23 de abril de 2017

Os sofrimentos dos jovens – e de seus pais


Desde o início de abril, uma aflição silenciosa tem assombrado pais de crianças e adolescentes. A divulgação de reportagens sobre investigações que apuram suicídio e ferimentos de jovens, estimulados por jogo na rede mundial de computadores, acendeu o sinal de alerta.
No "desafio da baleia azul", o participante se propõe a cumprir 50 tarefas, das quais vai sendo informado aos poucos, sempre às 4h20 da madrugada. As primeiras se resumem a ficar 24 horas sem dormir assistindo a filmes de terror, ou a passar o dia sem falar com ninguém. Os desafios crescem, incluindo escrever frases e fazer desenhos com lâminas na pele, subir no alto de edifícios, mutilar partes do corpo. A última "missão" é tirar a própria vida.
O jogo foi citado pela primeira vez na Folha na coluna de Marcelo Coelho em 12 de abril. De lá para cá o tema foi tratado mais por colunistas do que em reportagens, capazes de ir além da opinião e de buscar linhas investigativas próprias.
A polícia de ao menos quatro Estados investiga se casos de suicídio e de mutilações têm relação com o jogo, além da atuação de pessoas que seriam aliciadores. Um deputado federal apresentou projeto de lei que prevê pena maior para quem induzir ou instigar por meios digitais a automutilação e o suicídio.
Até a página dedicada à questão do suicídio na edição de sábado, o principal texto que a Folha havia publicado na edição impressa saíra em 15 de abril sob a vinheta "opinião", sinalizando que não era uma reportagem.
Tratava-se de adaptação de coluna da repórter especial Cláudia Colucci, publicada no site na véspera. Na crítica interna, considerei tal procedimento equivocado, porque mais do que opinião existia ali contextualização fundamental.
Na avaliação do secretário de Redação, Vinícius Mota, o caso fica na fronteira entre a opinião e a reportagem analítica. Para ele, "havia recomendações diretas da autora a pais e leitores sobre como agir diante de uma suspeita, linguagem mais típica de textos de opinião".
Era possível adequar a redação de modo a não dar ao leitor a sensação de ler um desabafo ou uma opinião. A fusão de informação e análise é a meta mais perseguida pelo jornalismo para diferenciar-se de relatos crus da internet.
Há muita coisa nebulosa em torno do tema. A começar pelo tabu de que a imprensa não noticia suicídios. Se para alguns a divulgação pode provocar uma onda, para outros é questão de saúde, que deve ser discutida abertamente.
Na Folha, segundo Mota, não há diretriz específica. "Depende do potencial noticioso implícito em cada caso, avaliado por exemplo pelo interesse público e pela reação que desperta nos leitores. Debates sobre o tema tampouco obedecem a regime especial de publicação."
A ideia de que a divulgação de suicídio pode gerar efeito de imitação foi verificada pela primeira vez por influência de uma obra literária. "Os Sofrimentos do Jovem Werther" (1774), de Johann Wolfgang von Goethe, narrava as desventuras do protagonista que, rejeitado pela amada, decide dar cabo da própria vida com um tiro. Em pleno romantismo, jovens europeus repetiram o gesto, caindo ao lado de exemplares do romance.
O tratamento adequado e rigoroso da notícia é a forma que os jornais têm para evitar o "efeito Werther". Mas outras questões necessitam ser investigadas. A principal delas é a comprovação ou não de elementos de vinculação de suicídios ao engajamento no Baleia Azul.
O jornal investigativo russo "Novaya Gazeta" informou ter computado 130 suicídios de adolescentes entre novembro de 2015 e abril de 2016. "Quase todos eram integrantes de grupos da internet e viviam em famílias boas e felizes", apontou.
O psiquiatra Daniel Martins de Barros contou, no jornal "O Estado de S. Paulo", que o site de verificação de boatos Snopes.com trilhou o caminho da história de trás para frente, chegando à notícia original, publicada pelo "Novaya Gazeta", e mostrou como era recheada de inferências e suposições.
Em fóruns de hackers, há teorias conspiratórias que atribuem o jogo e sua associação a mortes de internautas a governos autoritários interessados em produzir pânico. O objetivo seria fomentar apoio à imposição de vigilância, limitações e censura nas redes sociais.
O assunto requer cuidados, é de interesse amplo e comporta muitas linhas a serem investigadas. É um tema da nova era da sociedade de informação digital, que abre possibilidades para os jornais demonstrarem por que são e sempre serão socialmente relevantes. 

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