O avanço no Congresso da emenda que limita os gastos do governo provocou medo de grandes cortes na área. Entenda o que muda e o que permanece se a proposta for aprovada
FLÁVIA YURI OSHIMA
13/10/2016 - 20h51 - Atualizado 13/10/2016 22h21
O governo do presidente Michel Temer conseguiu uma vitória importante nesta semana: a aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 241, que limita os gastos totais do governo federal. Ela passou em primeiro turno na Câmara por 366 a 111. A PEC tem pelo menos três votações pela frente no Congresso, mas a primeira aprovação acenou com a possibilidade real de ela se tornar parte da Constituição. Caso isso ocorra, o Congresso terá de trabalhar com limites rígidos no orçamento. O que isso quer dizer?
Significa que, como ocorre com qualquer trabalhador, o Congresso não poderá prever gastos que dependam de receitas futuras e incertas, com projeções infladas, como faz hoje. E o gasto público descontrolado é um fator a alimentar a atual crise econômica. A polêmica gira em torno de quanto a PEC 241 seria a melhor alternativa. Um grande receio é que a área social fique descoberta.
O governo tomou o cuidado de estabelecer regimes especiais para a Saúde e para a Educação. Nessas duas áreas, serão fixados pisos de investimento (as outras áreas precisam apenas respeitar, juntas, o teto de gasto do governo. Mas não há piso de investimento para cada uma). No caso de Educação, a mudança ocorrerá a partir de 2018.Naquele ano, o governo investirá o mesmo valor que investir em 2017 (18% da receita líquida do governo) mais o acréscimo da inflação do ano anterior, medida pelo IPCA.
O governo diz que, assim, a área está protegida. Os críticos mais duros afirmam que a área vai sofrer terrivelmente. A verdade tem nuances entre esses dois extremos.
O que ocorre com a Educação se a PEC não for aprovada?
Permanecerá a regra atual, em que a União tem a obrigação de investir 18% da receita líquida, descontados repasses a estados e municípios, para a área. Num cenário como o atual, em que a inflação é alta e a receita (como a atividade econômica) é baixa, esse repasse também diminuirá (em relação ao que foi investido no último ano). Estima-se que ele será menor do que seria caso a PEC já estivesse valendo. Cálculos que supõem um período de cinco anos até o equilíbrio real das contas públicas indicam que, durante esse período, os repasses para a Educação, com a PEC, seriam maiores do que com a regra atual, de vinculação à receita. Num cenário em que o país tenha inflação baixa e crescimento regular, a fórmula atual tende a levar mais dinheiro para a Educação do que a PEC (supondo que os congressistas se contentem em investir na Educação somente o piso exigido pela PEC). Diante da gravidade da crise econômica, porém, não há como saber se e quando o país voltará a desfrutar essas condições. Em cenários de baixo crescimento e inflação relativamente alta, a PEC tende a levar mais dinheiro para a Educação do que o sistema atual.
O que acontece com a Educação se a PEC for aprovada?
Em 2017, a regra atual será mantida. Os 18% da receita líquida da União irão para a Educação. A mudança ocorrerá a partir de 2018. A regra que passa a valer, então, será o investimento do mesmo valor de 2017 corrigido pela inflação, medida pelo IPCA (o governo projeta inflação de 4,8% para 2017. O mercado financeiro projeta 5,1%). Essa norma passa a valer até 2026, e, se não for alterada então, até 2036. Para o caso da Educação, assim como ocorre com a Saúde, esse valor representa o mínimo obrigatório. O governo pode decidir investir mais nessas duas áreas. Para isso, terá de diminuir o orçamento de outros setores, pois o teto de gasto total do governo federal (sempre o gasto do ano anterior corrigido pela inflação) deverá ser respeitado.
Quais setores da Educação recebem esses repasses da União?
O governo federal possui duas principais atribuições financeirascom a Educação. Ambas são enquadradas pela PEC 241.
A primeira é a gestão de universidades, institutos e escolas federais, que compromete a maior parte do orçamento da área.
A segunda atribuição é dar apoio financeiro a estados e municípios para a implementação de bibliotecas, informatização, transporte escolar, alimentação, confecção e distribuição de livros didáticos econstrução de edificações usadas como creches e escolas. Esses repasses são feitos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
A distribuição de recursos desse fundo varia de acordo com o tópico. Em transporte, a União coloca R$ 1 para cada R$ 8 gastos pelo estado, em média. Em alimentação, essa relação é de R$ 1 para R$ 7. O percentual de contribuição da União para a construção de edificações varia de caso a caso. Já no programa de livros didáticos, o gasto é todo do governo federal. Em caso de crise financeira, como a atual, essa é uma área que pode sofrer mais com os cortes da União.
