Os cientistas suspeitavam de que a violência contra indivíduos da mesma espécie era uma característica herdada pelos humanos de seus ancestrais primatas, ao longo da evolução. Um novo estudo publicado nesta quarta-feira, 28, na revista Nature acaba de confirmar esta hipótese.
Para realizar o estudo, os pesquisadores analisaram os dados sobre a morte de cerca de 4 milhões de mamíferos, pertencentes a 1024 espécies, incluindo 600 diferentes populações humanas que viveram nos últimos 50 mil anos.
O estudo associou o comportamento violento dos humanos à sua posição na árvore da evolução. Isto é, a linhagem evolutiva da qual vieram os homens tem uma longa história de violência contra membros da mesma espécie, com taxas médias muito mais altas que a observada entre outros mamíferos.
Mas a pesquisa também destaca que fatores culturais influenciam as taxas de violência contra os semelhantes: em sua origem, o homem causava 2% das mortes de outros homens - seis vezes mais do que a média entre outros mamíferos. A taxa subiu gradualmente até chegar ao pico de 12%, na Idade Média, caindo nos séculos seguintes até uma porcentagem 200 vezes menor que a original: 0,01%.
De acordo com os autores do artigo, as origens psicológicas, sociológicas e evolutivas da violência entre humanos tornam difícil distinguir componentes culturais e não-culturais. Por isso eles decidiram usar métodos comparativos normalmente empregados na biologia evolutiva para reconstruir as prováveis taxas de violência letal desde a origem da humanidade, há cerca de 200 mil anos.
A equipe liderada por José María Gómez, do Conselho Superior de Pesquisas Científicas da Espanha, em Almería, utilizou, então, as ferramentas filogenéticas para comparar dados de diversas fontes sobre a morte de humanos e outros mamíferos.
Uma das conclusões do estudo é que a taxa média de violência letal causada por membros da mesma espécie, na origem evolutiva de cada mamífero, é de cerca de 0,3%. À medida que a evolução avançou, a taxa de violência subiu - especialmente entre os primatas.
O ancestral de todos os primatas e roedores tinha taxa de 1,1%. Já o ancestral comum dos primatas, que surgiu mais tarde, tinha taxa de 2,3%. A taxa cai para 1,8% alguns milhões de anos depois, quando surge o ancestral dos grandes símios. Na origem dos humanos, a taxa é de 2%.
Ao longo da história humana, no entanto, as taxas de violência letal variaram amplamente. No paleolítico, a taxa de mortes causadas pela mesma espécie fica próximas dos 2% estimados na origem da espécie. Entre 3 mil anos atrás e 500 anos atrás, as taxas variam de 15% a 30%. Depois disso, declinaram sem parar, especialmente nos últimos 100 anos.
"Essa ascensão tende a se correlacionar com a passagem de um 'estado de natureza' anterior à sociedade para a formação de grupos tribais e, depois, para sociedades politicamente organizadas que tinham uma classe guerreira", disse o biólogo britânico Mark Pagel, da Escola de Ciências Biológicas da Universidade de Reading (Reino Unido), em comentário ao novo estudo publicado também na Nature.
"A pesquisa nos dá boas razões para acreditar que nós somos intrinsecamente mais violentos que o mamífero médio, o que é coerente com relatos antropológicos que descrevem as sociedades de caçadores-coletores como povos envolvidos em constantes batalhas", disse Pagel.
Segundo Pagel, no entanto, as sociedades também podem modificar as tendências inatas dos humanos. "As taxas de homicídios nas sociedades modernas que têm forças policiais, sistemas legais, prisões e fortes atitudes culturais que rejeitam a violência são de 0,01%, cerca de 200 vezes mais baixa que a estimativa dos autores para nosso estado de natureza", afirmou.
O estudo mostrou que, ao longo da História, as mudanças dos níveis de violência entre humanos ocorreram, em geral, em conjunção com mudanças na organização sociopolítica das populações humanas. Esses resultados sugerem que a cultura pode influenciar, entre os humanos, a violência letal evolutivamente herdada, de acordo com Pagel.
De acordo com o estudo, entre os mamíferos, a violência letal contra membros da mesma espécie não é frequente, mas é abrangente: ela existe em quase 40% das espécies de animais pesquisados. Muitos animais têm níveis de violência muito mais altos que o homem - mesmo considerando os humanos em seus primórdios, no 'estado de natureza'.
O suricato é o animal que mais mata membros da própria espécie. A violência dos próprios suricatos é a causa da morte de 19,3% desses animais. Entre os 20 mais violentos, há quatro espécies de macacos e cinco espécies de lêmures - além de um parente próximo destes últimos, o mangusto -, duas marmotas.
Três felinos aparecem na lista: o leão, com taxa de 13,2%, o puma e o leopardo-das-neves, ambos com 11%. O lobo cinzento é o décimo da lista, com taxa de 12,8%. Aparecem ainda animais pouco suspeitos de violência: a chinchila de cauda longa, o esquilo californiano e a gazela-dama.
Os cientistas também identificaram animais que praticamente nunca matam membros da mesma espécie, como o coelhos, as baleias e os morcegos.
Veja abaixo a lista dos 20 animais que mais matam seus semelhantes (os números indicam a porcentagem de mortes provocadas por membros da mesma espécie)
Suricato (19,3)
Macaco de nariz branco (18,1)
Macaco dourado (17,7)
Lêmure pardo (16,6)
Lêmure de cauda anelada (16,6)
Lêmure negro (15,3)
Leão marinho da Nova Zelândia (15,3)
Marmota caudata (14,5)
Leão (13,2)
Mangusto listrado (13,0)
Lobo cinzento (12,8)
Babuino do Cabo (12,3)
Sifaka diademado (lêmure)(12,0)
Chincila de cauda longa (12,0)
Esquilo californiano (11,8)
Gazela dama (11,8)
Puma (11,3)
Leopardo das neves (11,1)
Marmota das estepes (11,1)
Macaco-aranha (11,0)
Humanos (em sua origem): 2,0
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