonistas no processo de aprendizado: autoeficácia e profissionalização da carreira. O primeiro termo se refere à necessidade de que o professor aumente suas expectativas em relação ao resultado das próprias ações, vendo que pode ter um impacto no aprendizado até dos alunos de baixa renda. O segundo aspecto se refere à formação e condições de trabalho. Dados do questionário Talis, da OCDE, indicam que os próprios professores reconhecem que precisam de mais formação. Análise do Iede mostra que, entre professores de 34 países (ou entidades subnacionais), os brasileiros foram os que mais disseram “precisar muito” de desenvolvimento profissional em quatro áreas, entre elas educação especial (60%) e ensino em ambiente multicultural (46%).

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