Apesar dessa série de colaborações em itens importantes, as principais fontes de receita (o Fundeb e a MDE) para a educação básica (do ensino infantil ao final do ensino médio) em estados e municípios não são afetadas pela PEC 241. Essas fontes de verba para a Educação estão protegida de eventuais perdas causadas pela nova regra.
Procedem os alertas de que a Educação perderá muito dinheiro, em relação ao que já vinha sendo investido?
Sim, mas isso não tem a ver com a PEC 241. Dado o momento de crise, o dinheiro para Educação no próximo orçamento diminuiria com ou sem PEC.
A diferença de orçamento será ainda mais sentida por causa de outro fator. A Educação deve deixar de receber uma soma considerável de dinheiro porque nos últimos anos, a despeito da crise, a União vinha repassando um montante maior que os 18% obrigatórios. Nos três últimos anos, o gasto superou bastante o limite. A União gastou R$ 43,1 bilhões acima do mínimo (uma média de R$ 14,4 bilhões a mais por ano). Será difícil manter esse ritmo, a não ser que, com a PEC 241, os congressistas conseguissem enxugar muito os gastos em outras áreas e dedicar esses recursos à Educação. O histórico de nossos congressistas não é animador.
A maior parte das previsões, atualmente, é que os próximos cinco anos ainda sejam de pouca receita para o governo (por causa do crescimento baixo) e inflação ainda resistente. Num cenário assim, a PEC carregará mais dinheiro para a área do que a regra atual faria. A partir do sexto ano, nesses cenários, o valor garantido pela PEC seria menor do que o gerado pela regra vigente.
Uma análise feita pela Câmara dos Deputados mostra que, de forma retroativa, a aplicação da PEC 241 de 2010 a 2016 faria com que a área de Educação deixasse de receber a cada ano entre 9,6% e 18% do que recebeu. Mas essa análise supõe que os congressistas se contentariam sempre em investir apenas o mínimo exigido em Educação. Nos anos passados, os congressistas não trabalhavam sob pressão para obter, no orçamento, mais recursos para a Educação.
E quanto ao Plano Nacional de Educação?
Uma das maiores preocupações de educadores é quanto ao Plano Nacional de Educação (PNE), conjunto de metas para todas as etapas da educação básica, para o atendimento da primeira infância e aformação de professores. De saída, a aprovação da PEC invalida ameta de número 20, que estipula o investimento de 10% do PIB na área (o governo quer encerrar esse vínculo porque a arrecadação, ou seja, o dinheiro disponível para investir, nem sempre acompanha o PIB).
Algumas das metas a vencer nos próximos oito anos, necessariamente, precisariam de ajuda da União para ser efetivadas. No próprio PNE é descrita a necessidade de a União aumentar o repasse de verba, sob risco de a meta não ser cumprida. Esse é o caso do aumento do número de creches e do aumento de repasse para escolas integrais, por exemplo.
As duas grandes mudanças a ocorrer até o fim de 2017 testarão a capacidade de o governo proteger a área. Ambas demandarão muito investimento do governo federal. A primeira é a definição da Base Nacional Comum Curricular, o documento que definirá o que cada criança do país tem o direito de aprender em cada etapa da vida escolar. Essa definição demandará a substituição dos livros didáticos de todo o ciclo de educação básica, algo nunca feito antes num período de tempo tão curto.
A segunda mudança com impacto direto na verba regulada pela PEC será a mudança do ensino médio. Se a Medida Provisória 746, para a reforma dessa etapa do ensino, for aprovada, o aumento do número de escolas em tempo integral deverá mais do que duplicar os gastos com alimentação para esse ciclo de ensino. O governo federal ainda não definiu de que forma complementará os gastos com a área.
Educadores receiam ainda que o crescimento dos gastos com áreas como a Previdência Social e a folha de pagamentos de servidores públicos, reajustados todos os anos de acordo com a inflação, impeçam os congressistas de tentar elevar o investimento destinado à Educação acima do piso mínimo.
Apesar de preocupados, muitos educadores e gestores da área sabem que os cenários imaginados neste momento são especulativos. “Depois da definição da PEC, lutaremos uma batalha por vez no que se refere à ajuda extra da União, quando precisarmos dela”, dizHaroldo Correa Rocha, secretário da Educação do Espírito Santo e vice-presidente do Consed (o Conselho Nacional de Secretários de Educação). “Este é o momento de estados e municípios voltarem-se para locais como Sobral, no Ceará, que chegou ao Ideb de 8,8 – maior que a média da OCDE – com um aumento muito pequeno do orçamento”, diz Naercio Menezes Filho, professor titular do Insper. “O segredo lá foi a gestão. É hora de copiar o que for possível.”
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