EDITORIAL
26/04/2017 Folha de S.Paulos
Mais de 600 cidades em 60 países fizeram no sábado (22) marchas em defesa da ciência. A maioria delas ocorreu nos EUA, onde o movimento começou. No Brasil, foram mais de 20 atos –em visível contraste, porém, com outros eventos pelo mundo.
Nas edições mais bem-sucedidas, o comparecimento foi estimado em 40 mil pessoas, como em Washington e Chicago. A de Nova York teve cerca de 20 mil participantes, e a de Londres, 10 mil.
Em São Paulo, havia em torno de 500 pessoas no largo da Batata para aquela que se revelaria a maior marcha do país. No Rio, 400 protestaram. Não deixa de ser positivo que cidadãos saiam em defesa da pesquisa, mas o número empalidece diante da afluência às congêneres estrangeiras.
Só a USP conta 90 mil alunos, entre graduação e pós-graduação, e por volta de 6.000 docentes, boa parte destes ativos na investigação científica. Na Unifesp, onde se realiza muita pesquisa, há mais de 17 mil estudantes e 1.500 professores.
Seria de presumir que toda essa gente se inclinasse a bater-se por seu campo de atuação, mas o baixo comparecimento evidencia que faltou motivação para sair de casa num sábado chuvoso.
Uma explicação para a discrepância entre Brasil e EUA se encontra numa tradição mais fraca de valorização da ciência por aqui.
Americanos têm consciência do papel da pesquisa no predomínio tecnológico e econômico de seu país. Considerando-a ameaçada pelo obscurantismo e pelo desprezo com os fatos em não poucos integrantes do governo Donald Trump, saem em multidão às ruas.
Embora o Congresso e o debate público no Brasil ofereçam seguidos exemplos de descaso com evidências, seria exagero dizer que ocorram aqui manifestações anticientíficas com as mesmas frequência e intensidade da guerra de "fatos alternativos" dos EUA.
No Brasil, praticamente só cientistas estão engajados em defender o financiamento à pesquisa.
Como a atividade aqui é custeada quase exclusivamente pelo governo, sofreu um golpe duro com o corte de 45% nos recursos de livre aplicação do Ministério da Ciência e Tecnologia, reduzidos de R$ 6 bilhões a R$ 3,3 bilhões neste ano.
Para comparação: só os Institutos Nacionais de Saúde americanos dispõem de R$ 82 bilhões anuais. E isso após o corte de R$ 22 bilhões proposto por Trump, que pode cair no Congresso.
Nos EUA, acrescente-se, é o setor privado que responde pela maior parte do gasto em pesquisa. Nesse campo, o Brasil mal engatinha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário