24 de outubro de 2016

Estudos chegam a conclusões distintas sobre o investimento necessário para implementar o PNE. Mas ambos apontam que é preciso gastar mais.


POR ANTÔNIO GOIS
Vários estudos têm estimado as consequências da PEC 241 para áreas de saúde e educação. A tendência natural é darmos crédito ao trabalho que confirme nossas opiniões e desprezar conclusões que conflitem com nossas crenças. É o que os psicólogos chamam de viés de confirmação. Na semana passada, o debate na educação foi aquecido com a divulgação de duas notas técnicas com resultados distintos, especialmente no cálculo do gasto necessário para implementar o Plano Nacional de Educação (PNE).
Uma delas defende o investimento de 10% do PIB em educação, e foi elaborada pela Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação) e pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A conclusão foi de que “a aprovação da PEC 241 significa estrangular a educação pública e tornar letra morta o PNE”. A outra foi divulgada pelo Ipea e traça um cenário bem distinto. Pelos cálculos dos autores, “os 10% do PIB não são necessários para a obtenção de uma educação de qualidade. Nossos cálculos indicam que, com 6,2% do PIB, ou seja, com um ponto percentual a mais do já gasto em investimento público direto, seria perfeitamente possível atingir as metas do PNE”.
Para quem não é especialista em financiamento da educação, é difícil identificar qual estudo é mais preciso. Mas é possível identificar algumas escolhas dos autores de cada estudo e que impactam no resultado final.
O estudo do Ipea (assinado pelos pesquisadores Herton Araújo, Camillo Bassi, Ana Codes e Ana Meira), por exemplo, fez simulações de matrículas até 2024 trabalhando com a hipótese de que a proporção de alunos nas redes públicas e privadas se mantenha estável. E também optou por considerar as projeções populacionais do IBGE, que indicam queda na população de 0 a 17 anos. O estudo da Fineduca e da Campanha optou por trabalhar com a hipótese de que as novas matrículas devem ser criadas todas pelo setor público, e aparentemente não considerou as projeções populacionais. (após publicação desse post, os autores do estudo da Fineduca e da Campanha informaram terem sim considerado as projeções populacionais. Leia ao fim desse texto mais detalhes*).  
Um exemplo de como essas escolhas impactam no resultado final pode ser visto na projeção de matrículas em creches. Hoje temos 25% das crianças de 0 a 3 anos matriculadas, e a meta é chegar a 50% em 2024. Pelas contas da Fineduca e da Campanha, será preciso ampliar em 3,1 milhões o número de vagas. Pelas contas do Ipea, o número é de 1,2 milhão. A mesma discrepância aprece nas contas da pré-escola e dos ensinos fundamental e médio. Por um lado, faz sentido considerar a queda no número de nascimentos nas projeções de vagas de creche. Por outro, no caso da faixa etária de 4 a 17 anos, a redução da demanda de fato ajuda na tarefa da universalização até 2024, mas não podemos esquecer que esta, mais do que uma meta, é uma obrigação legal, já em pleno vigor no ano de 2016. É, portanto, uma necessidade de investimento para hoje, e não apenas para o futuro.
Num tema tão complexo, é ingênuo acreditar que um estudo, por melhor que seja, esgote o assunto. Mas a sociedade ganha quando a discussão acontece em bases mais racionais. E vale registrar que, apesar da significativa discordância em relação ao quanto precisaremos gastar, em ao menos um ponto os dois estudos concordam: o investimento público precisará ser ampliado para cumprir o PNE.
Para quem quiser tirar suas próprias conclusões sobre qual estudo está mais robusto, veja aqui o estudo do Ipea, e aqui o da Fineduca/Campanha.
*Sobre as divergencias em relação às projeções, ainda assim, os números entre os dois estudos continuam bastante divergentes, provavelmente pelo fato de o estudo do Ipea ter feito ajustes na projeção do IBGE, considerando que os números da projeção feita para 2014 - o IBGE projetou em 2013 que em 2014 teríamos 11,9 milhões de crianças - não batem com os verificados na Pnad, pesqusia amostral feita também pelo IBGE, que calculou em 10,5 milhões a população de 0 a 3 em 2014, primeiro ano de vigência do PNE). Seja qual for o número utilizado, porém, a projeção é de queda nessa população.

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