6 de outubro de 2016

ENEM 2015: Nota perversa


EDITORIAL

Já não se veem alunos jogando cadeiras escada abaixo, relata uma estudante da Escola Estadual Nair Olegário Cajueiro (zona sul de São Paulo), mas o ano letivo começou sem que houvesse docentes para pelo menos três disciplinas e continuou com menos de 40% dos professores especializados nos temas que ministram.
Inexistindo rampas de acesso e estando o elevador quebrado, uma jovem cadeirante depende do auxílio de colegas para chegar ao segundo andar, onde tem aulas. Numa cena de realismo fantástico, a quadra esportiva ficou boa parte do tempo inutilizada devido ao acúmulo de fezes de pombos.
Pior média no Enem (Exame Nacional de Ensino Médio) de 2015 entre as escolas paulistanas, a Cajueiro reúne problemas estruturais que compõem o quadro da rede pública de ensino e produzem óbvios reflexos na qualidade da educação.
O vergonhoso descompasso da educação no Brasil se evidenciou, mais uma vez, com os números divulgados na terça-feira (4). Nada menos que 91% das unidades públicas ficaram abaixo da média nacional no Enem; no sistema privado, esse índice cai para 17%.
A média geral é calculada a partir das notas das quatro provas objetivas: linguagens, matemática, ciências humanas e ciências da natureza. Entre as 100 escolas que se saíram melhor no país, apenas 3 são públicas; entre as 1.000, só 49 —na edição de 2014, eram 93.
Trata-se de cenário desolador, sobretudo porque há indícios de que a situação seja ainda pior.
Como somente se divulgam os dados de escolas em que ao menos metade dos alunos participou do Enem, 60% das escolas públicas não figuram na lista —e é razoável supor que nelas se encontram os jovens mais desestimulados, pois a maioria nem procura essa porta de acesso às universidades.
A escola pública deveria favorecer a igualdade de oportunidades. Como regra, no entanto, alimenta o círculo de exclusão em que o aluno pobre vive desde o berço.
A análise das unidades com as melhores notas atesta a importância da renda no resultado. Das 200 primeiras instituições da lista, 180 possuem alunos com nível socioeconômico alto e muito alto (a classificação leva em conta a escolaridade dos pais, renda e bens da família, entre outro fatores).
É mais que oportuno, portanto, o debate sobre a reforma do ensino médio, ora em análise no Congresso, e a confecção da base nacional comum curricular.
Ampliar a carga horária das escolas, delimitar o conteúdo obrigatório e dar mais autonomia ao aluno na escolha das disciplinas são passos positivos para renovar um sistema hoje condenado ao fracasso.

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