Neste ano, 190 mil foram da rede privada para estadual em SP, alta de 25%
Problemas financeiros e inclusão no ProUni são explicações citadas por estudantes que fizeram a mudança
A estudante sugeriu mudar para uma escola pública, mas a mãe resistia à ideia. Giovanna, então, esperou fazer 18 anos e se matriculou por conta própria na escola estadual Romeu de Moraes, na região da Lapa (zona oeste de SP).
O número de alunos que, como ela, deixam a rede privada e vão para a estadual cresceu 25% desde 2011, segundo a Secretaria da Educação de São Paulo. Neste ano, 190 mil estudantes fizeram esse movimento, dos quais 118 mil na capital e Grande São Paulo. Em 2011, eram 151 mil.
Além de razões econômicas, há quem mude para a rede estadual para entrar em programas como o ProUni, que oferece bolsas em universidades privadas para alunos de baixa renda. Para ser selecionado, é preciso ou ter estudado em escola pública ou em privada com bolsa integral.
É o motivo apontado por Victtoria Bernardo, 17. "A maioria [migra] por causa da cota", diz. Quando mudou para a escola estadual, ela achou o ensino mais fraco. Pretende fazer um curso para complementar os estudos, mas se diz satisfeita.
Estudantes que conversaram com a reportagem elogiaram o empenho dos professores na rede estadual, embora critiquem a frequência com que faltam às aulas.
A infraestrutura deficitária, às vezes, prejudica atividades letivas. Na escola Romeu de Moraes, alunas gastam tempo de aula para varrer a sala quando faltam faxineiras.
A unidade diz que orienta os estudantes a manterem o local limpo, mas não os obriga a fazer faxina.
Priscila Halcsik, diretora, relata que alguns alunos chegam da rede privada "como se mandassem" na escola. "Coisa de adolescente", diz. "Depois vão se adaptando."
Victor Hugo Marques, 18, disse que sofreu gozação dos colegas da escola privada quando contou que mudaria para uma pública. "Disseram que eu era moiado' [gíria para dizer que algo é ruim]."
Seu desempenho melhorou, diz, e o interesse pelos estudos cresceu. "Os laboratórios eram bem mais modernos [na particular], mas nunca pusemos os pés lá dentro."
No Ideb, índice federal de qualidade da educação, a rede privada de São Paulo teve nota 5,6 para o último ano do ensino médio em 2013 (escala de 0 a 10). A média da estadual é de 3,7. Nem uma rede nem outra cumpriu a meta.
Na periferia, mãe gasta 20% do salário em escola privada
Pais dizem escolher ensino particular para proteger filhos da violência
Alunos têm aulas de canto gospel e religião; instituições proíbem palavrões e obrigam a usar uniforme
Na região do Capão Redondo (zona sul de São Paulo), uma das mais violentas da cidade, escolas públicas e privadas separam dois grupos, às vezes, até na mesma rua: o de famílias vistas como "organizadas" e o de outras com menos condições.
Pais com renda mensal inferior a R$ 1.000 optam por desembolsar um quinto do salário numa escola particular para afastar o filho da violência, tráfico de drogas e indisciplina que temem encontrar nas escolas públicas.
Em troca, encontram instituições, em geral, religiosas, nas quais se proíbe palavrões e se exige o uso de uniformes.
Nesses locais, "todos os alunos têm pai e mãe, roupa lavada, comida na mesa e TV a cabo", definiu um professor que não quis ser identificado. "Mais difícil é trabalhar com aluno cujo pai está preso, a mãe trabalha fora e quem cuida é o vizinho."
A escola adventista Casi fica numa travessa da estrada de Itapecerica, na zona sul, a metros de distância de uma favela. Os alunos têm aula de ética e educação religiosa, canto gospel e inglês.
Mesmo sendo católica, a manicure Sílvia Pereira prefere manter a filha no Casi a colocá-la numa pública. "Acho que não cuidam direito", diz. Para isso, ela desembolsa todo mês R$ 220 de seu salário de R$ 1.000.
"Faço esse sacrifício, porque tenho medo da violência. Meu vizinho diz que, na escola pública, ninguém respeita ninguém", conta.
A vendedora Tatiana dos Santos paga R$ 400 para a filha estudar no colégio católico São Vicente de Paulo, no Capão Redondo. A escola pública mais próxima à sua casa "tem muita briga, entra e sai quem quer, o ensino é péssimo e todo mundo ouve funk", observa. "Você fica com medo da companhia, as crianças ficam ao deus-dará."
Na particular, por outro lado, a filha "nunca teve problemas com brigas. Os pais são presentes. As famílias são mais estruturadas", avalia.
FLUXO
A rede privada está em expansão, a despeito do aumento de alunos que deixam colégios particulares para estudar em públicos.
Desde 2011, as matrículas em colégios particulares em São Paulo aumentaram 13,7%, segundo a Secretaria Estadual da Educação.
A pasta não informou quantos alunos deixaram a rede do Estado para se matricular em escolas privadas. No período, a rede estadual de São Paulo perdeu 200 mil matrículas.
precisam cobrar colégios, diz especialista
"Há escolas de boa e de má qualidade tanto no setor público como no privado. A diferença é que, como o setor público responde por 83% do total das matrículas no país, é maior a probabilidade de ter escolas de má qualidade", afirma a ex-secretária paulista da Educação Maria Helena Guimarães de Castro.
Diretora do Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados), ela observa que não é raro um professor acumular trabalho em escolas públicas e em privadas, mas nestas o controle da presença é mais efetivo, diminuindo a insatisfação dos pais.
Para mitigar essa diferença, é fundamental que a família cobre qualidade da unidade pública da mesma forma que cobraria de uma particular, diz Neide Noffs, professora de psicopedagogia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
"O problema não é ir para a escola pública, é o pai abandonar o acompanhamento porque não está pagando", diz. "Ao mudar a escola do filho, o pai tem que mudar também a sua mentalidade." Cabe à família criar ambientes de estudo em casa e cobrar esforço do filho, afirma Noffs.
MOTIVOS
Estudiosos da área de educação avaliam que a migração de alunos do colégio privado para a rede estadual é motivada especialmente por dificuldades financeiras.
Para Valéria Souza, assessora de gabinete da Secretaria Estadual da Educação, além da motivação econômica, a diversidade é um atrativo da escola pública.
Ela cita o convívio com cadeirantes e discussões abertas sobre homossexualidade como exemplos da inclusão social que a rede fomenta.
Souza nota que as escolas de tempo integral atraem pela interação mais próxima do aluno com o professor.
Rafael Amador, 17, deixou o Objetivo para estudar na estadual Alexandre Von Humboldt, onde se sente mais "em casa". "No Objetivo, as pessoas tinham muito dinheiro e iam para a escola porque eram obrigadas. Me olhavam com julgamento", diz.
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